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sexta-feira, 23 de outubro de 2015

REFLEXÃO SOBRE A AMIZADE UNIVERSAL

Esta reflexão pode ser utilizada como recitação durante a prática da meditação metta (amor, amorosidade). Como é uma recitação curta e com muitas repetições, com a leitura diária será facilmente memorizada.
Sempre que fizermos essa prática podemos visualizar que nossa intenção se concretiza. O venerável U Silananda recomenda que enquanto dizemos sentenças como essas, visualizamos e tentamos ver realmente todos os seres estando bem, felizes, em paz e que nossos pensamentos de amor os alcança, toca-os, abraça-os, e que os faz se sentir realmente bem, felizes e em paz . ao recitar para nós podemos nos ver banhados pela benção do Buda, do Dharma e da Sagha; ao recitar para os outros podemos visualizarmo-nos irradiando tais bênçãos. Alguns se utilizam da imagem mental de uma luz azul para facilitar essa visualização, porém não me recordo de ver uma orientação assim dada por algum professor, nem nos meus livros que acabo de consultar, nem no cânone, mas isto pode realmente ser útil no começo.
Durante a recitação além da visualização devemos estar concentrados em tudo isso e realmente fazer essa reflexão. Ela começa desejando o bem a nós mesmos e depois para todos os seres. Em seguida descreve resumidamente o processo do kamma (karma). Esta é a lei da ação e consequência; também a tomada de consciência da responsabilidade, inteiramente, sobre nossas ações. Quando falamos “todos os seres”, obviamente estamos incluídos neste grupo, então ao recitar essa última parte deve-se estar consciente de que não estamos desejando isso ao outros, pois é uma lei, não precisa ser desejada, mas sim que devemos agir corretamente seja mental, verbal ou corporalmente e quiçá possamos inspirar todos os seres a essa mesma experiência.
A tradução aqui utilizada foi feita diretamente do pali pelo professor Ricardo Sasaki e publicada em sua obra O Livro das Devoções pelas edições Nalanda em 1999.

Handa mayam brahmaviharapharanam karomase

Reflexão sobre a Amizade Universal

Que eu possa ser feliz,
Que eu possa ser livre do sofrimento,
Que eu possa ser livre da inimizade,
Que eu possa ser livre das dificuldades,
Que eu possa preservar minha felicidade.

Que todos os seres sejam felizes,
Que todos os seres sejam livres da inimizade,
Que todos os seres sejam livres da maldade,
Que todos os seres sejam livres das dificuldades,
Que todos os seres preservem sua felicidade,
Que todos os seres não se separem da boa fortuna que já conquistaram,
Que todos os seres sejam totalmente livres da insatisfação.

Todos os seres são senhores de suas ações,
Herdeiros de suas ações,
Nascidos de suas ações,
Unidos às suas ações,
Protegidos por suas ações.
O que quer que afaçam, para o bem ou para o mal,

Disto eles serão os herdeiros.

quinta-feira, 15 de outubro de 2015

METTA - AMOR

O professor Dr. Uttara Nyana nos recomendou veementemente que praticássemos metta todos os dias. As vantagens de praticar metta são surpreendentes, não apenas para o praticante, mas também por beneficiar todos os seres, de tantas maneiras que é difícil imaginar todas. Metta pode ser praticado em forma de meditação e recitação. Já publiquei aqui uma tradução do Karaniya Metta Sutta com uma introdução estou trazendo novamente essa tradução e a introdução atualizada com novos elementos que espero que ajudem na compreensão, primeiramente, do que é metta. Depois desta também trarei outros suttas sobre o tema, instruções de professores e as recitações propriamente ditas que constituem parte da prática.
Muitos hoje se aproximam do budismo por ser uma religião mais racional e prática, enxuta e pragmática em sua moralidade que contempla uma vasta gama de condutas com poucos treinamentos ou “preceitos”, sem nenhum aspecto metafísico a ser aceito ou crido de antemão e, embora talvez a religião mais extensa em seus livros sagrados, não possui uma sabedoria dogmática, possui quase nenhuma mitologia e mesmo em sua simbologia é clara e objetiva, na grande maioria das vezes explicadas imediatamente pelo próprio Buda, o que dificulta a diversidade de interpretações causadoras de celeumas como temos em relação a outros livros sagrados a exemplo da bíblia e do Vedanta.
Isso também foi o que me aproximou do budismo, além de alguns outros fatores. Entre eles sempre destaco, dentro dessa temática, a quase singularidade de não ser uma religião revelada (isto é, ditada por algum ser invisível) e de oferecer um método para ver por si mesmo, Buda diz “seja seu próprio mestre” e “não acredite só porque alguém disse ou porque eu estou dizendo”. O “faça você mesmo” e o “venha e veja”, são dois aspectos que o budismo oferece e, no meu entendimento, satisfaz qualquer pessoa que se aproxime dele e sinceramente experimente praticá-lo (isto não importando de início se a pessoa se considere budista, nem se continue com sua religião ou crenças anteriores).
Quer dizer, o Buda não dá uma série de informações nas quais você deva acreditar ou aceitar ou ver se está de acordo com o que você pensa; ele não se diz o dono da verdade nem que você estará salvo se acreditar nele e condenado se duvidar. Ele nos convida a experimentarmos, em nossas vidas, a prática de uma forma de moral e de uma forma de meditação que nos levará gradualmente à felicidade e à libertação da ignorância, do medo, do sofrimento, etc.; e ele oferece um método eficaz para isso, o qual comprovaremos por nós mesmos, sem ter que acreditar cegamente, mas sim fazendo por nós mesmos, comprovando sua eficácia e experimentando os seus resultados. Ele também não oferece uma sabedoria axiomática ou decorada com regras de ouro e explicações fabulosas; ele nos oferece um modo de ver e de viver, uma sabedoria elevada em seus resultados, que deve ser estudada, compreendida, mas que só poderá ser comprovada em seus mais elevados objetivos se levamo-la à prática. Ele não diz “isto é assim, acredite porque eu sou Buda e vi por mim mesmo”, ele diz “venha e veja”, veja você mesmo, você deve ver o que ele vê e não simplesmente crer.
Entretanto, muitas vezes um pouco tarde, vamos notar que o aspecto moral e da boa vontade é um aspecto primordial, ou seja, que deve vir primeiro no treinamento gradual, que este é também uma prática e é a primeira prática a ser experimentada. Sem a “purificação da mente” não há budismo, e para que haja a purificação da mente devemos experimentar na prática a receita da virtude ética e moral do senhor Buda, experimentá-la a fim de comprovarmos seus resultados em nossas vidas, mas não só isso, também para conhecermos e colhermos os frutos dessa conduta.
Sem uma forma de comportamento adequado não alcançaremos o que é traduzido geralmente como moradas divinas (Brahma-vihara), que são os “estados excelentes”. Devemos desenvolver também qualidades excelentes que para avançar no caminho (amor, compaixão, alegria altruísta e equanimidade), e assim podermos colher os melhores frutos, se não até o ver por si mesmo também poderá permanecer muito limitado.
Nós não temos essas características ou capacidades desenvolvidas, é preciso aprendê-las e treiná-las, pois a verdadeira e definitiva purificação mental só é atingida através da meditação avançada, quando já se pode ver e compreender por si mesmo. Buda ensina um método para desenvolver essas qualidades, treinando-as, pois são a conduta correta em relação aos seres vivos, o que evitará o conflito, o sofrimento, a carência, a insegurança, etc. na vida no mundo; além de serem considerados estados sublimes nos quais se pode obter os reais benefícios das práticas e da meditação. Aquele que desenvolver esses estados mentais, através da conduta e da meditação, obterá a felicidade. Esse sutta trata em forma de verso do primeiro desses estados (metta, amorosidade, também traduzido como amor-bondade, amistosidade ou simplesmente amor), de como cultivá-lo e de suas vantagens.
A palavra pali “metta” tem sido traduzido como amor-bondade e amorosidade entre outras. Especialistas, entretanto, têm apontado que não existe no inglês (nem no português) uma palavra só que traduza o significado dessa palavra. Segundo Christopher Titmuss, escritor e monge budista na Tailândia e Índia, “bondade amorosa” é também é uma tradução inadequada. Ele aponta para o significado dado pelo respeitado Pali-English Dictionary que traduz como “amor” e explica que “metta expressa amor incondicional, amizade profunda e bondade ilimitada, aberta e sem amarras”. Ora, tal significado o encontramos no grego “ágape”. Ágape significa um amor universal, incondicional, e é esse o significado de metta, amor incondicional, como o amor de Buda por nós.
Sutta Nipata I.8
Karaniya Metta Sutta
Amor Bondade
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Quem é hábil no que é benéfico, desejando alcançar
aquele estado de paz, age assim:
capaz, correto, honrado,
com a linguagem nobre, gentil e sem arrogância,
Satisfeito e fácil de sustentar,
sem ser exigente por natureza, frugal no seu modo de vida,
os sentidos acalmados, sábio,
moderado, sem cobiçar ganhos.
Não faz nada, mesmo que trivial,
que seja condenado pelos sábios.[1
]
Pense: felizes, seguros,
que todos os seres tenham os corações plenos de bem-aventurança.
Todos os seres vivos que existem,
fracos ou fortes, [2
] sem exceção,
compridos, grandes,
médios, curtos,
sutis, grosseiros,
Visíveis e invisíveis,
próximos e distantes,
nascidos e por nascer:
que todos os seres tenham os corações plenos de bem-aventurança.
Que ninguém engane
ou despreze outrem, em nenhum lugar,
ou devido à raiva ou má vontade
deseje que alguém sofra. [3
]
Tal qual uma mãe, colocando em risco a própria vida,
ama e protege o seu filho, o seu ú
nico filho,
da mesma forma, abraçando todos os seres,
cultive um coração sem limites.
Com amor bondade para todo o universo,
cultive um coração sem limites:
Acima, abaixo e em toda a volta,
desobstruído, livre da raiva e da má vontade.
Quer seja parado, andando,
sentado, ou deitado,
sempre que estiver desperto,
cultive essa atenção plena:
a isto se denomina uma morada divina
no aqui e agora.[4
]
Sem estar aprisionado pelas idéias,
virtuoso e com a visão consumada,
tendo subjugado o desejo pelo prazer sensual,
ele não mais renascerá.[5
]



Notas:
[1] Como pode ser observado, os temas do sutta não correspondem exatamente às estrofes do poema. O primeiro tema – virtude ou disciplina moral – compreende do primeiro verso até a primeira metade do terceiro verso. A virtude, (sila), proporciona o sólido fundamento ético no qual se baseia o desenvolvimento da mente. As primeiras duas linhas dizem que essa base ética é tanto uma estratégia para alcançar o objetivo da iluminação bem como uma expressão do caráter da pessoa. É aceito como verdadeiro que todos os seres aspiram pela própria felicidade, todos querem ser felizes, e este sutta tem a intenção de ajudar as pessoas a alcançarem esse objetivo ensinando quais as qualidades de caráter benéficas que devem ser desenvolvidas com habilidade. Tudo que segue no sutta é uma série de descrições sobre como uma pessoa sábia e hábil, ou uma pessoa que deseja progredir na direção do objetivo, deveria se comportar no mundo. Uma lista de virtudes específicas é apresentada – gentil, não arrogante, moderado, etc. – seguida por um enunciado geral (“Não faz nada ...”) que engloba todas as demais virtudes que não foram especificadas em detalhe.
[2] Tasa va thavara, literalmente “em movimento” ou “estável”, mas o seu significado vai além do sentido literal. O que está implícito é que alguns seres estão em movimento porque estão agitados, insatisfeitos ou impulsionados pelo desejo e isso no contexto Budista compreende a noção de fragilidade ou fraqueza. De modo semelhante, quando alguém está firmemente estabelecido, tranqüilo e quieto, isso expressa uma condição de maior força e estabilidade. O amor bondade para com o primeiro tende para a compaixão pelo bem-estar dos mais fracos, enquanto que para com o último tende para a alegria altruísta pela capacidade dos fortes.
[3] Na metade do terceiro verso, a voz dos verbos muda para refletir a transição para a prática meditativa. Os verbos no imperativo, (“pense ...”), são usados para guiar a intenção no momento presente para a geração de amor bondade ou boa vontade. Enquanto que as virtudes no primeiro tema são apresentadas como conceitos, (“Ser capaz, correto ...”), a uma certa distância, aqui a linguagem é imediata e aponta diretamente para o cultivo do estado de boa vontade para com todos os seres. Isto alinha o poema com a prática de metta bhavana, ou meditação de amor bondade, e essas frases podem ser empregadas como guia para essa prática.
A geração de intenção é essencial na prática da meditação de metta, onde ela desenvolve o papel de moldar a qualidade da mente no momento presente. Ao invés de pensar em algo ou se recordar do passado, ou planejar o futuro, a pessoa adota naquele exato momento a qualidade mental de desejar o bem estar dos outros. Por conseguinte estamos passando da virtude geral para a meditação específica, para o cultivo deliberado de certos estados mentais e a intenção de manter presente um certo objeto na mente. Neste caso o objeto é o pensamento com respeito a todos os seres, enquanto que o estado mental com relação a esse objeto é a intenção ou desejo que todos os seres tenham felicidade e segurança.
A mudança de voz no sexto verso indica a descrição de algumas das diretrizes para a prática de ações benéficas.
[4] A meditação de metta é caracterizada como um dos quatro brahma viharas ou moradas divinas. Várias nuances de amor maternal são também empregadas para descrever os outros três brahma viharas ou qualidades divinas do coração: compaixão (tal qual uma mãe em relação a um filho doente), alegria altruísta (tal qual uma mãe em relação a um filho que vai em busca do seu lugar no mundo), e equanimidade (tal qual uma mãe ao ouvir sobre os eventos da vida de um filho adulto).
O nono verso estabelece uma relação crucial entre a meditação de metta e a meditação vipassana, (insight), através da clássica ênfase na atenção plena.
[5] O último verso do sutta desloca a ênfase da meditação para a realização da sabedoria – o plano mais elevado na aspiração Budista. Esse é o cume do caminho, a destinação que é alcançada quando a prática diligente de meditação é desenvolvida sobre uma base sólida de virtude. A ênfase é colocada na purificação da visão, a habilidade para ver com clareza. Menciona a eliminação do desejo como um elemento das experiências e nomeia a emancipação do renascimento como o fruto da iluminação.



Copyright © 2000 - 2010, Acesso ao Insight - Michael Beisert: editor.

quinta-feira, 1 de outubro de 2015

O Grande Discurso do Parinibbana

         Digha Nikaya 16, Mahaparinibbana Sutta, O Grande Discurso do Parinibbana. Este é um sutta muito importante no cânone, é o sutta maior falando sobre a passagem do Buda.

Um Buda controla completamente seu corpo, sua saúde, se ele quiser, por que então um Buda envelheceria, adoeceria e morreria?

         É simples: se não fosse assim seu ensinamento estaria prejudicado em seu principal aspecto. O Buda ensina a perceber que tudo e todos são transitórios, o Buda ensina que tudo neste mundo possui três características fundamentais: transitoriedade, insatisfatoriedade e insubstancialidade. Então como ele mesmo iria permanecer no mundo, nesse estado de coisas, ainda mais sendo ele o Buda?

         Mesmo se seu corpo permanecesse até o fim desse universo, não haveria alguém além dele e de outros budas para testemunhar esse fato. Para os mortais ele pareceria ter um corpo imortal e contrariar seus próprios ensinamentos.

         Sim, talvez permanecer tanto tempo vivo fosse uma prova e um estímulo, mostrando de que seu ensinamento é verdadeiro e vale a pena, mas seria um estímulo errado, as pessoas praticariam com a motivação errada, justamente a que contrária seu ensinamento, o apego. E ainda pior: apego a um estado imperfeito, ilusório e de sofrimento, quando Buda ensina justamente o fim do sofrimento e o não-apego.

As pessoas praticariam para permanecerem. Continuariam apegadas a tudo, à vida, e a noção de um eu permanente, imortal. Ora, isso contraria tudo que Buda ensina, elas não se libertariam, não atingiriam a iluminação, não buscariam o fim das impurezas, enfim, elas continuariam sofrendo. Continuariam do mesmo jeito, presas à roda do samsara e sequer atingiriam a almejada imortalidade justamente por isso mesmo.

         Com seu falecimento Buda está ensinando, com seu próprio exemplo, a transitoriedade da vida e de tudo mais, ensinando o não apego. Ele está partindo.

Nibbana é a nossa meta, ela é atingida aqui, ou em outro reino do samsara, mas mahaparinibbana quer dizer o Nibbana final, aquele que se atinge no instante da morte. É a libertação final. Depois disso não se pode saber onde o Buda está, mas ele diz que ele permanece aqui, como seu Dhamma.  

Buda diz também que depois disso não se pode dizer que ele existe nem que ele não existe, ele está além da percepção e da não percepção. Alguns dizem que ele está na eternidade, além do tempo.

O que temos das palavras do Buda nos dá respaldo para dizer apenas que ele está livre da ignorância, da insatisfatoriedade e das impurezas. Ele fala da realização de Nibbana como extrema satisfação, extrema felicidade, extrema alegria.

         Esse sutta não trata só desse tema, mas de diversos assuntos, bem como do que são os principais ensinamentos e práticas e de como se deve dedicar-se a eles.

Digha Nikaya 16

Mahaparinibbana Sutta

O Grande Discurso do Parinibbana


Somente para distribuição gratuita

1.1. Assim ouvi. [1] Em certa ocasião, o Abençoado estava em Rajagaha na montanha do Pico do Abutre. Naquela ocasião, o Rei Ajatasattu Vedehiputta desejava guerrear com os Vajjias. [2] Ele disse: “Atacarei os Vajjias que são muito fortes e poderosos. Irei aniquilá-los e destruí-los, causar-lhes-ei ruína e destruição!”

1.2. E o Rei Ajatasattu disse para o seu primeiro-ministro, o Brâmane Vassakara: “Brâmane, vá até o Abençoado e preste uma homenagem em meu nome, com a sua cabeça aos pés dele e pergunte se ele está livre de enfermidades e aflições, se está com saúde, forte e vivendo com conforto, dizendo: ‘Venerável senhor, o Rei Ajatasattu Vedehiputta de Magadha deseja atacar os Vajjias e diz: “Atacarei os Vajjias ..., causar-lhes-ei ruína e destruição!” E o que quer que o Abençoado diga, relate-o fielmente para mim, pois os Tathagatas nunca mentem.”

1.3. “Muito bem, venerável senhor,” disse Vassakara e tendo preparado as carruagens reais, ele montou numa delas e saiu com toda a pompa da realeza de Rajagaha em direção ao Pico do Abutre. Ele foi até onde a estrada permitia e depois continuou a pé até onde o Abençoado estava e ambos se cumprimentaram. Quando a conversa cortês e amigável havia terminado ele se sentou a um lado e relatou a mensagem do Rei.

1.4. Agora, o Venerável Ananda estava em pé atrás do Abençoado, ventilando-o. O Abençoado disse:
“Ananda, você ouviu dizer que os Vajjias se reúnem em assembléia regular e frequentemente?” “Eu ouvi que eles assim o fazem.”
“Ananda, enquanto os Vajjias se reunirem em assembléias com freqüência e regularmente, é de se esperar que eles prosperem e não que declinem. Você ouviu dizer que os Vajjias se reúnem em harmonia, se separam em harmonia e conduzem os seus negócios em harmonia?” “Eu ouvi, venerável senhor, que eles assim o fazem.”
“Ananda, enquanto os Vajjias se reunirem em harmonia, se separarem em harmonia e conduzirem os seus negócios em harmonia, é de se esperar que eles prosperem e não que declinem. Você ouviu dizer que os Vajjias não permitem aquilo que ainda não foi autorizado e não restringem aquilo que foi autorizado, mas prosseguem de acordo com aquilo que foi autorizado na sua tradição ancestral?” “Eu ouvi, venerável senhor” ... “Você ouviu dizer que eles honram, respeitam, reverenciam e saúdam os seus anciãos e consideram que a eles se deve dar ouvidos? ... que eles não raptam à força as mulheres e as filhas dos outros e as obrigam a viver com eles? ... que eles honram, respeitam, veneram e saúdam os santuários Vajjias dentro das cidades e fora delas, não retirando o apoio adequado feito e dado anteriormente? ... que medidas adequadas são tomadas para a segurança dos Arahants, para que esses Arahants possam viver lá no futuro, e que aqueles que lá vivem possam permanecer com conforto?” “Eu ouvi, venerável senhor.” “Ananda, enquanto medidas adequadas forem tomadas, ... é de se esperar que eles prosperem e não que declinem.”

1.5. Então, o Abençoado disse para o Brâmane Vassakara:
“Certa vez, Brâmane, quando eu estava no Santuário Sarandada em Vesali, eu ensinei aos Vajjias esses sete princípios para prevenir o declínio e enquanto eles mantiverem esses sete princípios, enquanto esses princípios permanecerem vigentes, é de se esperar que os Vajjias prosperem e não que declinem.” Em vista disso, Vassakara respondeu: “Venerável Gotama, se os Vajjias mantiverem mesmo que um desses princípios, é de se esperar que eles prosperem e não que declinem – quanto mais todos os sete. Com certeza os Vajjias nunca serão conquistados pelo Rei Ajatasattu através da força das armas, mas sim através da propaganda [3] e colocando-os uns contra os outros. E agora, Venerável Gotama, estou muito ocupado e tenho muito que fazer.” “Brâmane, faça como julgar adequado.” Então, Vassakara, satisfeito e contente com as palavras do Abençoado, levantou-se do seu assento e partiu.

1.6. Pouco tempo depois de Vassakara haver partido o Abençoado disse:
“Ananda, vá até os bhikkhus que se encontram em Rajagaha e convoque-os para o salão de assembléias.” “Muito bem, venerável senhor,” Ananda disse e assim fez. Então, ele voltou até o Abençoado e depois de cumprimentá-lo ficou em pé a um lado e disse: “Venerável senhor, a ordem dos bhikkhus está reunida. Agora é o momento para o Abençoado fazer o que julgar adequado.”
Então, o Abençoado se levantou do seu assento, foi até o salão de assembléias, sentou-se num assento que havia sido preparado e disse: “Bhikkhus, eu ensinarei para vocês sete coisas que conduzem ao bem-estar. [4] Ouçam e prestem muita atenção àquilo que eu vou dizer.” – “Sim, venerável senhor,” os bhikkhus responderam. O Abençoado disse o seguinte::
“Enquanto os bhikkhus se reunirem em assembléia com freqüência e regularmente, é de se esperar que eles prosperem e não que declinem. Enquanto eles se reunirem em harmonia, se separarem em harmonia e conduzirem os seus afazeres em harmonia, é de se esperar que eles prosperem e não que declinem. Enquanto eles não permitirem aquilo que ainda não foi autorizado e não restringirem aquilo que foi autorizado, mas prosseguirem de acordo com aquilo que foi autorizado nas regras de treinamento ….; enquanto eles honrarem, respeitarem, reverenciarem e saudarem os bhikkhus seniores que foram ordenados há muito tempo, os pais e líderes da ordem ...; enquanto eles não forem uma presa dos desejos que neles surgirem e que conduzem ao renascimento ...; enquanto eles se dedicarem a viver nas florestas ....; enquanto eles mantiverem a sua atenção plena estabelecida, para que no futuro os bons companheiros venham até eles, e aqueles que já vieram se sintam bem na companhia deles ...; enquanto os bhikkhus mantiverem essas sete coisas e forem vistos fazendo isso, é de se esperar que eles prosperem e não que declinem.

1.7. “Eu ensinarei para vocês outras sete coisas que conduzem ao bem-estar. Ouçam e prestem muita atenção àquilo que eu vou dizer.” – “Sim, venerável senhor,” os bhikkhus responderam. O Abençoado disse o seguinte: “Contanto que os bhikkhus não se regozijem, não se deliciem e não fiquem absortos em atividades, conversas, sono e convívio social; contanto que eles não abriguem ou fiquem sob a influência de desejos inábeis e prejudiciais; contanto que eles não tenham amigos, colegas ou companheiros prejudiciais; contanto que eles não fiquem satisfeitos com realizações parciais [5]; contanto que os bhikkhus mantenham essas sete coisas e sejam vistos agindo assim, é de se esperar que eles prosperem e não que declinem.

1.8. “Eu ensinarei para vocês outras sete coisas ... Enquanto os bhikkhus mantiverem a fé, a vergonha e o temor de cometer transgressões, o aprendizado, a energia estimulada, a atenção plena estabelecida, a sabedoria ...

1.9. “Eu ensinarei para vocês outras sete coisas ... Enquanto os bhikkhus desenvolverem os fatores da iluminação: da atenção plena, da investigação dos fenômenos, da energia, do êxtase, da tranqüilidade, da concentração, da equanimidade ...

1.10. “Eu ensinarei para vocês outras sete coisas ... Enquanto os bhikkhus desenvolverem a percepção da impermanência, do não-eu, das impurezas (do corpo), da miséria (do corpo), da renúncia, do desapego, da cessação, ... é de se esperar que eles prosperem e não que declinem.

1.11. “Bhikkhus, eu ensinarei para vocês seis coisas que conduzem à vida em comunidade. Enquanto os bhikkhus, tanto em público como em particular, praticarem ações com amor bondade com o corpo, linguagem e mente para com os seus companheiros na vida santa… compartirem com os seus virtuosos companheiros qualquer coisa que recebam como dádivas apropriadas, inclusive o conteúdo das suas tigelas de esmolar, sem guardar apenas para si, … observar consistentemente, sem alteração e ininterruptamente aquelas regras de conduta que são imaculadas, que conduzem à libertação, elogiadas pelos sábios, puras e que conduzem à concentração, e perseverar nisso juntamente com os seus companheiros, tanto em público como em particular, ... continuar com o entendimento nobre que conduz à libertação, à completa destruição do sofrimento, permanecendo com esse insight juntamente com os seus companheiros, tanto em público como em particular, ... Enquanto os bhikkhus mantiverem essas seis coisas e forem vistos fazendo isso, é de se esperar que eles prosperem e não que declinem.”

1.12. Então, enquanto o Abençoado estava na montanha do Pico do Abutre, ele freqüentemente aconselhava os bhikkhus desta forma: “Isto é virtude, isto é concentração, isto é sabedoria. A concentração quando imbuída da virtude, traz grandes frutos e resultados. A sabedoria, quando imbuída da concentração, traz grandes frutos e resultados. A mente imbuída de sabedoria se liberta completamente das impurezas, isto é, da impureza do desejo sensual, de ser/existir, do entendimento incorreto e da ignorância.”

1.13. E quando o Abençoado tinha permanecido em Rajagaha pelo tempo que desejava, ele disse para o Venerável Ananda: “Venha, Ananda, vamos para Ambalatthika.” “Muito bem, Venerável senhor,” disse Ananda, e o Abençoado foi para lá com uma grande comitiva de bhikkhus.

1.14. E o Abençoado ficou no parque real em Ambalatthika,[6] e lá também ele freqüentemente aconselhava os bhikkhus desta forma: “Isto é virtude, isto é concentração, isto é sabedoria ...” (igual ao verso 1.12).

1.15. Tendo permanecido em Ambalatthika pelo tempo que desejava, ele disse para o Venerável Ananda: “Vamos para Nalanda, e assim eles fizeram. Em Nalanda o Abençoado ficou no manguezal de Pavarika.

1.16. Então, o Venerável Sariputta foi até o Abençoado e depois de cumprimentá-lo sentou a um lado e disse: [7] “Venerável senhor, eu tenho tamanha confiança no Abençoado que acredito que não existe ou nunca existirá no presente um outro contemplativo ou brâmane com mais conhecimento do que o Abençoado com respeito à iluminação.”
“Sublime de fato é essa sua afirmação bramada, Sariputta, você rugiu o definitivo e categórico rugido do leão: ‘Venerável senhor, eu tenho tamanha confiança no Abençoado que acredito que não existe ou nunca existirá no presente um outro contemplativo ou brâmane com mais conhecimento do que o Abençoado com respeito à iluminação.’ Você agora, Sariputta, compreendeu com a sua mente as mentes de todos os Arahants, os Perfeitamente Iluminados, que surgiram no passado e assim compreendeu: ‘Esses Abençoados tinham tal virtude ou tais qualidades, ou tal sabedoria, ou tal permanência, ou tal libertação’?”
“Não, venerável senhor.”
“Então, Sariputta, você compreendeu com a sua mente as mentes de todos os Arahants, os Perfeitamente Iluminados, que surgirão no futuro e assim compreendeu: ‘Esses Abençoados terão tal virtude ou tais qualidades, ou tal sabedoria, ou tal permanência, ou tal libertação’?”
“Não, venerável senhor.”
“Então, Sariputta, você compreendeu com a sua mente a minha própria mente – eu sendo no momento o Arahant, o Perfeitamente Iluminado - e assim compreendeu: ‘O Abençoado tem tal virtude ou tais qualidades, ou tal sabedoria, ou tal permanência, ou tal libertação’?”
“Não, venerável senhor.”
“Sariputta, se você não tem o conhecimento compreendendo as mentes dos Arahants, os Perfeitamente Iluminados do passado, do futuro e do presente, porque você faz essa sublime afirmação bramada e ruge o definitivo e categórico rugido do leão: ‘Venerável senhor, eu tenho tamanha confiança no Abençoado que acredito que não existe ou nunca existirá no presente um outro contemplativo ou brâmane com mais conhecimento do que o Abençoado com respeito à iluminação.’?”

1.17. “Eu não tenho, venerável senhor, o conhecimento compreendendo as mentes dos Arahants, os Perfeitamente Iluminados do passado, do futuro e do presente, mas ainda assim compreendi isso através da inferência do Dhamma. Suponha, venerável senhor, que um rei tivesse uma cidade fronteiriça com sólidas muralhas, proteções e abóbadas e com um único portão. O guardião ali postado seria sábio, competente e inteligente; alguém que não permite a entrada de desconhecidos e admite que entrem os conhecidos. Enquanto ele patrulha seguindo o caminho que circunda a cidade ele não vê uma fissura ou abertura nas muralhas grande o suficiente para permitir que mesmo um gato possa passar. Ele poderia pensar: ‘Qualquer criatura de bom tamanho que entre ou saia desta cidade, todas entram e saem através deste portão.’
“Do mesmo modo, venerável senhor, eu compreendi isso através da inferência do Dhamma: Todos os Arahants, Perfeitamente Iluminados, que surgiram no passado, todos esses Abençoados primeiro abandonaram os cinco obstáculos, corrupções da mente e enfraquecedores da sabedoria; e depois, com as suas mentes bem estabelecidas nos quatro fundamentos da atenção plena, eles desenvolveram corretamente os sete fatores da iluminação; e dessa forma eles despertaram para a insuperável iluminação perfeita. E, venerável senhor, todos os Arahants, Perfeitamente Iluminados, que irão surgir no futuro, todos esses Abençoados irão primeiro abandonar os cinco obstáculos, corrupções da mente e enfraquecedores da sabedoria; e depois, com as suas mentes bem estabelecidas nos quatro fundamentos da atenção plena, eles irão desenvolver corretamente os sete fatores da iluminação; e dessa forma despertarão para a insuperável perfeita iluminação. E, venerável senhor, o Abençoado, que é no presente o Arahant, o Perfeitamente Iluminado, primeiro abandonou os cinco obstáculos, corrupções da mente e enfraquecedores da sabedoria; e depois, com a sua mente bem estabelecida nos quatro fundamentos da atenção plena, desenvolveu corretamente os sete fatores da iluminação; e dessa forma despertou para a insuperável perfeita iluminação."

1.18. Então, enquanto estava em Nalanda, no manguezal de Pavarika, o Abençoado freqüentemente aconselhava os bhikkhus desta forma: “Isto é virtude, isto é concentração, isto é sabedoria ...”. (igual ao verso 1.12).

1.19. Tendo permanecido em Nalanda pelo tempo que desejava, o Abençoado disse para Ananda: “Vamos para Pataligama,” e assim eles fizeram.

1.20. Em Pataligama eles ouviram: “O Abençoado acaba de chegar aqui.” E os discípulos leigos de Pataligama foram até o Abençoado e depois de cumprimentá-lo sentaram-se a um lado e disseram: “Que o Abençoado concorde em visitar o nosso salão de assembléias!” E o Abençoado concordou em silêncio.

1.21. Então, quando eles viram que ele havia concordado, eles se levantaram dos seus assentos e depois de homenagear o Abençoado, mantendo-o à sua direita, foram até o salão de assembléias. Eles cobriram o salão completamente com coberturas e prepararam assentos, arranjaram um grande jarro com água e penduraram uma lamparina de azeite. Então, eles foram até o Abençoado e depois de cumprimentá-lo, ficaram em pé a um lado e disseram: “Venerável senhor, o salão de assembléias foi coberto completamente com coberturas e os assentos foram preparados, um grande jarro com água foi arranjado e uma lamparina de azeite foi pendurada. Agora é o momento para o Abençoado fazer aquilo que julgar adequado.”

1.22. Então, o Abençoado se vestiu e tomando a sua tigela e o manto externo, foi com a Sangha dos bhikkhus até o salão de assembléias. Ao chegar, ele lavou os pés e depois entrou no salão e sentou-se próximo à coluna central olhando para o leste. E os bhikkhus lavaram os pés e depois entraram no salão e sentaram-se na parede do lado oeste olhando para o leste, com o Abençoado à sua frente. E os discípulos leigos de Pataligama lavaram os pés e entraram no salão e sentaram-se na parede do lado leste olhando para o oeste, com o Abençoado à sua frente.

1.23. Então, o Abençoado se dirigiu aos discípulos leigos de Pataligama: “O homem imoral, chefes de família, por ter decaído da virtude, enfrenta cinco perigos. Quais são eles? Em primeiro lugar ele sofre grande perda de posses devido à sua negligência. Em segundo lugar, ele obtém má reputação devido à sua imoralidade e má conduta. Em terceiro lugar, em qualquer assembléia que ele entre, quer seja de Khattiyas, Brâmanes, chefes de família ou contemplativos, ele se comporta de modo inseguro e tímido. Em quarto lugar, ele morre confuso. Em quinto lugar, com a dissolução do corpo após a morte, ela reaparece num estado de privação, num destino infeliz, nos reinos inferiores, até mesmo no inferno. Esses são os cinco perigos para aquele que é imoral.

1.24. “Cinco bênçãos, chefes de família, são obtidas pelo homem íntegro através da prática da virtude. Quais são elas? Em primeiro lugar, devido à sua diligência ele obtém muitas posses. Em segundo lugar, ele obtém boa reputação devido à sua moralidade e boa conduta. Em terceiro lugar, em qualquer assembléia que ele entre, quer seja de Khattiyas, Brâmanes, chefes de família ou contemplativos, ele se comporta de modo seguro e autoconfiante. Em quarto lugar, ele não morre confuso. Em quinto lugar, na dissolução do corpo, após a morte, ele renasce num destino feliz, no paraíso. Essas são as cinco bênçãos para aquele que é íntegro através da prática da virtude.”

1.25. Então, o Abençoado instruiu, motivou, estimulou e encorajou os discípulos leigos de Pataligama com um discurso do Dhamma, durante a maior parte da noite. Depois ele os dispensou, dizendo: “Chefes de família, a noite quase terminou. Agora é o momento para vocês fazerem o que julgarem adequado.” “Muito bem, venerável senhor,” eles responderam e aí se levantaram dos seus assentos e depois de homenagear o Abençoado, mantendo-o à sua direita, partiram. E o Abençoado passou o restante da noite no salão de assembléias vazio.

1.26. Agora, naquela ocasião, Sunidha e Vassakara, os ministros de Magadha, estavam construindo uma fortaleza em Pataligama como defesa contra os Vajjias. E ao mesmo tempo uma multidão de milhares de devas estava estabelecendo residência em Pataligama. E naquelas partes em que os devas poderosos se estabeleciam, eles faziam com que as mentes dos oficiais reais mais poderosos escolhessem aqueles lugares para se estabelecerem, e onde os devas intermediários e aqueles em posição inferior se estabeleciam, eles também faziam com que a mente dos oficiais com graduações correspondentes escolhessem aqueles lugares para se estabelecerem.

1.27. E o Abençoado, por meio do olho divino, que sobrepuja o humano, viu aqueles milhares de devas se estabelecendo em Pataligama. E, ao se levantar com o raiar do dia, ele disse para o Venerável Ananda: “Ananda, quem está construindo uma fortaleza em Pataligama?” “Venerável senhor, Sunidha e Vassakara, os ministros de Magadha, estão construindo uma fortaleza contra os Vajjias.”

1.28. “Ananda, é como se Sunidha e Vassakara tivessem se aconselhado com os devas do Trinta e Três para a construção da fortaleza em Pataligama. Eu vi por meio do olho divino que milhares de devas estavam se estabelecendo ali ... (igual ao verso 26). Ananda, até onde se estende o reino dos nobres, até onde se estendem as suas rotas de comércio, esta será a cidade principal, Pataliputta, dispersando as suas sementes por toda parte. E Pataliputta enfrentará três perigos: do fogo, da água e da dissensão interna.”
1.29. Então, Sunidha e Vassakara foram até o Abençoado e depois de cumprimentá-lo ficaram em pé a um lado e disseram: “Que o Venerável Gotama juntamente com a Sangha dos bhikkhus aceite amanhã uma refeição oferecida por nós!” E o Abençoado concordou em silêncio.
1.30. Então, sabendo que o Abençoado havia concordado, Sunidha e Vassakara foram para casa e fizeram com que fossem preparados vários tipos de boa comida. Quando tudo estava pronto eles anunciaram a hora para o Abençoado: “É hora, Mestre Gotama, a refeição está pronta.” Então, o Abençoado vestiu os seus mantos e, carregando a sua tigela e o manto externo, foi com a Sangha dos bhikkhus para a casa de Sunidha e Vassakara e sentou-se num assento que havia sido preparado. Então, com as próprias mãos Sunidha e Vassakara serviram e satisfizeram o Abençoado e os bhikkhus com os vários tipos de boa comida. Em seguida, quando o Abençoado havia terminado de comer e retirado a mão da sua tigela, Sunidha e Vassakara se sentaram a um lado num assento mais baixo.

1.31. Estando ali sentados, o Abençoado agradeceu com estes versos:

“Onde quer que permaneça, o homem sábio
Deveria alimentar os virtuosos da vida santa.
Tendo dado oferendas para os dignos,
Ele comparte os seus méritos com os devas locais.

Assim reverenciados, eles também o honram.
Amáveis tal qual uma mãe
Em relação ao seu próprio filho, seu único filho;
E aquele que assim desfruta da graça dos devas,
E é amado por eles, encontra boa fortuna.”

Depois disso o Abençoado levantou do seu assento e partiu.

1.32. Sunidha e Vassakara seguiram o Abençoado de perto, dizendo: “Qualquer portão pelo qual o contemplativo Gotama saia hoje, esse será chamado de portão Gotama; e qualquer vau que ele use para cruzar o Ganges, esse será chamado vau Gotama.” E assim, o portão pelo qual o Abençoado saiu foi chamado portão Gotama.

1.33. Então, o Abençoado chegou no Rio Ganges. E justamente então, o rio estava tão cheio que um corvo poderia beber nele. E algumas pessoas estavam procurando um barco, algumas buscavam uma balsa e outras estavam amarando juncos para formar uma balsa para cruzar até o outro lado. Mas o Abençoado, com a mesma rapidez com que um homem forte estende o seu braço que está flexionado ou o flexiona novamente, desapareceu desta margem do Ganges e reapareceu com o seu grupo de bhikkhus na outra margem.

1.34. E o Abençoado viu aquelas pessoas procurando um barco, em busca de uma balsa, amarrando juncos formar uma balsa para cruzar até o outro lado. E ao ver o que elas queriam fazer, ele recitou este verso:

“Quando querem cruzar o mar, um lago ou lagoa,
As pessoas constroem uma ponte ou balsa – os sábios já cruzaram.”

[Fim da primeira recitação]

2.1. O Abençoado disse para Ananda: “Vamos para Kotigama.” “Muito bem, Venerável senhor,” disse Ananda, e o Abençoado foi para Kotigama com uma grande comitiva de bhikkhus.

2.2. Então, o Abençoado se dirigiu aos bhikkhus da seguinte forma: “Bhikkhus, é por não compreender, não penetrar as Quatro Nobres Verdades que eu, bem como vocês, durante muito tempo perambulamos e transmigramos neste ciclo de nascimento e morte. Quais são elas? Por não compreender a Nobre Verdade do Sofrimento é que nós perambulamos e transmigramos, por não compreender a Nobre Verdade da Origem do Sofrimento..., da Cessação do Sofrimento..., e do Caminho que conduz à Cessação do Sofrimento que nós perambulamos e transmigramos neste ciclo de nascimento e morte. E por compreender e penetrar essa mesma Nobre Verdade do Sofrimento, da Origem do Sofrimento, da Cessação do Sofrimento e do Caminho que conduz à Cessação do Sofrimento, que o desejo por ser/existir foi cortado, o suporte para o ser/existir foi destruído, não há mais vir a ser a nenhum estado.”

2.3. Tendo dito isso, o Abençoado, o Mestre disse:

“Por não ver as Quatro Nobres Verdades,
Longo e desgastante é o caminho de nascimento a nascimento.
Vendo-as, a causa do nascimento é removida,
O sofrimento desenraizado, o renascimento está terminado.”

2.4. Então, enquanto o Abençoado estava em Kotigama, ele aconselhava os bhikkhus freqüentemente desta forma: “Isto é virtude, isto é concentração, isto é sabedoria. A concentração quando imbuída de virtude, traz grandes frutos e resultados. A sabedoria, quando imbuída de concentração, traz grandes frutos e resultados. A mente imbuída de sabedoria se liberta completamente das impurezas, isto é, da impureza do desejo sensual, de ser/existir, do entendimento incorreto e da ignorância.”

2.5. Quando o Abençoado havia permanecido em Kotigama pelo tempo que desejava, ele disse para o Venerável Ananda: “Venha, Ananda, vamos para Nadika.” “Muito bem, Venerável senhor,” disse Ananda, e o Abençoado foi para Nadika, ficando na Casa de Tijolos.

2.6. O Venerável Ananda foi até o Abençoado e depois de cumprimentá-lo sentou a um lado e disse: [8] “Venerável senhor, o bhikkhu Salha e a bhikkhuni Nanda morreram em Nadika. Qual é o destino deles, qual é o seu futuro percurso? O discípulo leigo Sudatta e a discípulo leiga Sujata, os discípulos leigos Kakudha, Kalinga, Nikata, Katissabha, Tuttha, Santuttha, Bhadda e Subhadda todos eles morreram em Nadika. Qual é o destino deles, qual é o seu futuro percurso?”

2.7. “Ananda, o bhikkhu Salha, com a eliminação das impurezas mentais, permaneceu num estado livre de impurezas com a libertação da mente e a libertação pela sabedoria, tendo conhecido e manifestado isso para si mesmo no aqui e agora. A bhikkhuni Nanda, com a destruição dos cinco primeiros grilhões, reapareceu espontaneamente [nas Moradas Puras] e lá irá alcançar nibbana sem nunca mais retornar daquele mundo. O discípulo leigo Sudatta, com a destruição de três grilhões e com a atenuação da cobiça, raiva e delusão, se tornou um que retorna uma vez, retornando uma vez a este mundo para dar um fim ao sofrimento. A discípula leiga Sujata, com a destruição de três grilhões, se tornou uma que entrou na correnteza, não mais destinada aos mundos inferiores, com o destino fixo, ela tem a iluminação como destino. O discípulo leigo Kakudha, com a destruição dos cinco primeiros grilhões, reapareceu espontaneamente [nas Moradas Puras] e lá alcançará nibbana sem nunca mais retornar daquele mundo. Da mesma forma Kalinga, Nikata, Katissabha, Tuttha, Santuttha, Bhadda e Subhadda. Ananda, em Nadika mais de cinqüenta discípulos leigos, com a destruição dos cinco primeiros grilhões, reapareceram espontaneamente [nas Moradas Puras] e lá alcançarão nibbana sem nunca mais retornarem daquele mundo. Mais de noventa, com a destruição de três grilhões e com a atenuação da cobiça, raiva e delusão, se tornaram aqueles que retornam uma vez, retornando uma vez a este mundo para dar um fim ao sofrimento. E muito mais que quinhentos, com a destruição de três grilhões, se tornaram aqueles que entraram na correnteza, não mais destinados aos mundos inferiores, com o destino fixo, eles têm a iluminação como destino.

2.8. “Não é surpreendente, Ananda, que um ser humano morra. Mas se cada vez que alguém morrer você vier me perguntar sobre o seu destino, isso criaria problemas para o Tathagata. Portanto, Ananda, eu ensinarei para você uma exposição do Dhamma chamada o Espelho do Dhamma, através do qual um nobre discípulo, se ele assim desejar, poderá por si próprio declarar de si mesmo: ‘Eu sou um daqueles que deu fim ao inferno, fim ao reino animal, fim ao reino dos fantasmas, fim aos planos de miséria, fim aos destinos ruins, fim aos mundos inferiores. Eu entrei na correnteza, não mais destinado aos mundos inferiores, com o destino fixo, tenho a iluminação como destino.’

2.9. “E qual, Ananda, é esse Espelho do Dhamma, através do qual um nobre discípulo, se ele assim desejar, poderá por si próprio declarar isso de si mesmo? Aqui, Ananda, o nobre discípulo possui convicção comprovada no Buda assim: ‘O Abençoado é ... mestre de devas e humanos, iluminado e sublime.’ Ele possui convicção comprovada no Dhamma ... na Sangha ... Ele possui as virtudes apreciadas pelos nobres – intactas ... que conduzem à concentração.[A]

“Esse, Ananda, é o Espelho do Dhamma, através do qual um nobre discípulo ... por si próprio declarar de si mesmo: ‘Eu sou um daqueles que deu fim ao inferno ... Eu entrei na correnteza, … tenho a iluminação como destino.’ (igual ao verso 8).

2.10. Então, o Abençoado, enquanto estava em Nadika, com freqüência aconselhava os bhikkhus desta forma: “Isto é virtude, isto é concentração, isto é sabedoria ...” (igual ao verso 2.4).

2.11. Quando o Abençoado havia permanecido em Nadika pelo tempo que desejava… o Abençoado foi com uma grande comitiva de bhikkhus para Vesali, ficando no bosque de Ambapali.

2.12. Lá o Abençoado se dirigiu aos bhikkhus: [9] “Bhikkhus, um bhikkhu deve ter atenção plena e plena consciência, essa é a minha instrução para vocês! E como um bhikkhu tem atenção plena? Aqui, bhikkhus, um bhikkhu permanece contemplando o corpo como um corpo, ardente, plenamente consciente e com atenção plena, tendo colocado de lado a cobiça e o desprazer pelo mundo. Ele permanece contemplando as sensações como sensações… mente como mente... objetos mentais como objetos mentais, plenamente consciente e com atenção plena, tendo colocado de lado a cobiça e o desprazer pelo mundo. Assim é como um bhikkhu tem atenção plena.

2.13. “E como um bhikkhu tem plena consciência? Aqui um bhikkhu age com plena consciência ao ir para a frente e retornar; age com plena consciência ao olhar para frente e desviar o olhar; age com plena consciência ao dobrar e estender os membros; age com plena consciência ao carregar o manto externo, o manto superior, a tigela; age com plena consciência ao comer, beber, mastigar e saborear; age com plena consciência ao urinar e defecar; age com plena consciência ao caminhar, ficar em pé, sentar, dormir, acordar, falar e permanecer em silêncio. Assim é como um bhikkhu tem plena consciência. Um bhikkhu deve ter atenção plena e plena consciência, essa é a minha instrução para vocês!”

2.14. Agora a cortesã Ambapali [10] ouviu que o Abençoado havia chegado em Vesali e que estava no bosque dela. Ela fez com que se preparassem as melhores carruagens e saiu de Vesali em direção ao parque. Ela foi até onde a estrada permitia e depois continuou a pé até onde estava o Abençoado e ambos se cumprimentaram. Quando a conversa cortês e amigável havia terminado ela sentou-se a um lado e o Abençoado a instruiu, motivou, estimulou e encorajou com um discurso do Dhamma. Estando satisfeita, Ambapali disse: “Que o Venerável Gotama aceite de nós amanhã uma refeição junto com a Sangha dos bhikkhus!” O Abençoado concordou em silêncio, e quando Ambapali viu que ele havia concordado, ela se levantou do seu assento e depois de homenagear o Abençoado, mantendo-o à sua direita, partiu.

2.15. E os Licchavis de Vesali ouviram que o Abençoado havia chegado em VesaIi e que estava no parque de Ambapali. Eles fizeram com que se preparassem as melhores carruagens e saíram de Vesali. E alguns dos jovens Licchavi estavam todos em azul, com maquiagem azul, [11] roupas azuis e adereços azuis, enquanto que outros estavam em amarelo, alguns em vermelho, alguns em branco, com maquiagem branca, roupas brancas e adereços brancos.

2.16. E Ambapali guiou a sua carruagem contra os Licchavis, eixo contra eixo, roda contra roda e canga contra canga. E eles lhe disseram: “Ambapali, porque você guia a sua carruagem assim contra nós?” “Porque, jovens senhores, o Abençoado foi convidado junto com a Sangha dos bhikkhus para a refeição de amanhã.”
“AmbapaIi, troque essa refeição por cem mil moedas!” “Jovens senhores, se vocês me dessem toda a Vesali com toda a sua renda eu não abriria mão de uma refeição tão importante!”
Então, os Licchavis estalaram os dedos, dizendo: “Nós fomos derrotados pela mulher da manga, [12] fomos ludibriados pela mulher da manga!” E saíram em direção ao bosque de Ambapali.

2.17. E o Abençoado ao ver os Licchavis vindo à distância, disse: “Bhikkhus, qualquer um de vocês que não tenha visto os devas do Trinta e Três, olhem para esse grupo de Licchavis! Olhem bem e vocês terão uma idéia dos devas do Trinta e Três!”

2.18. Então, os Licchavis foram com as suas carruagens até onde a estrada permitia e depois continuaram a pé até onde estava o Abençoado e eles se cumprimentaram. Quando a conversa cortês e amigável havia terminado eles se sentaram a um lado e o Abençoado os instruiu, motivou, estimulou e encorajou com um discurso do Dhamma. Estando satisfeitos, eles disseram: “Que o Venerável Gotama aceite de nós amanhã uma refeição junto com a Sangha dos bhikkhus!” “Mas, Licchavis, eu já aceitei a refeição de amanhã da cortesã Ambapali. E os Licchavis estalaram os dedos, dizendo: “Nós fomos derrotados pela mulher da manga, fomos ludibriados pela mulher da manga!” Depois de ficarem satisfeitos e contentes com as palavras do Abençoado, eles se levantaram dos seus assentos e depois de homenagear o Abençoado, mantendo-o à sua direita, partiram.

2.19. E quando a noite havia quase terminado, Ambapali fez com que se preparassem vários tipos de boa comida e anunciou para o Abençoado que a refeição estava pronta. Então, o Abençoado vestiu os seus mantos e carregando a sua tigela e o manto externo, foi com a Sangha dos bhikkhus para a casa de Ambapali e sentou-se num assento que havia sido preparado. Então, com as próprias mãos Ambapali serviu e satisfez o Abençoado e os bhikkhus com os vários tipos de boa comida. Em seguida, quando o Abençoado havia terminado de comer e retirado a mão da sua tigela, Ambapali sentou-se a um lado, num assento mais baixo e disse: “Venerável senhor eu dou este parque para a Sangha dos bhikkhus tendo o Abençoado como o seu cabeça.” O Abençoado aceitou o parque e depois ele a instruiu, motivou, estimulou e encorajou com um discurso do Dhamma, depois do que ele se levantou do seu assento e partiu.

2.20. Então, enquanto o Abençoado estava em Kotigama, aconselhava os bhikkhus freqüentemente desta forma: “Isto é virtude, isto é concentração, isto é sabedoria ... (igual ao verso 2.4).

2.21. Quando o Abençoado havia permanecido no bosque de Ambapali pelo tempo que desejava… ele foi com uma grande comitiva de bhikkhus para o pequeno vilarejo de Beluvagamaka.
2.22. Lá ele se dirigiu aos monges desta forma:[13] “Venham, bhikkhus, entrem no retiro das chuvas onde quer que vocês tenham amigos, conhecidos e familiares nas proximidades de Vesali. Eu mesmo entrarei no retiro das chuvas aqui em Beluvagamaka.” “Sim, venerável senhor,” aqueles bhikkhus responderam e eles entraram no retiro das chuvas onde tinham amigos, conhecidos e familiares nas proximidades de Vesali, enquanto que o Abençoado entrou no retiro das chuvas ali mesmo em Beluvagamaka.
2.23. Então, quando o Abençoado havia entrado no retiro das chuvas, ele foi acometido por uma grave enfermidade e dores terríveis próximas da morte o assaltaram. Mas o Abençoado suportou aquilo, com atenção plena e plena consciência, sem ficar aflito. Então este pensamento ocorreu ao Abençoado: “Não é apropriado que eu alcance o Parinibbana sem ter falado com os meus assistentes e sem ter me despedido da Sangha dos Bhikkhus. Que eu então suprima esta enfermidade através da energia e siga vivendo depois de decidir pela formação vital. Então, o Abençoado suprimiu aquela enfermidade através da energia e seguiu vivendo, tendo decidido pela formação vital..

2.24. O Abençoado então se recuperou daquela enfermidade. Pouco tempo depois dele haver se recuperado, ele saiu da sua moradia e sentou-se num assento que havia sido preparado à sombra atrás da habitação. Então, o Venerável Ananda foi até o Abençoado e depois de cumprimentá-lo sentou a um lado e disse: “É esplêndido, venerável senhor que o Abençoado esteja resistindo bem, é esplêndido que ele tenha se recuperado! Mas, venerável senhor, quando o Abençoado estava enfermo foi como se o meu corpo estivesse sedado, eu me senti perdido, as coisas não estavam claras para mim. Todavia, eu tinha este tanto de consolo: que o Abençoado não iria alcançar o Parinibbana sem ter feito algum pronunciamento relacionado à Sangha dos Bhikkhus.”

2.25. “O que mais, Ananda, espera de mim a Sangha dos Bhikkhus? Eu ensinei o Dhamma sem fazer qualquer distinção entre ensinamentos esotéricos e exotéricos, não há nada, Ananda, concernente aos ensinamentos que o Tathagata tenha retido até o final com o punho cerrado de um mestre que não transmite todos os ensinamentos. Se, Ananda, alguém pensar, ‘Eu assumirei o controle  da Sangha dos Bhikkhus,’ ou ‘A Sangha dos bhikkhus está sob o meu comando,’ é ele que deveria fazer um pronunciamento desses para a Sangha dos Bhikkhus. Mas, o Tathagata não pensa assim, ‘Eu assumirei o controle  da Sangha dos Bhikkhus,’ ou ‘A Sangha dos bhikkhus está sob o meu comando,’ então porque deveria o Tathagata fazer algum pronunciamento desses para a Sangha dos Bhikkhus?

“Eu agora estou velho, Ananda, envelhecido, pressionado pelos anos, com a idade avançada, chegando ao último estágio da vida. Este é o meu octogésimo ano. Assim como uma carroça velha é mantida por meio de ataduras, da mesma forma o corpo do Tathagata é mantido por meio de uma combinação de ataduras. Sempre que, Ananda, através da não atenção a todos os sinais e pela cessação de certas sensações, o Tathagata entra e permanece na concentração sem sinais da mente, nessa ocasião, Ananda, o corpo do Tathagata fica mais confortável. 

2.26. “Portanto, Ananda, sejam ilhas para vocês mesmos, refúgios para vocês mesmos, não buscando nenhum refúgio externo; com o Dhamma como a sua ilha, o Dhamma como refúgio, buscando nenhum outro refúgio. E como, Ananda, um bhikkhu é uma ilha para ele mesmo, um refúgio para ele mesmo, buscando nenhum refúgio externo; com o Dhamma como a sua ilha, o Dhamma como o seu refúgio, buscando nenhum outro refúgio? Neste caso, Ananda, um bhikkhu permanece contemplando o corpo como um corpo, ardente, plenamente consciente e com atenção plena, tendo colocado de lado a cobiça e o desprazer pelo mundo. Ele permanece contemplando as sensações como sensações ... mente como mente ... objetos mentais como objetos mentais, ardente, plenamente consciente e com atenção plena, tendo colocado de lado a cobiça e o desprazer pelo mundo. Esses bhikkhus,  Ananda, que agora ou depois que eu me for, permanecerem como uma ilha para eles mesmos, como um refúgio para eles mesmos, sem nada mais como refúgio, com o Dhamma como uma ilha, o Dhamma como refúgio, sem nada mais como refúgio, eles serão para mim os bhikkhus mais eminentes dentre aqueles que têm interesse em aprender.”

[Fim da segunda recitação]

3.1 Então, ao amanhecer, [14] o Abençoado se vestiu e tomando a tigela e o manto externo, foi para Vesali para esmolar alimentos. Depois de haver esmolado em Vesali e retornado, após a refeição ele se dirigiu ao Venerável Ananda da seguinte forma: “Leve com você o seu pano para sentar, Ananda; vamos até o Santuário de Capala para passar o dia.” “Sim, venerável senhor,” o venerável Ananda respondeu, e tomando o seu pano para sentar seguiu de perto atrás do Abençoado.

3.2. O Abençoado foi até o Santuário de Capala e sentou-se num assento que havia sido preparado. O venerável Ananda depois de homenagear o Abençoado sentou a um lado. O Abençoado então disse para o venerável Ananda: “Encantadora é Vesali, Ananda. Encantador é o santuário Udena, encantador é o santuário Gotamaka, encantador é o santuário Sattamba, encantador é o santuário Bahuputta, encantador é o santuário Sarandada, encantador é o santuário Capala.

3.3. “Qualquer um, Ananda, que tenha desenvolvido e cultivado as quatro bases do poder espiritual, que tenha feito delas o seu veículo, a sua base, que as tenha estabilizado, que nelas tenha se exercitado e que as tenha aperfeiçoado, poderia, se ele assim desejasse, seguir vivendo durante aquele éon ou o tempo que restasse de um éon. [15] O Tathagata, Ananda, desenvolveu e cultivou as quatro bases do poder espiritual, fez delas o seu veículo, a sua base, estabilizou-as, se exercitou nelas e aperfeiçoou-as. Se ele assim desejasse, o Tathagata poderia seguir vivendo durante este éon ou o tempo que resta do éon.”

3.4. Mas, embora um sinal tão óbvio tenha sido dado ao Venerável Ananda pelo Abençoado, embora uma insinuação tão óbvia lhe tenha sido feita, ele foi incapaz de compreendê-la. Ele não implorou ao Abençoado: “Venerável senhor, que o Abençoado siga vivendo durante este éon! Que o Iluminado siga vivendo durante este éon, para o bem-estar de muitos, para a felicidade de muitos, por compaixão pelo mundo, pelo bem, bem-estar e felicidade de devas e humanos.” Até esse ponto a mente dele estava obcecada por Mara.

3.5. Uma segunda vez... Uma terceira vez... (Igual ao verso 3.4).

3.6. Então, o Abençoado se dirigiu ao Venerável Ananda: “Você pode ir, Ananda, quando lhe for conveniente.”

“Sim, venerável senhor,” o Venerável Ananda respondeu e levantando-se do seu assento, homenageou o Abençoado e mantendo-o à sua direita, sentou ao pé de uma árvore ao lado.

3.7. Então, pouco tempo depois que o venerável Ananda havia partido, Mara, o Senhor do Mal, foi até o Abençoado e disse: “Venerável senhor, que o Abençoado agora realize o Parinibbana! Que o Iluminado agora realize o Parinibbana! Agora é o momento para o Parinibbana do Abençoado! Esta afirmação, venerável senhor, foi feita pelo Abençoado: ‘Eu não realizarei o Parinibbana, Senhor do Mal, até que eu tenha discípulos bhikkhus que sejam sábios, disciplinados, confiantes, libertados do cativeiro, estudados, defensores do Dhamma, praticando de acordo com o Dhamma, praticando do modo correto, comportando-se de modo apropriado; que tenham aprendido a doutrina do mestre e sejam capazes de explicá-la, ensiná-la, proclamá-la, estabelecê-la, revelá-la, analisá-la e elucidá-la; que sejam capazes de refutar completamente com argumentos as doutrinas dos outros e que sejam capazes de ensinar o Dhamma que é eficaz.’

3.8. “Mas no momento, venerável senhor, o Abençoado tem discípulos bhikkhus que são sábios... que são capazes de ensinar o Dhamma que é eficaz. Venerável senhor, que o Abençoado agora realize o Parinibbana! Que o Iluminado agora realize o Parinibbana! Agora é o momento para o Parinibbana do Abençoado! E esta afirmação, venerável senhor, foi feita pelo Abençoado: ‘Eu não realizarei o Parinibbana, Senhor do Mal, até que eu tenha discípulos bhikkhuni ... até que eu tenha discípulos leigos homens... até que eu tenha discípulos leigos mulheres que sejam sábias... e que sejam capazes de ensinar o Dhamma que é eficaz.’ Mas no momento, venerável senhor, o Abençoado tem discípulos leigos mulheres que são sábias, disciplinadas, confiantes, libertadas do cativeiro, estudadas, defensoras do Dhamma, praticando de acordo com o Dhamma, praticando do modo correto, comportando-se de modo apropriado; que aprenderam a doutrina do mestre e que são capazes de explicá-la, ensiná-la, proclamá-la, estabelecê-la, revelá-la, analisá-la e elucidá-la; que são capazes de refutar completamente com argumentos as doutrinas dos outros e que são capazes de ensinar o Dhamma que é eficaz. Venerável senhor, que o Abençoado agora realize o Parinibbana! Que o Iluminado agora realize o Parinibbana! Agora é o momento para o Parinibbana do Abençoado! E esta afirmação, venerável senhor, foi feita pelo Abençoado: ‘Eu não realizarei o Parinibbana, Senhor do Mal, até que esta minha vida santa tenha se tornado bem sucedida e próspera, extensa, popular, expandida, bem proclamada entre os devas e humanos.’ A vida santa do Abençoado, venerável senhor, se tornou bem sucedida e próspera, extensa, popular, expandida, bem proclamada entre os devas e humanos. Venerável senhor, que o Abençoado agora realize o Parinibbana! Que o Iluminado agora realize o Parinibbana! Agora é o momento para o Parinibbana do Abençoado!”

3.9. Quando isso foi dito, o Abençoado disse para Mara o Senhor do Mal: “Fique tranqüilo, Senhor do Mal. Não tardará muito até que ocorra o Parinibbana do Tathagata. Daqui a três meses o Tathagata realizará o Parinibbana.”

3.10. Então, o Abençoado, no santuário de Capala, com atenção plena e plena consciência renunciou à sua formação vital. E quando o Abençoado renunciou à sua formação vital, ocorreu um grande terremoto, assustador e aterrorizador e o estrondo de trovões sacudiram o céu. Então, tendo compreendido o significado daquilo, o Abençoado naquela ocasião recitou estes versos inspirados:

“Comparando o incomparável com a existência continuada,
O sábio renunciou à formação de ser/existir.
Regozijando-se no íntimo, concentrado, ele rompeu
A continuada existência tal qual uma armadura.”

3.11. E o Venerável Ananda pensou: “É maravilhoso, é admirável que surja esse grande terremoto, assustador e aterrorizador com estrondo de trovões que sacodem o céu! O que será que causou isso?”

3.12. Ele foi até o Abençoado e depois de cumprimentá-lo, ele sentou a um lado e perguntou sobre aquilo.

3.13. “Ananda, há oito razões, oito causas para o surgimento de um grande terremoto. Esta grande terra está estabelecida na água, a água no vento, o vento no espaço. E quando um vento forte sopra, este agita a água e devido à agitação da água a terra treme. Essa é a primeira razão.

3.14. “Em segundo lugar há algum contemplativo ou Brâmane que desenvolveu poderes supra-humanos ou um deva forte e poderoso cuja consciência terra está pouco desenvolvida e a sua consciência água é imensurável, e ele faz com que a terra se sacuda e se agite, e trema violentamente. Essa é a segunda razão.

3.15. “Outra vez, quando um Bodisatva plenamente atento e plenamente consciente, falece no paraíso de Tusita e descende no ventre da sua mãe, então a terra se sacode e se agita, e treme violentamente. Essa é a terceira razão.

3.16. “Outra vez, quando um Bodisatva plenamente atento e plenamente consciente, emerge do ventre da sua mãe, então a terra se sacode e se agita, e treme violentamente. Essa é a quarta razão.

3.17. “Outra vez, quando o Tathagata realiza a perfeita iluminação, então a terra se sacode e se agita, e treme violentamente. Essa é a quinta razão.

3.18. “Outra vez, quando o Tathagata coloca em movimento a Roda do Dhamma, então a terra se sacode e se agita, e treme violentamente. Essa é a sexta razão.

3.19. “Outra vez, quando o Tathagata, plenamente atento e plenamente consciente, renuncia à sua formação vital, então a terra se sacode e se agita, e treme violentamente. Essa é a sétima razão.

3.20. “Outra vez, quando o Tathagata realiza o Parinibbana, então a terra se sacode e se agita, e treme violentamente. Essa é a oitava razão. Essas, Ananda, são as oito razões, as oito causas para o surgimento de um grande terremoto.

3.21. “Ananda, há esses oito tipos de assembléias. Quais são elas? A assembléia de Khattiyas, a assembléia de Brâmanes,… de chefes de família,… de contemplativos,… de devas do Mundo dos Quatro Grandes Reis,… dos devas do Trinta e Três,... dos maras,... dos Brahmas.

3.22. “Eu me lembro bem, Ananda, das muitas centenas de assembléias de Khattiyas das quais eu participei; e antes que eu me sentasse com eles, conversasse com eles ou participasse da conversa deles, eu adotava a aparência e linguagem deles, qualquer que fosse. E eu os instruia, motivava, estimulava e encorajava com um discurso do Dhamma. E enquanto eu falava, eles não sabiam quem eu era e se perguntavam: ”Quem é esse que fala dessa forma – um deva ou humano?” E tendo-os instruído dessa forma, eu desaparecia e ainda assim eles não sabiam: “Quem que acabou de desaparecer – um deva ou humano?”

3.23. “Eu me lembro bem de muitas centenas de assembléias de Brâmanes,… de chefes de família,… de contemplativos,… de devas do Mundo dos Quatro Grandes Reis,… dos devas do Trinta e Três,... dos maras,... dos Brahmas e ainda assim eles não sabiam: “Quem que acabou de desaparecer – um deva ou humano?” Essas, Ananda, são as oito assembléias.

3.24. “Ananda, há oito bases para a transcendência. Quais são as oito? [16]

3.25. “Percebendo a forma no interior, ele vê a forma no exterior, limitada, bonita e feia; ao transcendê-la, ele percebe assim: ‘Eu sei, eu vejo.’ Essa é a primeira base para a transcendência.

3.26. “Percebendo a forma no interior, ele vê a forma no exterior, imensurável, bonita e feia; ao transcendê-la, ele percebe assim: ‘Eu sei, eu vejo.’ Essa é a segunda base para a transcendência.

3.27. “Não percebendo a forma no interior, ele vê a forma no exterior, limitada, bonita e feia; ao transcendê-la, ele percebe assim: ‘Eu sei, eu vejo.’ Essa é a terceira base para a transcendência

3.28. “Não percebendo a forma no interior, ele vê a forma no exterior, imensurável, bonita e feia; ao transcendê-la, ele percebe assim: ‘Eu sei, eu vejo.’ Essa é a quarta base para a transcendência.

3.29. “Não percebendo a forma no interior, ele vê a forma no exterior, azul, de cor azul, azul na aparência, com luminosidade azul. Como uma flor de linho que é azul, de cor azul, azul na aparência, com luminosidade azul ou como o tecido de Benares liso dos dois lados que é azul, de cor azul, azul na aparência, com luminosidade azul; assim também, não percebendo a forma no interior, ele vê a forma no exterior... com luminosidade azul; ao transcendê-la, ele percebe assim: ‘Eu sei, eu vejo.’ Essa é a quinta base para a transcendência.

3.30. “Não percebendo a forma no interior, ele vê a forma no exterior, amarela, de cor amarela, amarela na aparência, com luminosidade amarela. Como uma flor amarela, de cor amarela, amarela na aparência, com luminosidade amarela ou como o tecido de Benares liso dos dois lados, que é amarelo, de cor amarela, amarelo na aparência, com luminosidade amarela; assim também, não percebendo a forma no interior, ele vê a forma no exterior... com luminosidade amarela; ao transcendê-la, ele percebe assim: ‘Eu sei, eu vejo.’ Essa é a sexta base para a transcendência..

3.31. “Não percebendo a forma no interior, ele vê a forma no exterior, vermelha, de cor vermelha, vermelha na aparência, com luminosidade vermelha. Como uma flor de hibisco, que é vermelha, de cor vermelha, vermelha na aparência, com luminosidade vermelha ou como o tecido de Benares liso dos dois lados, que é vermelho, de cor vermelha, vermelho na aparência, com luminosidade vermelha; assim também, não percebendo a forma no interior, ele vê a forma no exterior... com luminosidade vermelha; ao transcendê-la, ele percebe assim: ‘Eu sei, eu vejo.’ Essa é a sétima base para a transcendência.

3.32. “Não percebendo a forma no interior, ele vê a forma no exterior, branca, de cor branca, branca na aparência, com luminosidade branca. Como a estrela da manhã, que é branca, de cor branca, branca na aparência, com luminosidade branca ou como o tecido de Benares liso dos dois lados, que é branco, de cor branca, branco na aparência, com luminosidade branca; assim também, não percebendo a forma no interior, ele vê a forma no exterior...com luminosidade branca; ao transcendê-la, ele percebe assim: ‘Eu sei, eu vejo.’ Essa é a oitava base para a transcendência. Essas, Ananda, são as oito bases para a transcendência.
3.33. “Ananda, há essas oito libertações. Quais são as oito? [17] Possuindo forma material, ele vê a forma: essa é a primeira libertação. Não percebendo a forma no interior, ele vê a forma no exterior: essa é a segunda libertação. Ele está decidido apenas pelo belo: essa é a terceira libertação. Com a completa superação das percepções da forma, com o desaparecimento das percepções do contato sensorial, sem dar atenção às percepções da diversidade, consciente que o ‘espaço é infinito,’ ele entra e permanece na base do espaço infinito: essa é a quarta libertação. Com a completa superação da base do espaço infinito, consciente de que a ‘consciência é infinita,' ele entra e permanece na base da consciência infinita: essa é a quinta libertação. Com a completa superação da base da consciência infinita, consciente de que ‘não há nada,’ ele entra e permanece na base do nada: essa é a sexta libertação. Com a completa superação da base do nada, ele entra e permanece na base da nem percepção, nem não percepção: essa é a sétima libertação. Com a completa superação da base da nem percepção, nem não percepção, ele entra e permanece na cessação da sensação e percepção: essa é a oitava libertação.”
3.34. “Ananda, certa ocasião, eu estava em Uruvela às margens do rio Neranjara ao pé da figueira-dos-pagodes, pouco tempo depois de ter alcançado a perfeita iluminação. Então Mara, o Senhor do Mal, veio até a mim, ficou em pé a um lado e disse: ‘Venerável senhor, que o Abençoado agora realize o Parinibbana! Que o Iluminado agora realize o Parinibbana! Agora é o momento para o Parinibbana do Abençoado!’

3.35. “Em vista disso, eu disse para Mara: ‘Eu não realizarei o Parinibbana, Senhor do Mal, até que eu tenha discípulos bhikkhus que sejam sábios, ... (igual ao verso 3.7) … discípulos bhikkhunis... até que eu tenha discípulos leigos homens ... até que eu tenha discípulos leigos mulheres, que sejam sábias ... e que sejam capazes de ensinar o Dhamma que é eficaz. Eu não realizarei o Parinibbana, Senhor do Mal, até que esta minha vida santa tenha se tornado bem sucedida e próspera, extensa, popular, expandida, bem proclamada entre os devas e humanos.’

3.36. “E justamente agora, hoje, Ananda, no santuário de Capala, Mara veio até a mim, ficou em pé a um lado e disse: ‘Venerável senhor, que o Abençoado agora realize o Parinibbana!... Agora é o momento para o Parinibbana do Abençoado!’

3.37. “E eu disse: ‘Fique tranqüilo, Senhor do Mal. Não tardará muito até que ocorra o Parinibbana do Tathagata. Daqui a três meses o Tathagata realizará o Parinibbana.’ Portanto agora, hoje, Ananda, no santuário de Capala, o Tathagata com atenção plena e plena consciência renunciou à sua formação vital.”

3.38. Em vista disso, o Venerável Ananda disse: “Venerável senhor, que o Abençoado possa ficar por um éon, que o Iluminado possa ficar por um éon, para o bem-estar e felicidade de muitos, com compaixão pelo mundo, pelo bem, pelo bem-estar e felicidade de devas e humanos!” “Basta, Ananda! Não implore ao Tathagata, porque o tempo para tais súplicas já passou!”

3.39. Uma segunda e uma terceira vez o Venerável Ananda fez o mesmo pedido. “Ananda, você tem fé na iluminação do Tathagata?” “Sim, venerável senhor.” “Então porque você incomoda o Tathagata com esse pedido três vezes?”

3.40. “Mas venerável senhor, eu ouvi isso da própria boca do Abençoado, eu compreendi isso da própria boca do Abençoado: ‘Qualquer um que tenha desenvolvido e cultivado as quatro bases do poder espiritual... poderia, se ele assim desejasse, seguir vivendo durante aquele éon ou o tempo que restasse de um éon.’”
“Você tem fé, Ananda?” “Sim, venerável senhor.”
“Então, Ananda, o erro foi seu, você falhou, pois tendo sido dada uma sugestão tão clara, um sinal tão evidente pelo Tathagata, você não compreendeu e não implorou ao Tathagata para que permanecesse por um éon ... Se, Ananda, você tivesse implorado, o Tathagata teria recusado duas vezes, mas na terceira ele teria consentido. Portanto, Ananda, o erro foi seu, você falhou.

3.41. “Certa vez, Ananda, eu estava em Rajagaha, na Montanha do Pico do Abutre e lá eu disse: ‘Ananda, encantadora é Rajagaha. Encantador é o Pico do Abutre. Qualquer um que tenha desenvolvido e cultivado as quatro bases do poder espiritual ... poderia, se ele assim desejasse, seguir vivendo durante aquele éon ...’ (igual ao verso 3). Mas você, Ananda, apesar de ter sido dada uma sugestão tão clara, não compreendeu e não implorou ao Tathagata para que permanecesse por um éon ...

3.42. “Certa vez eu estava em Rajagaha no Parque das Figueiras …, no Penhasco dos Ladrões .., na Caverna Satapanni na encosta do Monte Vebhara …, na Pedra negra na encosta do Monte Isigili ..., na encosta ao lado da Lagoa das Cobras no Bosque Frio ..., no Parque Tapoda ..., no Santuário dos Esquilos em Veluvana ..., no manguezal de Jivaka ... e também em Rajagaha no Parque do Gamo Maddakucchi.

3.43. “Em todos esses lugares eu lhe disse: “Ananda, encantador é este lugar...”

3.44. “’Qualquer um que tenha desenvolvido e cultivado as quatro bases do poder espiritual... poderia, se ele assim desejasse, seguir vivendo durante aquele éon ...” (igual ao verso 3)

3.45. “Certa vez eu estava em Vesali no Santuário Udena ...

3.46. “Certa vez eu estava em Vesali no Santuário Gotamaka …, no Santuário Sattambaka ..., no Santuário Bahuputta ..., no Santuário Sarandada ....


3.47. “E agora, hoje, no Santuário de Capala eu disse: “Esses lugares são encantadores. Ananda, qualquer um que tenha desenvolvido e cultivado as quatro bases do poder espiritual ... poderia, se ele assim desejasse, seguir vivendo durante aquele éon .... O Tathagata desenvolveu esses poderes … e ele poderia, Ananda, seguir vivendo durante este éon ou o tempo que resta do éon.”
“Mas você, Ananda, falhou em compreender essa sugestão tão clara, esse sinal tão evidente e não implorou ao Tathagata para que permanecesse por um éon. Se, Ananda, você tivesse implorado, o Tathagata teria recusado duas vezes, mas na terceira ele teria consentido.

3.48. “Ananda, eu já não lhe disse antes: Todas aquelas coisas que para nós são queridas, estimadas e prazerosas estão sujeitas à mudança, separação e alteração? Então, como poderia ser possível que tudo aquilo que nasce, veio a ser, condicionado, que está sujeito à dissolução, não desapareça – isso é impossível. E isso foi renunciado, abandonado, rejeitado, deixado de lado, abdicado: o Tathagata renunciou à sua formação vital. [18] O Tathagata disse de uma vez por todas: ‘O parinibbana do Tathagata não será postergado. Daqui a três meses o Tathagata realizará o parinibbana.’ Que o Tathagata possa retroceder nessa declaração para continuar vivendo, isso não é possível. Agora venha, Ananda, vamos para o Salão com um pico na Cumeeira na Grande Floresta.” “Muito bem, venerável senhor.”

3.49. E o Abençoado foi com o Venerável Ananda para o Salão com um pico na Cumeeira na Grande Floresta. Ao chegar ele disse: “Ananda, vá e reúna no salão de assembléias os bhikkhus que se encontram na vizinhança de Vesali.” “Muito bem, venerável senhor, disse Ananda, e assim ele fez. Ele então voltou até o Abençoado e depois de cumprimentá-lo ficou em pé a um lado e disse: “Venerável senhor, a Sangha dos bhikkhus está reunida. Agora é o momento, Abençoado, faça como julgar adequado.”

3.50. Então, o Abençoado entrou no salão de assembléias e sentou-se num assento que havia sido preparado e disse para os bhikkhus: “Bhikkhus, esses ensinamentos que compreendi através do conhecimento direto e que tornei do seu conhecimento, vocês devem aprendê-los completamente, cultivá-los, desenvolvê-los e praticá-los freqüentemente, que a vida santa se estabeleça e que dure por muito tempo, para o bem-estar e felicidade de muitos, com compaixão pelo mundo, pelo bem, pelo bem-estar e felicidade de devas e humanos.”

“E quais, bhikkhus, são esses ensinamentos? Eles são os quatro fundamentos da atenção plena, os quatro esforços corretos, as quatro bases do poder, as cinco faculdades dominantes, os cinco poderes, os sete fatores de iluminação e o Nobre Caminho Óctuplo. Esses, bhikkhus, são os ensinamentos que compreendi através do conhecimento direto e que tornei do seu conhecimento, vocês devem aprendê-los completamente, cultivá-los, desenvolvê-los e praticá-los freqüentemente, que a vida santa se estabeleça e que dure por muito tempo, para o bem-estar e felicidade de muitos, com compaixão pelo mundo, pelo bem, pelo bem-estar e felicidade de devas e humanos.”

3.51. Então, o Abençoado disse para os bhikkhus: “Dessa forma, bhikkhus, eu os encorajo: todas as coisas condicionadas estão sujeitas à dissolução. Esforçem-se pelo objetivo com diligência. O momento do parinibbana do Tathagata está próximo. Daqui a três meses o Tathagata realizará o parinibbana.”

Tendo dito isso, o Abençoado, o Mestre disse:

“Com a idade madura. Meu tempo de vida determinado.
Agora deixo vocês, tendo me estabelecido como refúgio.
Bhikkhus, sejam incansáveis, plenamente atentos, disciplinados,
Guardem as suas mentes, com os pensamentos bem controlados.
Aquele que, incansável, mantém o dhamma e a disciplina,
Deixando o nascimento de lado, dará um fim ao sofrimento.”

[Fim da terceira recitação]

4.1. Então, ao amanhecer, o Abençoado se vestiu e tomando a tigela e o manto externo, foi para Vesali para esmolar alimentos. Depois de haver esmolado em Vesali e de haver retornado, após a refeição, ele olhou para Vesali com o seu olhar de elefante [19] e disse: “Ananda, esta é a última vez que o Tathagata olhará para Vesali. Agora iremos para Bhandagama.” “Muito bem, venerável senhor”, e o Abençoado saiu com uma grande comitiva de bhikkhus para Bhandagama.

4.2. Lá, o Abençoado se dirigiu aos bhikkhus: “Bhikkhus, é por não compreender, não penetrar quatro coisas que eu, bem como vocês, durante muito tempo perambulamos e transmigramos neste ciclo de nascimento e morte. Quais quatro? Por não compreender a nobre virtude, por não compreender a nobre concentração, por não compreender a nobre sabedoria, por não compreender a nobre libertação, que eu, bem como vocês, durante muito tempo perambulamos e transmigramos neste ciclo de nascimento e morte. E é compreendendo e penetrando a nobre virtude, a nobre concentração, a nobre sabedoria e a nobre libertação que o desejo por ser/existir foi cortado, a tendência para o devir foi exausta e não há mais nascimento.”

4.3. Tendo dito isso, o Abençoado, o Mestre disse:

“Virtude, concentração, sabedoria e completa libertação.
Essas coisas maravilhosas Gotama compreendeu.
O Dhamma que ele discerniu foi ensinado aos seus bhikkhus:
Aquele, cuja visão deu um fim ao sofrimento, realizou nibbana.”

4.4. Então, o Abençoado, enquanto estava em Bhandagama, freqüentemente aconselhava os bhikkhus desta forma: “Isto é virtude, isto é concentração, isto é sabedoria. A concentração, quando imbuída da virtude, traz grandes frutos e resultados. A sabedoria, quando imbuída de concentração, traz grandes frutos e resultados. A mente imbuída de sabedoria se liberta completamente das impurezas, isto é, da impureza do desejo sensual, de ser/existir, do entendimento incorreto e da ignorância.”

4.5. Quando o Abençoado havia permanecido em Bhandagama pelo tempo que desejava, ele disse: “Ananda, vamos para Hatthigama ..., para Ambagama ..., para Jambugama ...” proferindo o mesmo discurso em cada um desses lugares. Então, ele disse: “Ananda, vamos para Bhoganagara.”

4.6. “Muito bem, venerável senhor”, Ananda disse, e o Abençoado foi com uma grande comitiva de bhikkhus para Bhoganagara.

4.7. Em Bhoganagara o Abençoado ficou no Santuário Ananda. Lá ele disse para os bhikkhus: “Bhikkhus, eu ensinarei para vocês quatro critérios. Ouçam e prestem muita atenção àquilo que eu vou dizer.” – “Sim, venerável senhor,” os bhikkhus responderam.

4.8. “Suponham que um bhikkhu dissesse: ‘Amigos, eu ouvi e recebi isto da boca do próprio Abençoado: este é o Dhamma, esta é a Disciplina, esse é o ensinamento do Mestre’, então, bhikkhus, vocês não devem nem aprovar e nem desaprovar as palavras dele. Então, sem aprovar ou desaprovar, as palavras e expressões dele devem ser cuidadosamente anotadas e comparadas com os Suttas e revisadas sob a luz da Disciplina. Se elas, depois dessa comparação e revisão, não estiverem em conformidade com os Suttas ou a Disciplina, a conclusão tem que ser: ‘Com certeza essa não é a palavra do Buda, esse bhikkhu entendeu de maneira incorreta’, e o assunto deve ser rejeitado. Mas se através dessa comparação e revisão for constatado que elas estão em conformidade com os Suttas ou a Disciplina, a conclusão deve ser: ‘Com certeza essa é a palavra do Buda, esse bhikkhu entendeu da maneira correta.’ Esse é o primeiro critério.

4.9. “Suponham que um bhikkhu dissesse: ‘Em tal lugar há uma comunidade de bhikkhus seniores e mestres distinguidos. Eu ouvi e recebi isso dessa comunidade’, então, bhikkhus, vocês não devem nem aprovar e nem desaprovar as palavras dele ...(igual ao verso 4.8). Esse é o segundo critério.

4.10. “Suponham que um bhikkhu dissesse: ‘Em tal lugar há muitos bhikkhus seniores estudados, portadores da tradição, que conhecem o Dhamma, a Disciplina, o código de regras... (igual ao verso 4.8). Esse é o terceiro critério.

4.11. “Suponham que um bhikkhu dissesse: ‘Em tal lugar há um bhikkhu sênior estudado... eu ouvi e recebi isso desse bhikkhu sênior... (igual ao verso 4.8). Mas se através dessa comparação e revisão for constatado que elas estão em conformidade com os Suttas ou a Disciplina, a conclusão deve ser: ‘Com certeza essa é a palavra do Buda, esse bhikkhu entendeu de maneira correta.’ Esse é o quarto critério.

4.12. Então, o Abençoado, enquanto estava em Bhoganagara, freqüentemente aconselhava os bhikkhus desta forma: “Isto é virtude, isto é concentração, isto é sabedoria...”

4.13. Quando o Abençoado havia permanecido em Bhoganagara pelo tempo que desejava, ele disse: “Ananda, vamos para Pava.” “Muito bem, venerável senhor”, disse Ananda e o Abençoado foi com uma grande comitiva de bhikkhus para Pava, onde ele ficou no manguezal do prateiro Cunda.

4.14. E Cunda ouviu que o Abençoado havia chegado em Pava e que estava no seu manguezal. Então, ele foi até o Abençoado e depois de cumprimentá-lo sentou-se a um lado e o Abençoado instruiu, motivou, estimulou e encorajou o prateiro Cunda com um discurso do Dhamma.

4.15. Então, Cunda disse: “Que o Venerável Gotama aceite de nós amanhã uma refeição, junto com a Sangha dos bhikkhus!” E o Abençoado concordou em silêncio.

4.16. Então, sabendo que o Abençoado havia concordado, Cunda se levantou do seu assento e depois de homenagear o Abençoado, mantendo-o à sua direita, partiu.

4.17. Quando a noite havia quase terminado, Cunda fez com que se preparassem vários tipos de boa comida, com fartura de ‘delícias de porco’ [20], e anunciou para o Abençoado que a refeição estava pronta. Quando tudo estava pronto eles anunciaram a hora para o Abençoado: “É hora, Mestre Gotama, a refeição está pronta.”

4.18. Então, o Abençoado vestiu os seus mantos e, carregando a sua tigela e o manto externo, foi com a Sangha dos bhikkhus para a casa de Cunda, sentando-se num assento que havia sido preparado ele disse: “Sirva a ‘delícias de porco’ que foi preparada para mim e sirva o restante da boa comida para os bhikkhus.” “Muito bem, venerável senhor,” Cunda disse e assim fez.

4.19. Então, o Abençoado disse para Cunda: “O que tiver sobrado da ‘delícias de porco’ você deve enterrá-lo numa cova, porque, Cunda, eu não vejo ninguém neste mundo com os seus devas, maras e Brahmas, nesta geração com os seus contemplativos e Brâmanes, seus príncipes e povo, que ao comer isso possa ser capaz de digerí-lo, exceto o Tathagata. “Muito bem, venerável senhor”, disse Cunda e tendo enterrado o que havia sobrado da ‘delícias de porco’ numa cova ele foi até o Abençoado e depois de cumprimentá-lo sentou-se a um lado. Então, o Abençoado, depois de instruí-lo, motivá-lo, estimulá-lo e encorajá-lo com um discurso do Dhamma, se levantou do seu assento e partiu.

4.20. E logo depois do Abençoado ter comido a refeição dada pelo prateiro Cunda, uma doença terrível se abateu sobre ele, com diarréia sangrenta e dores terríveis como se estivesse a ponto de morrer. Porém, o Abençoado suportou tudo com atenção plena e plena consciência, sem se queixar. Então, o Abençoado disse: “Ananda, vamos para Kusinara” E o Venerável Ananda respondeu “Sim, venerável senhor.”[21]

Tendo comido a refeição de Cunda (assim ouvi),
Ele sofreu com grave enfermidade, dolorosa, mortal;
Por ter comido ‘delícias de porco’
Severa doença se apoderou do Mestre.
Tendo se purificado, o Abençoado disse:
“Agora irei para Kusinara.” [22]

4.21. Então saindo da estrada, o Abençoado foi até o pé de uma árvore e disse: “Venha, Ananda, dobre um manto em quatro para mim, estou cansado e quero sentar.” “Muito bem, venerável senhor,” e Ananda assim fez.

4.22. O Abençoado sentou-se no assento que havia sido preparado e disse: “Ananda, traga-me um pouco de água, tenho sede e quero beber.” Ananda respondeu: “Venerável senhor, quinhentas carroças passaram por esta estrada. A água foi perturbada pelas rodas e não está boa, ela está suja e turva. Mas, venerável senhor, o rio Kakuttha que está próximo tem água limpa, agradável, fresca, pura, com margens aprazíveis, deliciosas. Lá o Abençoado poderá beber a água e refrescar os membros.”

4.23. Uma segunda vez o Abençoado disse: “Ananda, traga-me um pouco de água ...” e Ananda respondeu da mesma forma.

4.24. Uma terceira vez o Abençoado disse: “Ananda, traga-me um pouco de água, tenho sede e quero beber.” “Muito bem, venerável senhor,” Ananda disse e tomando a tigela foi até o rio. E aquele rio, cujas águas haviam sido perturbadas pelas rodas, que não estavam boas, que estavam sujas e turvas, à medida que Ananda se aproximava, começaram a fluir puras, límpidas e imaculadas.

4.25. E o Venerável Ananda pensou: “Maravilhosos, admiráveis são os grandes poderes do Tathagata! Essas águas foram perturbadas pelas rodas…, e à medida que me aproximei começaram a fluir puras, límpidas e imaculadas!” Ele colocou a água na tigela e a levou para o Abençoado e disse o que ele estava pensando, acrescentando: “Que o Abençoado beba a água, que o Iluminado beba!” E o Abençoado bebeu a água.

4.26. Naquele momento o Malla Pukkusa, um pupilo de Allara Kalama, [23] estava seguindo pela estrada principal de Kusinara para Pava. Vendo o Abençoado sentado sob a árvore, ele foi até lá e depois de cumprimentá-lo ele sentou a um lado. Então, ele disse: “É maravilhoso, é admirável, quão tranqüilos são esses contemplativos!”

4.27. “Certa vez, venerável senhor, Allara Kalama caminhava pela estrada principal e saindo dela ele foi sentar-se ao pé de uma árvore próxima para descansar. E quinhentas carroças passaram perto dele com muito ruído. Um homem que caminhava atrás das carroças foi até Allara Kalama e disse: ‘Venerável senhor, você não viu quinhentas carroças passarem perto daqui?’ ‘Não, amigo, eu não vi.’ ‘Mas você não as ouviu, venerável senhor?’ ‘Não, amigo, eu não as ouvi.’ ‘Muito bem, você estava dormindo, venerável senhor?’ ‘Não, amigo, eu não estava dormindo.’ ‘Então, venerável senhor, você estava consciente?’ ‘Sim, amigo.’ ‘Portanto, venerável senhor, estando consciente e desperto você nem viu e nem ouviu as quinhentas carroças passarem perto de você, muito embora o seu manto esteja sujo com poeira?’ ‘Assim foi, amigo.’ E aquele homem pensou: ‘É maravilhoso, é admirável! Esses contemplativos são tão tranqüilos, tão conscientes e despertos, o homem nem viu e nem ouviu quinhentas carroças passarem perto dele!’ E ele seguiu o seu caminho elogiando os eminentes poderes de Alara Kalama.”

4.28. “Muito bem, Pukkusa, o que você pensa? O que você considera mais difícil de ser alcançado – estando consciente e desperto, nem ver e nem ouvir quinhentas carroças passarem por perto ou, estando consciente e desperto, nem ver e nem ouvir nada quando os devas da chuva despejam uma tormenta com raios e trovões?”

4.29. “Venerável senhor, como pode alguém comparar nem ouvir e nem ver quinhentas carroças com isso – ou mesmo, seiscentas, setecentas, oitocentas, novecentas ou mil ou milhares de carroças, com isso? Nem ver e nem ouvir uma furiosa tempestade é mais difícil.”

4.30. “Certa vez, Pukkusa, quando eu estava em Atuma, num celeiro, os devas da chuva despejaram uma tormenta com raios e trovões, e dois lavradores, irmãos, e quatro bois foram mortos. E muitas pessoas saíram de Atuma para onde os dois irmãos e os quatro bois foram mortos.

4.31. “E, naquele momento, Pukkusa, eu havia saído do celeiro e estava caminhando para lá e para cá. Um homem da multidão veio ter comigo e depois de me cumprimentar ficou parado a um lado. E eu disse:

4.32. “’Amigo, porque essas pessoas estão todas reunidas aqui?’ ‘Venerável senhor, houve uma grande tormenta e dois lavradores, irmãos, e quatro bois foram mortos. Mas você, venerável senhor, onde você onde estava?’ ‘Eu estava bem aqui, amigo.’ ‘Mas o que você viu, venerável senhor?’ ‘Eu não vi nada, amigo.’ ‘Ou o que você ouviu?’ ‘Eu não ouvi nada, amigo.’ ‘Você estava dormindo, venerável senhor?’ ‘Eu não estava dormindo, amigo.’ ‘Então, venerável senhor, você estava consciente?’ ‘Sim, estava, amigo.’ ‘Portanto, venerável senhor, estando consciente e desperto você nem viu e nem ouviu a tormenta com raios e trovões?’ ‘Assim foi, amigo.’

4.33. “E aquele homem, Pukkusa, pensou: ‘É maravilhoso, é admirável! Esse contemplativo é tão tranqüilo que embora consciente e desperto não viu e nem ouviu a tormenta com raios e trovões!’ Proclamando os meus eminentes poderes, ele me homenageou e mantendo-me à sua direita, partiu.’”

4.34. Em vista disso, Pukkusa, o Malla, disse: “Venerável senhor, eu rejeito os eminentes poderes de Allara Kalama como se eles tivessem sido soprados por um vento forte ou arrastados pela correnteza veloz de um rio! Magnífico, Venerável senhor! Magnífico, Venerável senhor! O Abençoado esclareceu o Dhamma de várias formas, como se tivesse colocado em pé o que estava de cabeça para baixo, revelasse o que estava escondido, mostrasse o caminho para alguém que estivesse perdido ou segurasse uma lâmpada no escuro para aqueles que possuem visão pudessem ver as formas. Nós buscamos refúgio no Abençoado, no Dhamma e na Sangha dos bhikkhus. Que o Abençoado nos aceite como discípulos leigos que nele buscaram refúgio para o resto da vida.!”

4.35. Então, Pukkusa disse para um certo homem: “Vá e traga-me dois conjuntos de mantos dourados, brilhantes e prontos para serem usados.” “Sim, venerável senhor,” o homem respondeu e assim fez. E Pukkusa ofereceu os mantos para o Abençoado, dizendo: “Aqui, venerável senhor, estão dois conjuntos de mantos dourados. Que o Abençoado os aceite por compaixão!” “Muito bem, Pukkusa, vista-me num manto e Ananda no outro.” “Muito bem, venerável senhor”, Pukkusa disse e assim fez. [24]

4.36. Então, o Abençoado instruiu, motivou, estimulou e encorajou Pukkusa com um discurso do Dhamma. Então, Pukkusa se levantou do seu assento e depois de homenagear o Abençoado, mantendo-o à sua direita, partiu.

4.37. Pouco tempo depois que Pukkusa havia partido, Ananda, tendo arrumado os mantos no corpo do Abençoado, observou que comparado com o tom da pele do Abençoado o manto parecia desluzido. E ele disse: “É maravilhoso, é admirável, venerável senhor, quão límpida e brilhante está a complexão do Abençoado! Parece ainda mais brilhante que os mantos dourados nos quais você está vestido” “Assim é, Ananda. Há duas ocasiões nas quais a complexão do Tathagata se mostra particularmente límpida e brilhante. Quais são elas? Uma é na noite em que o Tathagata realiza a perfeita iluminação, a outra é a noite em que ele realiza o parinibbana. Nessas duas ocasiões a complexão do Tathagata se mostra particularmente límpida e brilhante.”

4.38. “Esta noite, Ananda, na última vigília, no bosque de árvores sal dos Mallas perto de Kusinara, entre duas árvores sal, o Tathagata realizará o parinibbana. E agora, Ananda, vamos para o rio Kakuttha.” “Muito bem, venerável senhor.” Ananda disse.[25]

Dois mantos dourados foi a oferenda de Pukkusa:
Mais brilhante que o manto era a complexão do Abençoado.

4.39. Então, o Abençoado foi com uma grande comitiva de bhikkhus para o rio Kakuttha. Ele entrou na água, se banhou, bebeu e ao sair foi para o manguezal onde disse para o Venerável Cundaka: ‘Venha, Cundaka, dobre uma manto em quatro para mim. Estou cansado e quero me deitar.” “Muito bem, venerável senhor,” Cundaka disse e assim fez.

4.40. Então, o Abençoado se deitou no seu lado direito, na postura do leão, com um pé sobre o outro, atento e plenamente consciente, após anotar na mente o horário para despertar. E o Venerável Cundaka sentou em frente ao Abençoado.

4.41.    O Buda foi para o rio Kakuttha
Com as águas límpidas, brilhantes e agradáveis,
Lá o Mestre mergulhou o corpo cansado.
Tathagata sem igual no mundo.
Cercado pelos bhikkhus dos quais ele era o cabeça.
O Mestre Abençoado, Protetor do Dhamma,
Foi para o Manguezal do grande Sábio,
E para o bhikkhu Cundaka ele disse:
“Deitarei num manto dobrado em quatro.”
E assim solicitado pelo grande Experto,
Cundaka arrumou o manto em quatro.
O Mestre deitou os membros cansados para descansar
Enquanto Cundaka vigiava à sua frente.

4.42. Então, o Abençoado disse para o Venerável Ananda: “Pode acontecer, Ananda, que o prateiro Cunda sinta remorso, pensando: ‘É minha culpa, é devido à minha falha que o Tathagata morreu depois da última refeição oferecida por mim!’ Mas o remorso de Cunda deve ser dissipado desta forma: ‘Esse é o seu mérito, Cunda, a sua boa ação, que o Tathagata tenha realizado o parinibbana depois da última refeição oferecida por você, pois, amigo Cunda, eu ouvi da própria boca do Abençoado que essas duas oferendas de comida produzem grandes frutos, grandes resultados, mais frutuosas e vantajosas do que quaisquer outras. Quais duas? Aquela refeição depois da qual o Tathagata realiza a perfeita iluminação, a outra depois da qual ele realiza o parinibbana. Essas duas oferendas são mais frutuosas e vantajosas do que todas as demais. A sua ação, Cunda, conduz a uma vida longa, a uma bela aparência, à felicidade, à fama, ao paraíso e à senhoria.” Dessa forma, Ananda, o remorso de Cunda deve ser dissipado.

4.43. Então, o Abençoado, tendo resolvido aquela questão, recitou este verso:

“Dando, o mérito se incrementa, com contenção, a raiva é controlada.
Quem é hábil abandona as coisas prejudiciais.
À medida que a cobiça, a raiva e a delusão diminuem, nibbana é realizado.”

[Fim da quarta recitação]

5.1. O Abençoado disse: “Ananda, vamos cruzar o rio Hiraññavati para ir até o bosque de árvores-sal dos Mallas perto de Kusinara.” “Muito bem, venerável senhor,” Ananda disse, e o Abençoado com uma grande comitiva de bhikkhus cruzou o rio e foi para o bosque de árvores sal. Lá, o Abençoado disse: “Ananda, prepare para mim um leito entre as árvores-sal gêmeas, com a cabeça para o norte. Eu estou cansado e quero me deitar.” “Muito bem, venerável senhor,” disse Ananda e assim fez. Então, o Abençoado se deitou no seu lado direito, na postura do leão, com um pé sobre o outro, atento e plenamente consciente, após anotar na mente o horário para despertar.

5.2. E daquelas árvores sal gêmeas, fora de época, brotaram flores em abundância que caíram sobre o corpo do Tathagata, dispersando-se e cobrindo o seu corpo, homenageando-o. Flores divinas da árvore de coral caíram do céu, sândalo divino caiu do céu, dispersando-se e cobrindo o corpo do Tathagata, homenageando-o. Música e canções divinas se ouviam do céu, em homenagem ao Tathagata.

5.3. E o Abençoado disse: “Ananda, essas árvore sal brotaram flores em abundância fora de época ... Música e canções divinas se ouvem do céu, em homenagem ao Tathagata. Nunca antes o Tathagata foi tão honrado, reverenciado, estimado, cultuado e adorado. E no entanto, Ananda, qualquer bhikkhu, bhikkhuni, discípulo leigo, que permanecer praticando o Dhamma de modo apropriado e com perfeição realizar o caminho do Dhamma, ele ou ela honram o Tathagata, o reverenciam e estimam e prestam a ele a suprema homenagem. Portanto, Ananda, ‘Nós permaneceremos praticando o Dhamma de modo apropriado e com perfeição realizaremos o caminho do Dhamma’ - esse deve ser o seu lema.”

5.4. Naquele momento o Venerável Upavana estava em frente ao Abençoado, abanando-o. Então, o Abençoado disse para ele sair dali: “Saia para o lado, bhikkhu, não fique na minha frente.” E o Venerável Ananda pensou: “Esse Venerável Upavana foi durante muito tempo o acompanhante do Buda, estando sempre próximo, para ser chamado e comandado. E agora na derradeira hora o Abençoado diz que ele se mova e não fique na sua frente. Porque ele fez isso?”

5.5. E ele perguntou ao Abençoado sobre isso. “Ananda, os devas de dez sistemas cósmicos se reuniram para ver o Tathagata. Num raio de doze yojanas em volta do bosque de árvores sal dos Mallas, perto de Kusinara, não há espaço que possa ser ocupado por um fio de cabelo de tão densamente ocupado pelos poderosos devas, e eles estão reclamando: ‘Nós viemos de tão longe para ver o Tathagata. É muito raro ver um Tathagata, um Buda perfeitamente iluminado, surgir no mundo e hoje na última vigília da noite o Tathagata realizará o parinibbana, e esse poderoso bhikkhu está parado em frente ao Abençoado, impedindo-nos de ver o Tathagata pela última vez.’”

5.6. “Mas, venerável senhor, que tipo de devas o Abençoado está vendo?” “Ananda, há os devas do céu cujas mentes estão atadas à terra, eles estão chorando e arrancando os cabelos, levantando os braços, jogando-se no chão e contorcendo-se, clamando: ‘Demasiado cedo o Abençoado está morrendo, demasiado cedo o Iluminado está morrendo, demasiado cedo o Olho do Mundo está desaparecendo!’ E há os devas da terra cujas mentes estão atadas à terra, que se comportam da mesma forma. Mas aqueles devas que se libertaram do desejo, suportam com paciência, dizendo: “Todas as coisas condicionadas são impermanentes – qual o benefício disso tudo?’” [26]

5.7. “Venerável senhor, antes os bhikkhus que haviam passado o retiro das chuvas em diferentes lugares vinham para ver o Tathagata e nós costumávamos dar-lhes as boas vindas para que bhikkhus bem treinados pudessem vê-lo e homenageá-lo. Mas com o falecimento do Abençoado, não teremos mais a oportunidade de fazer isso.”

5.8. “Ananda, há quatro lugares que ao serem vistos despertarão um senso de urgência e emoção [27] nos devotos.. Quais quatro? ‘Aqui o Tathagata nasceu’, [28] é o primeiro. ‘Aqui o Tathagata realizou a perfeita iluminação’, [29] é o segundo. ‘Aqui o Tathagata colocou em movimento a insuperável roda do Dhamma’, [30] é o terceiro. ‘Aqui o Tathagata realizou o parinibbana’, [31] esse é o quarto. E, Ananda, os bhikkhus e bhikkhunis fiéis, os discípulos leigos, visitarão esse lugares. E qualquer um que morrer com um coração devoto enquanto estiver numa peregrinação por esses santuários, irá, na dissolução do corpo, após a morte, renascer num bom destino, no paraíso.”

5.9. “Venerável senhor, como devemos nos comportar em relação às mulheres?” “Não olhem para elas, Ananda.” “Mas se olharmos, como devemos nos comportar, venerável senhor?” “Não falem com elas, Ananda.” “Mas se elas falarem conosco, como devemos nos comportar?” “Pratiquem a atenção plena, Ananda.” [32]

5.10. “Venerável senhor, o que devemos fazer com os restos mortais do Tathagata?” “Não se preocupem com os preparativos para o funeral, Ananda. Vocês devem se esforçar pelo objetivo supremo, dediquem-se ao objetivo supremo e permaneçam com a suas mentes, incansavelmente, ardorosamente, dedicadas ao objetivo supremo. Há Khattiyas, Brâmanes e chefes de família sábios que são devotos do Tathagata: eles cuidarão do funeral.”

5.11. “Mas, venerável senhor, o que faremos com os restos mortais do Tathagata?” “Ananda, eles devem ser tratados do mesmo modo que os restos mortais de um monarca que gira a roda.” “E como é isso, venerável senhor?” “Ananda, os restos mortais de um monarca que gira a roda são envoltos num pano de linho novo. Este deve ser envolto com algodão penteado e este num tecido novo. Tendo feito isso quinhentas vezes, o corpo do rei é colocado num caixão de ferro, que é coberto com um outro recipiente de ferro. Depois, tendo feito uma pira funerária com todos os tipos de perfumes, o corpo do rei é cremado e um pagode é construído numa encruzilhada. Isso, Ananda, é o que se faz com os restos mortais de um monarca que gira a roda, e deve ser feito o mesmo com os restos mortais do Tathagata. Um pagode deve ser construído numa encruzilhada para o Tathagata. E qualquer um, que, com o coração devoto, lá depositar coroas de flores ou perfumes, doces e corantes, [33] irá colher benefícios e alegrias por muito tempo.

5.12. “Ananda, há quatro pessoas dignas de um pagode. Quais quatro? Um Tathagata, digno e perfeitamente iluminado, um Paccekabuddha, um discípulo do Tathagata e um monarca que gira a roda. E porque cada um desses é digno de um pagode? Porque, Ananda, com o pensamento: ‘Este é um pagode de um Tathagata, de um Paccekabuddha, um discípulo do Tathagata ou de um monarca que gira a roda’, os corações das pessoas se pacificam e depois, na dissolução do corpo, após a morte, elas renascem num destino feliz, no paraíso. Essa é a razão e essas são as quatro pessoas dignas de um pagode.”

5.13. E o Venerável Ananda foi para a sua habitação e lá ficou lamentando, encostado ao umbral da porta: “Ai de mim, ainda sou um treinando com muito por fazer! E o Mestre que tanta compaixão tinha por mim está morrendo!”
Então, o Abençoado perguntou aos bhikkhus onde estava Ananda e eles lhe disseram. Então, ele disse para um certo bhikkhu: “Vá, bhikkhu, e diga para Ananda em meu nome: ‘Amigo Ananda, o Mestre o chama.’” “Sim, venerável senhor,” disse o bhikkhu e assim fez. “Muito bem, amigo,” Ananda respondeu para aquele bhikkhu e foi até o Abençoado e depois de cumprimentá-lo sentou-se a um lado.

5.14. E o Abençoado disse: “Já basta, Ananda, chega de chorar e lamentar! Eu já não lhe disse que todas aquelas coisas que para nós são queridas, estimadas e prazerosas estão sujeitas à mudança, separação e alteração? Então, como pode ser, Ananda – visto que o que quer que tenha nascido, que veio a ser, que é condicionado, que está sujeito à dissolução – como pode ele não falecer? Durante muito tempo, Ananda, você esteve em companhia do Tathagata, demonstrando amor bondade através de ações com o corpo, linguagem e mente, benéficas, abençoadas, com toda a confiança e desinteressadas. Você realizou muito mérito, Ananda. Esforce-se e em pouco tempo você se verá livre das impurezas. [34]

5.15. Então, o Abençoado se dirigiu aos bhikkhus: “Bhikkhus, todos aqueles que foram Budas, dignos e perfeitamente iluminados no passado, tiveram um acompanhante como Ananda, e assim também será com os veneráveis Abençoados que surjirem no futuro. Bhikkhus, Ananda é sábio. Ele sabe quando é o momento apropriado para os bhikkhus verem o Tathagata, quando é o momento apropriado para as bhikkhunis, para os discípulos leigos, para reis, para ministros reais, para os líderes de outras seitas e para os pupilos destes.

5.16. “Ananda possui quatro qualidades extraordinárias e maravilhosas. Quais são elas? Quando um grupo de bhikkhus vem ver Ananda, eles se alegram ao vê-lo, e quando Ananda faz um discurso do Dhamma eles se alegram com isso, e quando ele silencia eles ficam desapontados. E da mesma forma com relação às bhikkunis e aos discípulos leigos. E essas quatro qualidades se aplicam a um monarca que gira a roda: se ele for visitado por um grupo de Khattiyas, de Brâmanes, de chefes de família ou de contemplativos, eles se alegram ao vê-lo e ao ouvi-lo e quando ele silencia eles ficam desapontados. E da mesma forma ocorre com Ananda.”

5.17. Depois disso o Venerável Ananda disse: [35] “Venerável senhor, que o Abençoado não morra nesta pequena cidade miserável feita de paus-a-pique, cercada pela floresta no meio do nada! Venerável senhor, há outras grandes cidades tais como Campa, Rajagaha, Savatthi, Saketa, Kosambi ou Benares. Nesses lugares há Khattiyas, Brâmanes e chefes de família prósperos que são devotos do Tathagata e proverão um funeral adequado para o Tathagata.” “Ananda, não diga que aqui é uma pequena cidade miserável feita de paus-a-pique, cercada pela floresta no meio do nada!”

5.18. Certa vez, Ananda, houve um rei chamado Mahasudassana que girou a roda, um monarca justo de acordo com o Dhamma, conquistador dos quatro pontos cardeais, inconquistável, que havia estabelecido a segurança no seu reino. E esse Rei Mahasudassana tinha nesta mesma Kusinara, sob o nome Kusavati, a sua capital. E essa cidade tinha doze yojanas de extensão de leste a oeste e sete yojanas de extensão de norte a sul. Kusavati era rica, próspera e populosa, repleta de gente e bem suprida. Como a cidade dos devas Alakamanda é rica, próspera e populosa, repleta de yakkhas e bem suprida, assim também era a capital real Kusavati. E Kusavati nunca se via livre de dez tipos de sons durante o dia ou noite: o som de elefantes, cavalos, carruagens, tambores, caixas, alaúdes, canto, címbalos, gongos e exclamações ‘coma, beba e divirta-se’ como décimo.

5.19. “E agora, Ananda, vá até Kusinara e anuncie para os Mallas de Kusinara: “Esta noite, Vasetthas, na última vigília, o Tathagata realizará o parinibbana. Venham vê-lo, Vasetthas, venham vê-lo para que vocês não se arrependam depois dizendo: ‘O Tathagata morreu na nossa comunidade e nós não aproveitamos a oportunidade para vê-lo pela última vez!’” “Muito bem, venerável senhor,” disse Ananda, e tomando o manto externo e a tigela foi com um acompanhante até Kusinara.

5.20. Exatamente naquela ocasião os Mallas de Kusinara haviam se reunido para tratar de negócios no seu salão de assembléias. O Ven. Ananda foi até o salão de assembléias e chegando anunciou: “Esta noite, Vasetthas, na última vigília, o Tathagata realizará o parinibbana. Venham vê-lo, Vasetthas, venham vê-lo para que vocês não se arrependam depois dizendo: ‘O Tathagata morreu na nossa comunidade e nós não aproveitamos a oportunidade para vê-lo pela última vez!”

5.21. Ao ouvirem o venerável Ananda, os Mallas, com os seus filhos, filhas e esposas foram abatidos pela tristeza e angústia, com a mente subjugada pelo pesar, o que fez com que eles chorassem e arrancassem os cabelos. Então, todos foram para o bosque de árvores sal onde estava o venerável Ananda.

5.22. E Ananda pensou: “Se eu permitir que os Mallas de Kusinara saúdem o Abençoado um por um, a noite terá passado antes que todos o tenham saudado. Melhor fazer com que eles prestem a sua homenagem família por família, dizendo: ‘Venerável senhor, o Malla fulano de tal com os seus filhos, esposa, criados e amigos homenageiam o Abençoado aos seus pés.’” E assim ele os apresentou dessa forma, permitindo que todos os Mallas de Kusinara prestassem a homenagem ao Abençoado na primeira vigília.

5.23. E naquela ocasião, um errante chamado Subhadda estava em Kusinara, e ele ouviu que o contemplativo Gotama iria realizar o parinibbana na última vigília da noite. Ele pensou: ‘Eu ouvi dos veneráveis errantes, com idade avançada, mestres dos mestres, que um Tathagata, um Buda perfeitamente iluminado, surge muito raramente no mundo. E esta noite, na última vigília, o contemplativo Gotama irá realizar o parinibbana. Agora uma dúvida surgiu na minha mente e eu tenho certeza que o contemplativo Gotama poderá me dar um ensinamento para dissipar essa dúvida.’

5.24. Assim, Subhadda foi até o bosque de árvores sal dos Mallas, onde estava o venerável Ananda e contou- lhe o que ele havia pensado: “Venerável Ananda, poderei ver o contemplativo Gotama?” Mas Ananda respondeu: “Já basta, amigo Subhadda, não perturbe o Tathagata, o Abençoado está cansado.” E Subhadda fez o mesmo pedido uma segunda e uma terceira vez, mas mesmo assim Ananda recusou.

5.25. Mas o Abençoado ouviu a conversa entre Ananda e Subhadda, e ele disse para Ananda: “Já basta, Ananda, não impeça Subhadda, deixe que ele veja o Tathagata. Pois qualquer coisa que Subhadda me perguntar ele assim fará em busca da iluminação e não para me aborrecer e aquilo que eu responder ele compreenderá com presteza.” Então, Ananda disse: “Entre, amigo Subhadda, o Abençoado lhe deu permissão.”

5.26. Então, Subhadda foi até o Abençoado e depois de cumprimentá-lo sentou a um lado e disse: “Venerável Gotama, esses contemplativos e brâmanes, líderes de ordens, líderes de grupos, mestres de grupos, conhecidos e famosos fundadores de seitas religiosas, considerados como santos por muitos, como Purana Kassapa, Makkhali Gosala, Ajita Kesakambali, Pakudha Kaccayana, Sanjaya Belatthaputta e o Nigantha Nataputta – todos eles realizaram a verdade como cada um deles crê ou nenhum deles a realizou, ou alguns realizaram e outros não?” “Já basta, Subhadda, não importa se todos ou nenhum, ou alguns realizaram a verdade. Vou ensinar para você o Dhamma, Subhadda. Ouça e preste muita atenção àquilo que eu vou dizer.” – “Sim, venerável senhor,” Subhadda respondeu. O Abençoado disse o seguinte

5.27. “Em qualquer doutrina e disciplina em que o nobre caminho óctuplo não seja encontrado, nenhum contemplativo da primeira ... segunda ... terceira ... quarta ordem [que entrou na correnteza, retorna uma vez, não retorna, ou Arahant] é encontrado. Agora, Subhadda, neste Dhamma e Disciplina o nobre caminho óctuplo é encontrado, contemplativos da primeira … segunda … terceira … quarta ordem são encontrados. O nobre caminho óctuplo é encontrado nesta doutrina e disciplina e exatamente aqui existem contemplativos da primeira … segunda … terceira … quarta ordem. Essa outras seitas estão desprovidas de verdadeiros contemplativos; mas se nesta, os bhikkhus viverem a vida com perfeição, o mundo não ficará vazio de Arahants.”

Vinte nove anos eu tinha
Quando saí em busca do Bem.
Agora mais de cinqüenta anos se passaram
Desde o dia em que segui a vida santa
Para perambular no domínio do Dhamma
Fora do qual não há contemplativos
[Da primeira, segunda, terceira e quarta ordem].
Outras seitas estão vazias,
Mas se os bhikkhus viverem com perfeição,
No mundo não faltarão Arahants.

5.28. Em vista disso, o errante Subhadda disse: “Magnífico, Mestre Gotama! Magnífico, Mestre Gotama! Mestre Gotama esclareceu o Dhamma de várias formas, como se tivesse colocado em pé o que estava de cabeça para baixo, revelasse o que estava escondido, mostrasse o caminho para alguém que estivesse perdido ou segurasse uma lâmpada no escuro para aqueles que possuem visão pudessem ver as formas. Eu busco refúgio no Abençoado, no Dhamma e na Sangha dos bhikkhus. Eu receberia a admissão na vida santa sob o Abençoado e a admissão completa.
5.29. “Subhadda, que pertencia anteriormente a uma outra seita e que quer ser admitido na vida santa e a admissão completa neste Dhamma e Disciplina, terá um período de noviciado de quatro meses. Ao final dos quatro meses se os bhikkhus estiverem satisfeitos com ele, eles lhe darão a admissão na vida santa e também a admissão completa como bhikkhu. Eu reconheço diferenças entre indivíduos neste assunto.” “Venerável senhor, se aqueles que pertenceram anteriormente a uma outra seita, e querem a admissão na vida santa e a admissão completa nesse Dhamma e Disciplina, vivem como noviços durante quatro meses e ao final dos quatro meses os bhikkhus que estiverem satisfeitos com ele lhe dão admissão na vida santa e também a admissão completa como bhikkhu, eu viverei como noviço durante quatro anos. Ao final dos quatro anos, se os bhikkhus estiverem  satisfeitos, que me dêem a admissão na vida santa e a admissão completa como bhikkhu.” Mas o Abençoado disse para Ananda: “Que Subhadda receba a admissão completa!” “Muito bem, venerável senhor,” Ananda respondeu.
5.30. E Subhadda disse para o Venerável Ananda: “Amigo Ananda, é um grande ganho para todos vocês e um grande benefício para aqueles que tenham obtido a admissão completa na presença do Mestre.”
Então, Subhadda recebeu a admissão na vida santa na presença do Mestre e também a admissão completa. E a partir do momento da sua ordenação, permanecendo só, isolado, diligente, ardente e decidido, em pouco tempo, o venerável Subhada alcançou e permaneceu no objetivo supremo da vida santa pelo qual membros de um clã deixam a vida em família pela vida santa, tendo conhecido e realizado por si mesmo no aqui e agora. Ele soube: “O nascimento foi destruído, a vida santa foi vivida, o que deveria ser feito foi feito, não há mais vir a ser a nenhum estado.” E assim o venerável Subhada tornou-se mais um dos Arahants. Ele foi o último discípulo pessoal do Abençoado. [36]

[Fim da quinta recitação]

6.1. E o Abençoado disse para Ananda: “Ananda, pode ser que você pense: ‘As instruções do Mestre cessaram, agora não temos mais mestre!’ Você não deve pensar dessa forma, Ananda, pois aquilo que ensinei e expliquei como o Dhamma e a Disciplina, irá, com o meu falecimento, ser o seu mestre.”

6.2. “E quanto aos bhikkhus que têm o hábito de se dirigirem uns aos outros como ‘amigo’, esse hábito deve ser abolido depois do meu falecimento. Os bhikkhus seniores devem se dirigir aos mais juniores pelo seu nome, nome de clã ou como ‘amigo’, [37] enquanto que os bhikkhus juniores devem se dirigir aos seniores como ‘Senhor’ [38] ou ‘Venerável’ [39].

6.3. “Se desejarem, a Sangha poderá abolir as regras menores depois do meu falecimento. [40]

6.4. “Depois do meu falecimento o bhikkhu Channa deve receber a punição de Brahma.” [41] “Mas, venerável senhor, o que é a punição de Brahma?” “Qualquer coisa que o bhikkhu Channa quiser ou disser, nenhum bhikkhu deve falar com ele ou admoestá-lo, ou ensiná-lo.”

6.5. Então, o Abençoado disse para os bhikkhus: “Pode ser, bhikkhus, que algum bhikkhu tenha dúvidas ou incertezas com relação ao Buda, o Dhamma, a Sangha ou com relação ao caminho de prática. Perguntem, bhikkhus! Não sintam remorso mais tarde, pensando: ‘O Mestre estava conosco e nós perdemos a oportunidade de esclarecer nossa dúvida!’ Em vista dessas palavras, os bhikkhus ficaram em silêncio. O Abençoado repetiu as suas palavras uma segunda e uma terceira vez e ainda assim os bhikkhus ficaram em silêncio. Então, o Abençoado disse: “Talvez, bhikkhus, vocês não perguntem por respeito ao mestre. Então, bhikkhus, que cada um diga ao seu amigo.” Mas ainda assim eles ficaram em silêncio.

6.6. E o venerável Ananda disse: “É maravilhoso é admirável venerável senhor! Eu posso ver que nesta assembléia não há nenhum bhikkhu que tenha dúvidas ou incertezas...” “Você, Ananda, fala com base na fé. Mas o Tathagata sabe que nesta assembléia não há nenhum bhikkhu que tenha dúvidas ou incertezas com relação ao Buda, o Dhamma, a Sangha, ou com relação ao caminho de prática. Ananda, entre esse quinhentos discípulos não há nenhum que pelo menos não tenha entrado na correnteza, não mais destinado aos mundos inferiores, com o destino fixo, tendo a iluminação como destino.”

6.7. Então, o Abençoado disse para os bhikkhus: “Dessa forma, bhikkhus, eu os encorajo: todas as coisas condicionadas estão sujeitas à dissolução. Esforçem-se pelo objetivo com diligência”. Essas foram as últimas palavras do Tathagata.[42]

6.8. Então, o Abençoado entrou no primeiro jhana. Emergindo dele ele entrou no segundo jhana... no terceiro... no quarto jhana… na esfera do espaço infinito... na esfera da consciência infinita... na esfera do nada ... na esfera da nem percepção, nem não percepção. Emergindo dela, ele entrou na cessação da percepção e sensação.

Então, o Venerável Ananda disse para o Venerável Anuruddha: “'Venerável Anuruddha, o Abençoado faleceu.” “Não, amigo, Ananda, [43] o Abençoado não faleceu, ele está na cessação da sensação e percepção.”

6.9. Então, o Abençoado, emergindo da cessação da percepção e sensação, entrou na esfera da nem percepção, nem não percepção. Emergindo dela, ele entrou na esfera do nada… na esfera da consciência infinita... na esfera do espaço infinito... no quarto jhana... no terceiro... no segundo... no primeiro jhana. Emergindo do primeiro jhana ele entrou no segundo... no terceiro... no quarto jhana. No quarto jhana, ele faleceu.

6.10. E quando o Abençoado realizou o parinibbana, ocorreu um grande terremoto, assustador e aterrorizador e o estrondo de trovões sacudiram o céu. E o Brahma Sahampati [44] recitou estes versos:

“Todos os seres no mundo, todos os corpos estão sujeitos à dissolução:
Até mesmo o Mestre, sem igual no mundo,
O Senhor poderoso e Buda perfeito faleceu.”

E Sakka, o senhor dos devas, recitou estes versos:

“Impermanentes são as coisas condicionadas, sujeitas à origem
E cessação,
Tendo surgido, elas são destruídas, a sua cessação é a verdadeira bem-aventurança.”

E o Venerável Anuruddha recitou estes versos:

“Sem inspirar e expirar – só com a mente firme
O Sábio liberto da cobiça faleceu para a paz.
Com a mente inabalável ele suportou todas as dores:
Em nibbana a mente iluminada está liberta.”

E o Venerável Ananda recitou estes versos:

“Assustador foi o terremoto, todos os pelos ficaram em pé,
Quando o Buda consumado faleceu.”

E aqueles bhikkhus que ainda não haviam superado o desejo estavam chorando e arrancando os cabelos, levantando os braços, jogando-se ao chão e contorcendo-se, clamando: “Demasiado cedo o Abençoado está morrendo, demasiado cedo o Iluminado está morrendo, demasiado cedo o Olho do Mundo está desaparecendo!” Mas aqueles bhikkhus que se libertaram do desejo, suportaram com paciência, dizendo: “Todas as coisas condicionadas são impermanentes – qual o benefício disso tudo?”

6.11. Então, o Venerável Anuruddha disse: “Amigos, já basta dessa choradeira e lamentação! O Abençoado já não lhes disse que todas aquelas coisas que para nós são queridas, estimadas e prazerosas estão sujeitas à mudança, separação e alteração? Então porque tudo isso? Como poderia ser possível que tudo aquilo que nasce, veio a ser, condicionado, que está sujeito à dissolução, não desapareça – isso é impossível. Os devas, amigos, estão resmungando.”

“Venerável Anuruddha, que tipo de devas você pode perceber?” “Amigo Ananda, há os devas do céu cujas mentes estão atadas à terra, eles estão chorando e arrancando os cabelos ... E há os devas da terra cujas mentes estão atadas à terra, que se comportam da mesma forma. Mas aqueles devas que se libertaram do desejo, suportam com paciência, dizendo: ‘Todas as coisas condicionadas são impermanentes – qual o benefício disso tudo?’”

6.12. Então, o Venerável Anuruddha e o Venerável Ananda passaram o resto da noite conversando sobre o Dhamma. E o Venerável Anuruddha disse: “Agora, amigo Ananda, vá para Kusinara e anuncie para os Mallas: ‘Vasetthas, o Abençoado faleceu. Agora é o momento de vocês fazerem como julgarem adequado.’ ‘Sim, venerável senhor,’ disse Ananda; ele então se vestiu e tomando a sua tigela e o manto externo foi com um acompanhante para Kusinara. Naquela ocasião, os Mallas de Kusinara estavam reunidos no seu salão de assembléias tratando de negócios. E o venerável Ananda foi até eles e comunicou a mensagem do venerável Anuruddha. Ao ouvirem as palavras do venerável Ananda, os Mallas … foram abatidos pela tristeza e angústia, com a mente subjugada pelo pesar o que fez com que eles chorassem e arrancassem os seus cabelos.

6.13. Então, os Mallas ordenaram que alguns homens trouxessem perfumes e coroas de flores e reuniram todos os músicos. E com os perfumes e coroas de flores e todos os músicos e com quinhentos jogos de tecidos eles foram para o bosque de árvores sal onde se encontrava o corpo do Abençoado. E lá eles honraram, demonstraram o seu apreço, veneraram e adoraram o corpo do Abençoado com danças, canções e música, com grinaldas e perfumes, erigindo coberturas e tendas circulares para passar o dia ali. E eles pensaram: “É muito tarde para cremar o corpo do Abençoado hoje. Faremos isso amanhã.” E assim, homenageando-o dessa maneira, eles esperaram pelo segundo, terceiro, quarto, quinto e sexto dia.

6.14. E no sétimo dia os Mallas de Kusinara pensaram: “Nós honramos o suficiente o corpo do Abençoado com danças, canções…, agora devemos cremar o seu corpo depois de carregá-lo através do portão do sul.” Então oito chefes Malla, tendo lavado a cabeça e vestido roupas novas, declararam: “Agora levantaremos o corpo do Abençoado,” mas não conseguiram fazer isso. Em vista disso eles foram até o Venerável Anuruddha e relataram o que havia acontecido: “Porque não conseguimos levantar o corpo do Abençoado?” “Vasetthas, a sua vontade é uma coisa, mas a vontade dos devas é outra.”

6.15. “Venerável senhor, qual é a vontade dos devas?” “Vasetthas, a sua vontade é, tendo honrado o suficiente o corpo do Abençoado com danças e canções ..., cremar o seu corpo depois de carregá-lo através do portão sul. Mas a vontade dos devas é depois de ter honrado os corpo do Abençoado com danças e canções divinas…, carregá-lo através do portão norte da cidade, passando pelo meio da cidade e saindo pelo portão leste para o santuário dos Mallas Makuta-Bandhana e lá cremar o corpo.” “Venerável senhor, se essa é a vontade dos devas, que assim seja.”

6.16. Nessa ocasião, até mesmo os esgotos e amontoados de lixo em Kusinara estavam cobertos até a altura dos joelhos com flores da árvore coral. E os devas, bem como os Mallas de Kusinara, honraram o corpo do Abençoado com danças e canções divinas e humanas…; e eles carregaram o corpo para o norte da cidade, atravessaram o portão norte, cruzaram pelo meio da cidade e saíram pelo portão leste para o santuário dos Mallas Makuta-Bandhana, onde deitaram o corpo.

6.17. Então, eles perguntaram ao venerável Ananda: “Venerável senhor, como devemos tratar o corpo de um Tathagata?” “Vasetthas, vocês devem tratá-lo do mesmo modo que os restos mortais de um monarca que gira a roda.” “E como é isso, venerável senhor?” “Vasetthas, os restos mortais de um monarca que gira a roda são envoltos num pano de linho novo. Este deve ser envolto com algodão penteado ... Depois, tendo feito uma pira funerária com todos os tipos de perfumes, o corpo do rei é cremado e um pagode é construído numa encruzilhada...”

6.18. Então, os Mallas ordenaram que fossem trazidos os tecidos e cuidaram do corpo do Abençoado da forma apropriada ...

6.19. Agora, exatamente nessa ocasião o Venerável Mahakassapa [45] estava caminhando pela estrada principal de Pava a Kusinara com uma grande comitiva, com uns quinhentos bhikkhus. E saindo da estrada o Venerável Mahakassapa sentou-se à sombra de uma árvore. E aconteceu que um certo Ajivika vinha caminhando pela estrada principal em direção a Pava e ele havia pego uma flor da árvore coral em Kusinara. O Venerável Mahakassapa o viu vindo à distância e disse: “Amigo, você conhece o nosso Mestre?” “Sim, amigo, eu conheço. O contemplativo Gotama faleceu faz uma semana. Foi lá que eu peguei esta flor da árvore coral.” E aqueles bhikkhus que ainda não haviam superado o desejo estavam chorando e arrancando os cabelos ... Mas aqueles bhikkhus que se libertaram do desejo, suportaram com paciência, dizendo: “Todas as coisas condicionadas são impermanentes – qual o benefício disso tudo?”

6.20. E sentado junto com o grupo estava um certo Subhadda,[46] que havia seguido a vida santa já com a idade avançada e ele disse para aqueles bhikkhus: “Já basta, amigos, não chorem, não se lamentem! Ainda bem que nos livramos do Grande Contemplativo. Sempre fomos importunados com as observações dele: ‘Não é apropriado que você faça isso, não é apropriado que você faça aquilo!’ Agora podemos fazer o que quisermos!”

Mas o Venerável Mahakassapa disse para os bhikkhus: “Amigos, já basta desse choro e lamentação! O Abençoado já não lhes disse que todas aquelas coisas que para nós são queridas e estimadas e prazerosas estão sujeitas à mudança, separação e alteração? Então porque tudo isso? Como poderia ser possível que tudo aquilo que nasce, veio a ser, condicionado, que está sujeito à dissolução, não desapareça – isso é impossível.”

6.21. Enquanto isso, quatro chefes Mallas, tendo lavado as suas cabeças e vestido roupas novas, disseram: “Nós iremos acender a pira funerária do Abençoado,” mas eles foram incapazes de fazer isso. Eles foram até o Venerável Anuruddha e perguntaram porque estava acontecendo aquilo. “Vasetthas, a sua vontade é uma coisa, mas a vontade dos devas é outra.” “Bem, venerável senhor, qual é a vontade dos devas?” “Vasetthas, a vontade dos devas é a seguinte: ‘O venerável Mahakassapa está caminhando pela estrada principal de Pava para Kusinara com uma grande comitiva de uns quinhentos bhikkhus. A pira funerária do Abençoado não se acenderá até que o Venerável Mahakassapa homenageie o Abençoado com a sua cabeça aos pés dele.” “Venerável senhor, se essa é a vontade dos devas, que assim seja.”

6.22. Então, o venerável Mahakassapa foi até o santuário dos Mallas em Makuta-Bandhana para a pira funerária e cobrindo um ombro com o manto, juntou as palmas das mãos em saudação e circundou a pira três vezes, depois ele descobriu os pés do Abençoado e o homenageou com a sua cabeça aos pés dele, e os quinhentos bhikkhus fizeram o mesmo. E quando eles terminaram, a pira funerária do Abençoado pegou fogo por si mesma.

6.23. E quando o corpo do Abençoado foi cremado, o que tinha sido pele, músculos, tendões, líquido sinovial, tudo isso desapareceu e nem mesmo cinzas ou pó restaram, só relíquias restaram. [47] Como quando a manteiga líquida é queimada, não restam cinzas nem pó, assim também com o corpo do Abençoado..., só relíquias restaram. E todos os quinhentos jogos de tecidos, mesmo o tecido interno e o externo, também queimaram. E quando o corpo do Abençoado estava cremado, uma chuva caiu do céu e uma outra jorrou das árvores sal extinguindo a pira funerária. E os Mallas de Kusinara derramaram água perfumada sobre a pira com o mesmo propósito. Então, os Mallas no seu salão de assembléias, reverenciaram as relíquias durante uma semana com danças, canções, grinaldas e música, depois de fazer uma gelosia com lanças circundada por uma parede feita com arcos.

6.24. E o Rei Ajatasattu Vedehiputta de Magadha ouviu que o Abençoado havia falecido em Kusinara. Ele enviou uma mensagem para os Mallas de Kusinara: “O Abençoado era um Khattiya e eu sou um Khattiya. Eu sou digno de receber uma parte dos restos mortais do Abençoado. Construirei um grande pagode para guardá-las.” Os Licchavis de Vesali ouviram e mandaram uma mensagem: “O Abençoado era um Khattiya e nós somos Khattiyas. Nós somos dignos de receber uma parte dos restos mortais do Abençoado. Nós construiremos um grande pagode para guardá-las.” Os Sakyas de Kapilavatthu ouviram e mandaram uma mensagem: “O Abençoado era o líder do nosso clã. Nós somos dignos de receber uma parte dos restos mortais do Abençoado. Nós construiremos um grande pagode para guardá-las.” Os Bulayas de Allakappa e os Koliyas de Ramagama responderam de modo semelhante. O Brâmane de Vethadipa ouviu e mandou uma mensagem: “O Abençoado era um Khattiya e eu sou um Brâmane ...”, e os Mallas de Pava enviaram uma mensagem: “O Abençoado era um Khattiya e nós somos Khattiyas. Nós somos dignos de receber uma parte dos restos mortais do Abençoado. Nós construiremos um grande pagode para guardá-las.”

6.25. Ao ouvirem isso, os Mallas de Kusinara se dirigiram à multidão, dizendo: “O Abençoado morreu na nossa comunidade. Nós não daremos nenhuma parte dos restos mortais do Abençoado. Em vista disso o Brâmane Dona se dirigiu à multidão com estes versos:

“Ouçam, senhores, a minha proposta
Moderação é o ensinamento do Buda.
Não é correto que o conflito surja
Ao compartir os restos do melhor dentre os homens.
Vamos nos unir em harmonia e paz,
Com amizade dividir em oito porções:
Que os pagodes sejam construídos em todas as direções,
Que todos possam vê-los e crescer na fé!”

“Muito bem, Brâmane, você então divida os restos do Abençoado do melhor modo e da forma mais justa!” “Muito bem, amigos,” disse Dona. E ele dividiu os restos do melhor modo e da forma mais justa, em oito porções e depois disse para a assembléia: “Senhores, por favor dêem uma urna para mim, eu construirei um grande pagode para guardá-la.” E assim a urna foi dada para Dona.

6.26. Agora, os Moriyas de Pipphalavana ouviram que o Abençoado havia falecido e enviaram uma mensagem: “O Abençoado era um Khattiya e nós somos Khattiyas. Nós somos dignos de receber uma parte dos restos mortais do Abençoado. Nós construiremos um grande pagode para guardá-las.”
“Não sobrou nenhuma porção dos restos do Abençoado, tudo já foi repartido. Então, vocês devem levar os carvões.” E assim eles levaram os carvões.

6.27. Então, o Rei Ajatasattu de Magadha construiu um grande pagode para as relíquias do Abençoado em Rajagaha. Os Licchavis de Vesali construíram um em Vesali, os Sakyas de Kapilavatthu construíram um em Kapilavatthu, os Bulayas de Allakappa construíram um em Allakappa, os Koliyas de Ramagama construíram um em Ramagama, o Brâmane de Vethadipa construiu um em Vethadipa, os Mallas de Pava construíram um em Pava, os Mallas de Kusinara construíram um grande pagode em Kusinara, o Brâmane Dona construiu um grande pagode para a urna, e os Moriyas de Pipphalavana construíram um grande pagode para os carvões em Pipphalavana. Assim, oito pagodes foram construídos para as relíquias, um nono para a urna e um décimo para os carvões. Assim era antigamente. [48]

6.28.    Oito porções de relíquias restaram dele,
Aquele que tudo via. Destas, sete ficaram
Em Jambudipa com honras, a oitava
Em Ramagama guardada pelos reis naga.
Um dente foi guardado pelos devas do Trinta e três,
Os reis de Kalinga têm um, os nagas também.
Eles derramam a sua glória sobre a terra fértil.
Assim o Sábio é honrado pelos honrados.
Devas e nagas, reis, os homens mais nobres
Juntam as mãos em respeito, pois é difícil
Encontrar outro igual por incontáveis eons. [49]

Notas:

[1] Este sutta é um composto de várias partes que podem ser encontradas em outros textos do Cânone. Não há dúvida de que este sutta contém os fatos básicos que descrevem os últimos dias do Buda, como também vários elementos duvidosos que foram incorporados mais tarde, num processo que teve continuidade nas versões subseqüentes em Sânscrito, (produzidas pelos Sarvastivadins e outras escolas), e que são conhecidas principalmente através das traduções do Sânscrito para o Chinês e para o Tibetano. [Retorna]

[2] A confederação Vajjia, ao norte de Magadha, na outra margem do rio Ganges, consistia dos Licchavis de Vesali e dos Vedehis (de Videha – de onde provinha a mãe de Ajatasattu), cuja capital era Mithila.[Retorna]

[3] Upalapana, RD interpreta como “trapaça, adulação, diplomacia.” [Retorna]

[4] Aparihaniya dhamma: “fatores para o não declínio.” [Retorna]

[5] Parar antes de ter realizado a iluminação, “descansando sobre os louros conquistados”. [Retorna]

[6] Esta é a Ambalatthika mencionada no DN 1, não aquela do DN 5.1. [Retorna]

[7] Este verso e o seguinte compõem o Nalanda Sutta (SN XLVII.12). [Retorna]

[8] Os três versos que seguem compõem o Giñjakavasatha Sutta (SN LV.8). [Retorna]

[A] Para mais detalhes quanto às qualidades daquele que entrou na correnteza veja o Sotapatti-samyutta no Samyutta Nikaya. [Retorna]

[9] Este verso e o seguinte são encontrados no DN 22. DA diz que a atenção plena foi enfatizada porque eles iam se encontrar com a bela Ambapali.[Retorna]

[10] Ganika. Ela era uma mulher rica e cultivada, com habilidades semelhantes a uma geisha. [Retorna]

[11] Era costume na época os homens usarem maquiagem de várias cores. [Retorna]

[12] Um trocadilho entre “manga” e ambaka, “mulher”. O nome dela significa “guardiã das mangas”. [Retorna]

[13] Este verso até o verso 2.26 compõe o Gilana Sutta (SN XLVII.9). [Retorna]

[14] Este verso até o verso 3.10 compõe o Cetiya Sutta (SN LI.10). [Retorna]

[15] Kappam va tittheyya kappavasesam va. Este trecho tem causado muita disputa. O significado usual de ‘kappa’ é éon. DA no entanto explica que neste caso significa o ‘tempo de vida completo’, isto é, na época do Buda cem anos, conforme o DN 14.1.7. DA também interpreta avasesa com sendo ‘mais de’ sendo que o significado usual é ‘o restante’. [Retorna]

[16] Igual ao MN 77.23. [Retorna]

[17] Igual ao DN 15.35. [Retorna]

[18] Não há contradição em relação àquilo que o Buda disse antes, visto que mesmo que um Buda viva por todo um éon, no final das contas ele também morre. [Retorna]

[19] Os Budas, da mesma forma que os elefantes, giram todo o corpo para olhar para trás. [Retorna]

[20] Sukara-maddava: este é um termo que tem causado controvérsia. Sukara = ‘porco’, maddava = ‘suave, brando, macio’, também ‘murcho’. Portanto, pode tanto se referir às ‘partes macias de um porco’ ou ‘aquilo que os porcos gostam’. O que é evidente é que os antigos comentaristas não sabiam a que se referia isto. DA identifica três possibilidades: 1. A carne de um porco selvagem, nem tão jovem e nem tão velho, 2. Arroz cozido macio com os ‘cinco produtos de uma vaca’, ou 3. um certo tipo de elixir da vida. Comentaristas modernos também identificaram trufas como sendo uma possibilidade. [Retorna]

[21] Há um interessante artigo escrito pelo Ven. Mettanando Bhikkhu, que foi médico antes da sua ordenação como bhikkhu, que analisa a possível causa da morte do Buda. O artigo pode ser encontrado em http://www.lankalibrary.com/Bud/buddha_death.htm [Retorna]

[22] De acordo com o DA, estes versos foram compostos pelos bhikkhus seniores que participaram do primeiro concílio, bem como os versos 38 e 41. [Retorna]

[23] O primeiro professor que o Bodisatva procurou depois da grande renúncia. Veja o MN 26. [Retorna]

[24] Esta descrição é um tanto inusitada no Cânone, pode ter sido uma adição subseqüente. [Retorna]

[25] O rio mencionado por Ananda no verso 22. [Retorna]

[26] Em geral, entende-se que os devas não são iluminados, mas o DA neste caso, sem adicionar nenhum comentário, diz que esses devas são aqueles que não retornam e até mesmo Arahants. [Retorna]

[27] Samvejaniyani: estimulando samvega. [Retorna]

[28] Lumbini (na atualidade Rummindei no Nepal).[Retorna]

[29] Uruvela (na atualidade Boddhgaya em Bihar, Índia). [Retorna]

[30] O parque do gamo em Isipatana (na atualidade Sarnath) próximo a Benares, Índia. [Retorna]

[31] Kusinara. [Retorna]

[32] A inclusão deste trecho parece ter sido arbitrária. Veja o SN XXXV.127. [Retorna]

[33] Provavelmente sândalo ou ocre. [Retorna]

[34] Um Arahant. Ananda realizou o estado de Arahant na véspera do primeiro Concílio, cerca de três meses depois do falecimento do Buda. [Retorna]

[35] Este verso e o seguinte também podem ser encontrados no DN17.1.2. [Retorna]

[36] De acordo com DA esta sentença foi adicionada pelos bhikkhus do primeiro concílio. [Retorna]

[37] Avuso. [Retorna]

[38] Bhante. [Retorna]

[39] Ayasma. [Retorna]

[40] A Sangha não se beneficiou desta concessão porque Ananda não perguntou quais seriam essas regras menores. [Retorna]

[41] Veja também o Channa Sutta (SN XXII.90). [Retorna]

[42]Vayadhamma sankhara. Appamadena sampadetha. Esta mesma frase também aparece no verso 3.51. Veja também o ultimo parágrafo no SN XII.22. [Retorna]

[43] Observe que Ananda, o bhikkhu mais junior, se dirige a Anuruddha da forma instruída pelo Buda no verso 6.2. Anurudha também responde da forma instruída. [Retorna]

[44] O Brahma Sahampati também aparece para o Buda na noite da sua iluminação, veja o MN 26. [Retorna]

[45] Um dos discípulos mais eminentes do Buda que não deve ser confundido com os demais discípulos chamados Kassapa. Mahakassapa era mestre nos poderes supra-humanos e diz a tradição que ele morreu com 120 anos de idade. Ele presidiu o primeiro concílio Budista. [Retorna]

[46] Não é o mesmo Subhadda mencionado nos versos 5.23-30. [Retorna]

[47] Sarira: relíquias (mais tarde interpretado como a substância indestrutível encontrada nos restos cremados dos Arahants).[Retorna]

[48] Este parece ter sido o fecho do sutta original. [Retorna]

[49] Estes versos devem ter sido acrescentados posteriormente. [Retorna]