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quarta-feira, 9 de agosto de 2017

Pontos a observar no Estudo do Caminho (parte 1)

(Gakudo Yojin-shu) 
Por Eihei Dogen Zenji
A necessidade de despertar para a Mente-Bodhi A Mente-Bodhi é conhecida por muitos nomes, porém todos se referem à mesma Mente Una. O Venerável Nagarjuna (1) disse, “A mente que vê através do fluxo do aparecer e desaparecer e reconhece a natureza transitória do mundo é também conhecida como Mente-Bodhi.” Por que então, a dependência temporária nesta mente é chamada de Mente-Bodhi? Quando a natureza transitória do mundo é reconhecida, não aparece nem a mente egoísta comum nem a mente que busca fama e proveito. Ciente de que o tempo não espera por ninguém, pratique como se estivesse tentando apagar o fogo em seus cabelos. Reflita sobre a natureza transitória do corpo e da vida, se esforce exatamente como o Buda Xaquiamuni fez quando levantou seu pé (2). Mesmo que ouça o chamado bajulador do deus Kimnara e do pássaro Kalavinka (3), não preste atenção, considere-os apenas como a brisa do anoitecer soprando em seus ouvidos. Mesmo que veja uma face tão bela como a de Mão-cha’ng ou Hsi-shih (4), pense nela apenas como o orvalho da manhã bloqueando sua visão. Quando livre do apego ao som, cor e forma, naturalmente se tornará um com a verdadeira Mente-Bodhi. Desde os tempos antigos existiram aqueles que ouviram pouco sobre o verdadeiro budismo e outros tiveram pouca oportunidade de ouvir, ler e estudar os sutras. A maioria deles caiu na armadilha da fama e lucro, perdendo a essência do Caminho para sempre. Que pena! Que lamentável! Não ignorem isto. Mesmo que você tenha lido os meios expedientes ou verdadeiros ensinamentos de grandes sutras (5) ou transmitido os ensinamentos esotéricos (6) e exotéricos, a menos que abandone fama e lucro, não se poderá dizer que tenha despertado a Mente-Bodhi. Alguns dizem que a Mente-Bodhi é o mais alto e supremo estado de iluminação de Buda, livre da fama e do lucro. Outros dizem que é aquilo que abrange um bilhão de mundos (7) em um único momento de pensamento, ou que é o ensinamento no qual nenhuma delusão surge. Outros ainda, dizem que é a mente que entra diretamente no plano de Buda. Estas pessoas, ainda sem entender o que é a Mente-Bodhi, de maneira devassa a caluniam. Elas estão, na verdade, muito longe do Caminho. Reflita sobre sua mente comum, como está egoisticamente apegada, à fama e ao lucro. Está possuída pela essência e aparência dos três mil mundos, em um único momento de pensamento? Este pensamento único experimenta o portal do dharma do não nascido? Terá ela experimentado o ensinamento que não desperta uma única delusão? Não! Nessa mente apegada não há nada a não ser delusão de fama e de lucro, nada digno de ser chamado de Mente-Bodhi. Muito embora desde os tempos antigos tenham existido Budas Ancestrais que usaram métodos seculares para realizar a iluminação, nenhum deles esteve apegado à fama e ao lucro, nem mesmo ao Dharma, quanto menos ao mundo comum. A Mente-Bodhi é, como foi mencionado anteriormente, aquela que reconhece a natureza transitória do mundo – uma dos quatro percepções (8). É completamente diferente daquela apontada pelas pessoas confusas. A mente do não surgimento e a mente do aparecimento de um bilhão de mundos são práticas muito boas após se ter despertado a Mente-Bodhi. “Antes” e “após”, no entanto, não devem ser confundidos. Apenas esqueça de si e tranqüilamente pratique o Caminho. Esta é verdadeiramente a Mente-Bodhi. Os sessenta e dois pontos de vista estão baseados no eu (9), portanto, quando visões egoístas aparecem, apenas faça zazen tranqüilamente, observando. Qual é a base de nosso corpo, suas posses internas e externas? Você recebeu seu corpo, cabelo e pele de seu pai e de sua mãe. Entretanto, as duas gotas de seus pais, vermelha e branca (10), são vazias do início ao fim, portanto, não há nenhum eu aqui. Mente, consciência discriminativa, conhecimento e pensamento dualístico amarram a vida. O que, em última instância, são inalar e exalar? Não são o eu. Não existe nenhum eu para se apegar. A pessoa deludida, entretanto, está apegada a si mesma e a iluminada está desapegada. Ainda assim vocês procuram medir o eu que é não eu e se apegam ao surgir que é não surgir negligenciando a prática do Caminho. Por falhar em cortar suas amarras com o mundo fogem do verdadeiro ensinamento e correm atrás do falso. Vocês se atreve a dizer que não estão agindo erroneamente? 

quinta-feira, 3 de agosto de 2017

Sutra do Diamante

(Vajracchedika Prajna Paramita)

(1) Assim eu ouvi. Uma manhã, quando o Buddha estava perto de Shravasti no bosque de Jeta, Ele e Sua comunidade de mil duzentos e cinquenta monges foram à cidade para mendigar sua refeição matinal; e depois que voltaram e terminaram a refeição, deixaram de lado seus robes e tigelas e lavaram seus pés. Então o Buddha sentou-se e os outros sentaram diante dele.

(2) Do meio da assembléia levantou-se o Venerável Subhuti. Ele descobriu seu ombro direito, ajoelhou-se sobre a perna direita, e, juntando as palmas das mãos, inclinou-se diante do Buddha. "Senhor," ele disse, "Tathagata! Honrado-por-todo-o-mundo! Que maravilhoso é que sejamos protegidos e instruídos pela Sua misericórdia! Senhor, quando homens e mulheres anunciam que desejam seguir o Caminho do Bodhisattva e nos perguntam como devem proceder, que devemos dizer-lhes?

(3) Bom Subhuti," respondeu o Buddha, "sempre que alguém anuncia, `Eu quero seguir o Caminho do Bodhisattva porque quero salvar todos os seres sencientes; e não importa se são criaturas formadas em um útero ou chocadas em ovos; se seus ciclos de vida são tão observáveis como os de minhocas, insetos e borboletas; ou se aparecem miraculosamente como cogumelos ou deuses; ou se são capazes de pensamentos profundos ou de nenhum pensamento, faço o voto de conduzir cada um dos seres ao Nirvana!' então, Subhuti, deves lembrar o que tomou os votos que mesmo que um tal incontável número de seres fosse assim libertado, na verdade nenhum ser seria libertado. Um Bodhisattva não se apega à ilusão de uma individualidade ou entidade egóica ou a uma identificação pessoal. Na verdade, não existe qualquer "eu" que liberta e nenhum "eles" que são libertados.

(4) "Além disso, Subhuti, um Bodhisattva deveria ser desapegado de todos os desejos, sejam de ver, ouvir, cheirar, tocar ou degustar qualquer coisa, ou seja o de levar multidões à iluminação. Um Bodhisattva não prova da ambição. Seu amor é infinito e não pode ser limitado por apegos ou ambições pessoais. Quando o amor é infinito seus méritos são incalculáveis.

"Diga, Subhuti, podes medir o céu oriental?"

"Não, Senhor, não posso."

"Podes medir o espaço que fica ao Sul, Oeste, Norte ou mesmo para baixo ou para cima?"

"Não, Senhor, não posso."

"Nem podes medir os méritos de um Bodhisattva que ama, trabalha e dá sem desejo ou ambição."

"Bodhisattvas deveriam prestar atenção particular a esta instrução."

(5) "Subhuti, o que achas? É possível descrever o Tathagata? Pode Ele ser reconhecido por características materiais?"

"Não, Senhor, não é possível submeter o Tathagata a diferenciações ou comparações." Então o Senhor disse, "Subhuti, na fraude do Samsara, todas as coisas são vistas como diferentes ou com diferentes atributos, mas na verdade do Nirvana nenhuma diferenciação é possível. O Tathagata não pode ser descrito."

"Quem quer que perceba que todas as qualidades não são, na verdade, qualidades determinadas percebe o Tathagata."

(6) Subhuti perguntou ao Buddha, "Honrado-pelo-mundo, sempre haverá homens que compreendem este ensinamento?"

"O Senhor respondeu, "Subhuti, não duvides disso! Sempre haverá Bodhisattvas virtuosos e sábios; e, em eras por vir, estes Bodhisattvas plantarão suas raízes de mérito sob muitas árvores Bodhi. Receberão este ensinamento e responderão com serena fé porque sempre haverá Buddhas para inspirá-los. O Tathagata os verá e os reconhecerá com seu olho-Búddhico porque nestes Bodhisattvas não haverá obstruções, nem percepção de um eu individual, nenhuma percepção de um ser separado, nenhuma percepção de uma alma, nem de uma pessoa. E estes Bodhisattvas também não vão perceber as coisas como tendo qualidades próprias nem como sendo destituídas de qualidades próprias. Nem vão discriminar entre bem e mal. A discriminação entre boa e má conduta deve ser usada como se usa um barco. Depois que deixa aquele que cruzou a corrente no outro lado, deve ser abandonado."

(7) "Diga, Subhuti, O Tathagata conseguiu a Perfeita Iluminação que Transcende Comparações? Se assim é, há algo sobre ela que o Tathagata pode ensinar?"

"Subhuti respondeu, "Da maneira como entendo o ensinamento ele não pode ser ensinado e não pode ser atingido ou compreendido e nem pode ser ensinado. Por quê? Porque o Tathagata disse que a Verdade não é uma coisa que pode ser diferenciada ou contida e então a Verdade não pode ser compreendida ou expressada. A Verdade nem é e nem não é."

(8) Então o Senhor perguntou, "Se alguém enchesse três mil galáxias com os sete tesouros - ouro, prata, lápis-lazuli, cristal, ágata, pérolas vermelhas e cornalina - e desse tudo o que possuísse como esmola ou caridade, ganharia grande mérito?"

Subhuti respondeu, "Senhor, grande mérito, de fato, caberia a ele ainda que, na verdade, ele não tenha uma existência separada à qual o mérito pudesse ser associado."

Então o Buddha disse, "Suponha que alguém entendesse apenas quatro linhas do nosso Discurso mas ainda assim resolvesse se dar ao trabalho de explicar estas linhas para alguém mais; então, Subhuti, seu mérito seria maior que o do doador de esmolas. Por quê? Porque este Discurso pode produzir Buddhas! Este Discurso revela a Perfeição da Iluminação que Transcende Comparações!

(9) "Diga, Subhuti. Um discípulo que começa a cruzar a corrente diz a si mesmo, `Eu mereço as honras e recompensas de alguém que começou a cruzar a corrente'?"

"Não, Senhor. Alguém que realmente esteja entrando na corrente não pensa em si mesmo como uma ego-entidade isolada que possa merecer qualquer coisa. Apenas aquele discípulo que não vê diferença entre si mesmo e os outros, que não dá importância a nome, forma, som, odor, gosto, tato ou qualquer qualidade pode ser chamado um daqueles que entraram na corrente."

"Um adepto que esteja sujeito a apenas um renascimento mais diz a si mesmo, `Eu mereço as honras e recompensas de alguém que só renascerá uma vez mais'?"

"Não, Senhor. `Um que renascerá uma só vez mais' é apenas um nome. Não há falecimento ou volta à existência. Apenas quem compreende isto pode ser chamado um adepto."

"Um Venerável que nunca mais terá que nascer como um mortal diz a si mesmo, `Eu mereço as honras e recompensas de alguém que não mais retornará'?"

"Não, Honrado-pelo-mundo. `Alguém que não retornará' é apenas um nome. Não existem o retornar ou o não-retornar."

"Diga, Subhuti. Um Buddha diz a si mesmo, `Eu atingi a perfeita Iluminação'?"

"Não, Senhor. Não há nada como uma Iluminação Perfeita a se obter. Senhor, se um Buddha Perfeitamente Iluminado dissesse a si mesmo, `tal sou eu' ele estaria admitindo a existência de uma identidade individual, um eu e uma personalidade separadas e neste caso não seria um Buddha Perfeitamente Iluminado.

"Ó, Honrado-pelo-mundo! Havíeis declarado que eu, Subhuti, me distingui entre teus discípulos no conhecimento da bem-aventurança do samadhi, em viver perfeitamente contente e satisfeito em reclusão, e em ser livre das paixões. Ainda assim não digo a mim mesmo que o sou pois se pensasse em mim mesmo como tal então não seria verdade que escapei da ilusão do ego. Sei que na verdade não há Subhuti e portanto Subhuti não reside em qualquer lugar, que ele não conhece e nem ignora a bem-aventurança, e que não é livre e nem escravo das paixões.

(10) O Buddha disse, "Subhuti, que pensas? No passado, quando o Tathagata estava com Dipankara, o Completamente Iluminado, Ele aprendeu algo dele?"

"Não, Senhor. Não há algo como uma doutrina a ser aprendida."

"Subhuti, saibas também que se qualquer Bodhisattva dissesse, `Eu vou criar um paraíso', ele estaria mentindo. E porquê? Porque um paraíso não pode ser construído nem destruído.

"Saibas então, Subhuti, que todo o Bodhisttva, maior ou menor, deveria experimentar a pura mente que vem depois da extinção do ego. Tal mente não discrimina e faz julgamento de som, gosto, toque, odor, ou qualquer qualidade. Um Bodhisattva deveria desenvolver uma mente que não forma qualquer apego ou aversão a qualquer coisa.

"Suponhas que um homem fosse dotado de um corpo enorme, tão grande que tivesse a presença pessoal como a de Sumero, o rei das montanhas. Sua existência pessoal seria grande?"

"Sim, Senhor. Seria grande, mas `existência pessoal' é apenas um nome. Na verdade, ele nem existiria e nem não existiria."

(11) "Subhuti, se houvesse tantos rios Ganges quanto há grãos de areia no rio Ganges, o total de grãos seria grande?"

"Grande, de fato, Honrado-por-todo-o-mundo. Seria mais fácil contar todos os rios Ganges, do que contar o total combinado de grãos de areia neles todos!"

"Subhuti, vou te contar uma grande verdade. Se alguém enchesse três mil galáxias com os sete tesouros para cada grão de areia em todos esses rios Ganges e desse isso tudo como esmola ou caridade, ganharia muito mérito?"

"Muito mérito, certamente, Senhor."

Então o Buddha declarou, "No entanto, Subhuti, se alguém estudasse nosso Discurso e entende apenas quatro linhas dele mas então explica essas quatro linhas para alguém mais, o mérito consequente seria muito maior."

(12) "Além disso, Subhuti, onde quer que aquelas quatro linhas sejam proclamadas, aquele lugar deveria ser venerado como um Santuário do Buddha. E a veneração seria proporcional ao número de linhas explicadas!

"Qualquer um que compreenda e explique este Discurso em sua totalidade consegue a mais alta e mais maravilhosa de todas as verdades. E onde quer que esta explicação é dada, lá, naquele lugar, deverias te conduzir como se estivesses na presença do Buddha. Em tal lugar deverias te curvar e oferecer flores e incenso."

(13) Então Subhuti perguntou, "Honrado-por-todo-o-mundo, por que nome deveria este Discurso ser conhecido?"

O Buddha respondeu, "Este Discurso deveria ser conhecido como o Vajracchedika Prajna Paramita - o Lapidador da Sabedoria Transcendental - porque é o Ensinamento que é duro e afiado e corta a concepção errada e a ilusão."

(14) Neste ponto o impacto do Dharma levou Subhuti a derramar lágrimas. Então, enquanto limpava a face, ele disse, "Senhor, que precioso é que pronunciastes este profundo Discurso! Já faz muito tempo que meu olho da sabedoria foi aberto pela primeira vez; mas desde aquele dia até hoje nunca havia ouvido uma explicação tão maravilhosa da natureza da Realidade Fundamental."

"Senhor, sei que por muitos anos ainda haverá homens e mulheres que, sabendo do nosso Discurso, o receberão com fé e entendimento. Serão livres da idéia de uma entidade-ego, livres da idéia de uma alma pessoal, livres da idéia de um ser individual ou existência separada. Que realização memorável essa liberdade será!"

(16) "Subhuti, apesar de neste mundo ter havido milhões e milhões de Buddhas, e todos tendo muito mérito, o maior mérito de todos virá àquele homem ou mulher que, quando nossa Época Búddhica chegar próxima ao seu fim no período dos últimos quinhentos anos, receber este discurso, considerá-lo, tiver fé nele, e então explicá-lo a alguém mais, resgatando assim nossa Boa Doutrina do colapso final."

(17) "Senhor, como então deveríamos instruir aqueles que querem tomar o voto do Bodhisattva?"

"Diga a eles que se quiserem chegar à Perfeita Iluminação que Transcende Comparações eles devem estar decididos em suas atitudes. Devem estar determinados a libertar cada ser vivente mas devem entender que na verdade não há seres vivos individuais ou separados."

"Subhuti, para ser chamado um Bodhisattva na verdade, um Bodhisattva deve ser completamente destituído de quaisquer concepções de um si mesmo."

(18) "Diga, Subhuti, o Tathagata tem o olho humano?"
"Sim, Senhor, Ele tem."
"E o Tathagata tem o olho divino?"
"Sim, Senhor, Ele tem."
"E o Tathagata possui o olho gnóstico?"
"Sim, Honrado-por-todo-o-mundo."
"E Ele possui o olho da sabedoria transcendental?"
"Sim, Senhor."
"E o Tathagata possui o olho-Búddhico da onisciência?"
"Sim, Senhor, Ele o tem."


"Subhuti, apesar de haver incontáveis Terras Búddhicas e incontáveis seres com diferentes mentes nessas Terras Búddhicas, o Tathagata compreende a todos com sua Mente que Tudo Abarca. Quanto às suas mentes, são meramente chamadas de `mente.' Tais mentes não têm existencia real. Subhuti, é impossível reter a mente do passado, impossível reter a mente do presente, e impossível apreender a mente do futuro porque em nenhuma de suas atividades a mente tem substância ou existência."

(32) "E finalmente, Subhuti, novamente saibas que se um homem desse tudo o que tem - tesouros suficientes para encher incontáveis mundos - e outro homem ou mulher acordasse para o puro pensamento da Iluminação e tomasse apenas quatro linhas deste discurso, as recitasse, considerasse, compreendesse e então, para o benefício de outros, as distribuísse e explicasse, o mérito deste ou desta seria o maior de todos.
"Agora, como deveria ser a maneira de um Bodhisattva explicar estas linhas? Deveria ser desapegado das coisas fraudulentas do Samsara e deveria permanecer na verdade eterna da Realidade. Deveria saber que o ego é um fantasma e que tal ilusão não precisa persistir por muito tempo.

"E assim ele deve ver o mundo impermanente do ego -
Como uma estrela cadente, ou a vaidosa Vênus ofuscada
pela Aurora,
Pequena bolha na água corrente, um sonho,
A chama de uma vela, que tremula e se vai."


Quando o Buddha terminou, o Venerável Subhuti e os outros na assembléia se encheram de alegria com o ensinamento dEle; e, recebendo-o sinceramente em seus corações, tomaram seus caminhos."

* Uma versão abreviada. As seções 19 a 31 foram omitidas porque repetiam seções anteriores. O capítulo 17 foi omitido pelo tradutor para o Inglês, Edward Conze, porque, nas suas palavras: "No capítulo 17 o Sutra volta ao começo. A questão do capítulo 2 é repetida, do mesmo modo como a resposta do capítulo 3. 17-a-d sucessivamente considera os estágios da carreira de um Bodhisattva, exatamente como os capítulos 3 a 5, e novamente o capítulo 10 o fez. Com a ausência de uma real entidade para sua principal idéia, o capítulo 27 novamente cobre terreno antigo.. O 17a corresponde ao 3; 17b ao 10a; 17d ao 7, 14g ao final do 8; 17e ao 10c, e o 17g ao 10b."

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FUKANZAZENGI ‐ Regras Universais do Zazen

(Capítulo do Sobogenzo - Manual de meditação de Eihei Dogen ‐ Japão, 1200 ‐ 1253 D.C.)

Agora, quando procuramos a fonte do Caminho, descobrimos que é universal e absoluta. Torna‐se desnecessário distinguir entre prática e iluminação. O ensinamento supremo é livre, então por que deveríamos estudar os meios de atingi‐lo? Sem dúvida, o Caminho está bem longe da delusão. Por que, então, preocupar‐se com os meios de eliminá‐la?
O Caminho está completamente presente onde você está, então qual a necessidade de prática e de iluminação? Contudo, se no início houver a menor diferença entre você e o Caminho, o resultado será uma separação maior do que aquela entre o céu e a terra.
Se surgir o menor pensamento dualista, você perderá sua mente‐Buda. Por exemplo, algumas pessoas se orgulham de sua compreensão, e acreditam que estão ricamente dotadas com a sabedoria de Buda. Crêem que já alcançaram o Caminho, iluminaram suas mentes e conquistaram o poder de tocar os céus. Imaginam que estão andando no reino da iluminação. Mas o fato é que quase perderam o Caminho absoluto, que está além da própria iluminação.
Ainda se vêem as marcas daquele que por seis anos sentou‐se erecto e se ouvem os ecos do Monte Shaolim onde por nove anos sentou‐se de face para a parede aquele que transmitiu o selo da mente. Já que estes antigos sábios eram tão diligentes, como podem os praticantes dos dias atuais deixar de praticar zazen? Devemos parar de correr atrás de palavras e de letras e aprendermos a nos retirar e refletir sobre nós mesmos. Quando assim fazemos, nosso corpo e mente são naturalmente transcendidos, e nossa natureza‐Buda original se manifesta. Se almejarmos realizar a sabedoria de Buda, devemos começar a praticar imediatamente.
Para fazer zazen, é desejável um local tranqüilo. Devemos ser moderados no comer e no beber, abandonando todo relacionamento deludido. Deixando tudo de lado, não pensemos nem no bem, nem no mal, nem no certo, nem no errado. Assim, tendo cessado a agitação da mente, abandonamos até mesmo a idéia de nos tornar Buda. Isto é verdadeiro não só para o zazen, mas para todas as nossas ações cotidianas, sem apego ao sentar ou ao deitar.
Geralmente, colocamos um acolchoado quadrado no chão, onde vamos sentar, e sobre ele uma almofada redonda. Podemos sentar na posição de lótus ou na de meio lótus. Na primeira, colocamos o pé direito sobre a coxa esquerda, e em seguida o pé esquerdo sobre a coxa direita. Na segunda, apenas colocamos o pé esquerdo sobre a coxa direita. As roupas devem ser folgadas, mas bem arrumadas. Em seguida, colocamos o dorso da mão direita sobre o pé esquerdo e o dorso da mão esquerda sobre a palma direita, com as pontas dos polegares se tocando levemente. Devemos nos sentar perfeitamente eretos, nem inclinados à direita, nem à esquerda, nem para frente, nem para trás. As orelhas devem estar alinhadas com os ombros e o nariz alinhado com o umbigo. A ponta da língua deve ser colocada no palato, os lábios e dentes devem ficar fechados. Mantendo os olhos entreabertos, respiramos suavemente pelas narinas. Finalmente, tendo regulado o corpo e a mente fazemos uma respiração profunda, movendo nosso corpo para a esquerda e para a direita e então, devemos ficar imóveis, sentados tão firmes quanto uma rocha. Existe o pensar, existe o não pensar e existe o inconcebível. Esta é a verdadeira base do zazen.
Zazen não é meditação passo a passo. É o portal do Darma da agradável tranqüilidade, é a prática e a realização da Iluminação, é tornar‐se o "koan". A verdade aparece, não mais havendo delusão. Se compreendermos isto, estaremos completamente livres, como um dragão na água, ou um tigre recostado na montanha. O Darma Correto surge naturalmente e ficamos completamente livres de todo cansaço e confusão. Ao terminarmos o zazen, devemos mover o corpo devagar e nos levantar com calma. Não devemos nos mover bruscamente.
Pela virtude do zazen, é possível transcender a diferença entre o comum e o sagrado e obter a capacidade de morrer sentado ou de pé. Além do mais, é impossível para nossa mente discriminatória compreender como os Budas e Ancestrais do Darma comunicaram a essência do Zen a seus discípulos, com o levantar de um dedo, com uma vara, jogando uma agulha ou batendo com o martelo de madeira; ou como eles transmitiram a iluminação com o levantar de um hossu, de um punho, de um bastão ou com um grito.
Tampouco, este assunto pode ser compreendido através de poderes sobrenaturais ou de uma visão dualista de prática e iluminação. Zazen é a prática além dos mundos subjetivos e objetivos, além do pensamento discriminatório. Assim, nenhuma discriminação deverá ser feita entre o inteligente e o não‐inteligente. Praticar o Caminho com todo o respeito é, em si mesmo, iluminação. Não existe separação entre a prática e a iluminação, ou entre o zazen e a vida cotidiana.
Os Budas e Ancestrais do Darma, tanto neste país, quanto na Índia e na China, todos preservaram cuidadosamente a mente‐Buda e incentivaram assiduamente o treinamento Zen. Devemos, pois, nos dedicar exclusivamente, e sermos completamente absorvidos pela prática do zazen. Apesar da divulgação de inúmeras maneiras de se compreender o Budismo, devemos praticar somente o zazen. Não há motivo para abandonarmos nosso assento de meditação e fazermos viagens inúteis a outros países. Se nosso primeiro passo for errado, inevitavelmente tropeçaremos.
Já tivemos a boa fortuna de nascer com um corpo precioso, então, não devemos desperdiçar nosso tempo à toa. Agora que sabemos qual é a coisa mais importante no Budismo, como podemos ficar satisfeitos com o mundo transitório? Nossos corpos são como o orvalho sobre a relva, e nossas vidas como o clarão de um raio, que desaparece num instante.
Sinceros praticantes Zen, não se espantem com o Verdadeiro Dragão, nem gastem muito tempo inutilmente apalpando apenas uma pequena parte do elefante. Dediquem seus esforços ao caminho que leva diretamente à natureza‐Buda. Respeitem aqueles que alcançaram o conhecimento completo, que estão sem intenção de intenção.
Tornem‐se um com a sabedoria dos Budas e assim, sucessores legítimos da iluminação dos Ancestrais. Praticando desta maneira, certamente serão capazes de compreender tudo isto. Então, a casa do tesouro naturalmente se abrirá e vocês poderão se servir à vontade.