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sexta-feira, 22 de dezembro de 2017

contentamento


contentamento pode ter vários significados
de que tudo no mundo está como realmente deve estar
então há um contentamento
e que o contente está como realmente deve estar
há o egoísmo
que algo particular em si mesmo ou no mundo ao seu redor o contenta
há o contentemento egocêntrico das coisas externas ou internas ou ambas
que descobriu-se o seu lugar no mundo e o seu papel e está bem feito
há o contentamento funcional ou utilitarista
que as coisas estão sempre melhorando mesmo e tudo terminará bem no final
há o contentamento comodista esperançoso
que o contente está lutando pelo seu lugar ou por um mundo melhor
há o contentamento do caracol ou da formiguinha
que tudo está bem mesmo em meio ao kaos
e eu nem saberia dizer que tipo de contentamento seria este
enfim há vários tipos de contentamento e mais várias ainda as motivações
contentamento é apenas uma estupidez

mas há um contentamento verdadeiro
aquele que não depende de causa
aquele que não se baseia em um por quê
aquele que é livre de uma coisa ou situação ou pessoa
aquele que não depende de absolutamente coisa alguma
aquele que simplesmente é porque é contentamento
há o contentamento
onde ele está?
contentamento é apenas contentamento
e isto é contentamento

quinta-feira, 21 de dezembro de 2017

Do livro PSICOLOGIA BUDISTA de Ryotan Tokuda

Quinta Palestra-Psicologia Budista
Caros amigos, para encerrar este ciclo de palestras, hoje
à noite eu vou falar sobre o Budismo Zen. O Budismo
Zen começou na Índia com o Buda Gautama e, até o meu
mestre, houveram oitenta e quatro patriarcas. Esta disciplina
e ensinamento foram transmitidos através de mestre
e discípulo, pela Índia, China e Japão, agora nós estamos
aqui na Argentina. A escola Zen é considerada como o
Budismo transmissão correta, uno e puro, porque não é
realizada através de leituras ou livros, mas é transmitida
fisicamente com o mestre e discípulo se encontrando face
a face e transmitindo o Dharma de coração para coração.
A palavra Buddha significa literalmente homem iluminado,
homem desperto. Quando o Buda Gautama ganhou o
Iluminamento embaixo da árvore sob a qual meditava
ficou muito feliz, durante uma semana inteira ele ficou
naquele estado de muita felicidade. Depois surgiu uma
dúvida: eu encontrei esta resposta com muita dificuldade,
mas será que alguém vai ser capaz de compreender
os meus ensinamentos? Todo mundo está dormindo e
tem os Três Venenos: o apego, a raiva e a ignorância.
Assim, mesmo que eu for ensinando por aí, ninguém vai
entender. Este foi justamente o primeiro perigo da vida de
Buda, e nesse momento ele despertou aquela grande compaixão:
se eu falar, talvez algumas pessoas entendam,
pois algumas pessoas têm somente uma fina camadade
poeira nos olhos; essas pessoas serão capazes de compreender
a doutrina.. Jesus Cristo também teve estas
mesmas tentações no deserto antes de começar o seu ensinamento.
Aqui é onde se mostra a diferença entre o mun-
do comum, profano, e o mundo sagrado. Quando o Buda
Gautama viu uma pequena lagoa, várias flores de lótus
estavam embaixo da água, outras estavam no mesmo nível
da água e algumas estavam acima e fora da água. Então
ele compreendeu: se eu falar, algumas pessoas vão entender,
tal qual o sol que doura os lagos cobertos de lotus
e vê quais os botões que estão próximos a se abrirem a
seus raios, e quais os que não sairam ainda das suas raí-
zes. Esta sensação de solidão no Caminho dos mestres,
todos eles já percorreram esta trilha.
Um sapo começou a viajar e chegou a uma outra lagoa
muito distante, mas nesta lagoa moravam sapos dotados
de um só olho. Eles diziam: ah, este tem dois olhos, é um
aleijado. Para nós é uma coisa muito clara, nós temos dois
olhos, mas se a gente encontrar um mundo em que todos
tenham apenas um olho, nós estamos errados. Isto significa
que nós temos percepções limitadas. Por que existe o
sofrimento? Viver é sofrimento, doença é sofrimento, envelhecimento
é sofrimento, e finalmente a morte é um
sofrimento. A separação daqueles a quem amamos é sofrimento,
encontrar com aquelas pessoas a quem odiamos
também é sofrimento. Quando queremos ganhar uma coisa,
e não conseguimos, sofremos. E, finalmente, viver com
saúde também é sofrimento, porque temos desejos para
comer, dormir, sexo, fama, poderes e bens materiais. Então
por quê este sofrimento? Porque tudo é impermanência.
Nós queremos que as coisas durem, mas elas são impermanentes,
mudam constantemente.
Um dia a pessoa começa a procurar religiões. Por quê?
Para viver nós precisamos de comida todos os dias, mas a
cultura por exemplo, algumas pessoas podem viver sem
ela. Para certas pessoas não se pode viver sem cultura,
como literatura, pinturas, ou músicas bonitas; sem isto não
se pode viver. Agora eu pergunto: e quanto à religião?
Algumas pessoas não precisam, mas algumas pessoas,
talvez poucas pessoas, precisem. Uma pessoa viajava, de
repente encontrou um tigre. Então fugiu para o outro lado,
aí encontrou outro animal, um urso, uma onça, um outro
animal muito perigoso. Aí descobriu um poço profundo e
entrou dentro deste poço segurando numa corda. No fundo
do poço havia um jacaré esperando, de boca aberta. Exatamente
esta situação é a nossa vida, não tem jeito de escapar
destes perigos.
Uma pessoa estava segurando com as duas mãos um
cipó trançado sobre um abismo e aí apareceram dois ratos,
um branco e um preto, e começaram a comer aquele cipó.
A pessoa começou a ficar desesperada, mas de repente ela
encontrou na beira do precipício uma flor muito bonita
que deixava cair um néctar doce, “ah que gostoso”, e começou
a beber o néctar que caia em cima de sua língua e
assim esqueceu todos aqueles perigos. Exatamente nós
estamos vivendo neste mundo sem saída, condenados à
morte com o passar dos dias e das noites, mas este mundo
tem muita coisa divertida. Hoje em dia os japoneses dizem:
três S; o primeiro S é speed, velocidade. O segundo é
o sexo, e o terceiro é o suspense. Os jovens usam speed
(droga, ou sexo) e assim esquecem todos os perigos e impermanências, não há outro mundo, então porque não
viver neste? Falando dessa forma, muitos materialistas
vivem como querem e bem entendem. Os jovens estão
procurando pelo Caminho, sem saber onde ele vai. Estão
como que dormindo ou bêbados, sonhando dentro de um
sonho, precisam uma vez pelo menos despertar. Algumas
pessoas têm muita dificuldade de perder o valor que as
coisas representavam para elas. Até ontem, ele dava muita
importância para a casa ou para a esposa ou o marido, mas
de repente perde tudo. Com as guerras, a pessoa pode perder
o seu filho ou marido, com um incêndio sua casa pode
ser destruída. Com esta inflação, o dinheiro também não
vale mais nada. Então estas coisas começam a cair e a
pessoa se sente insegura, porque deseja uma coisa segura e
certa.
O que podemos segurar? Exatamente por isto foi que o
Buda começou a pregar o seu ensinamento. Para quebrar
as percepções distorcidas. A escola Zen coloca algumas
perguntas paradoxais. Por exemplo: as montanhas verdes
estão sempre se movendo e uma mulher de pedra dá a
luz de noite. Falando dessa forma ninguém entende, e então
as pessoas dizem: isto não pode ser compreendido pelo
intelecto. Mas não é isto. Podemos entender isto com o
intelecto sim.
Não são somente as montanhas que estão se movendo,
mas é a Terra também que está a se mover. Antigamente
as pessoas pensavam que o Céu ou o Sol é que estavam se
movendo e a Terra não. Hoje em dia, até crianças do grupo
escolar sabem que não é o Sol, mas a Terra que está se
movendo, como Galileu Galilei, ou como Copérnico descobriram.
Da mesma maneira, um cientista estava vendo o
mapa mundi, de repente descobre que se aproximassem os
continentes da África e da América do Sul, eles se encaixavam
perfeitamente. Então ele percebeu que a América
do Sul estava ligada à África e também à Europa, e que
não havia o Oceano Atlântico, há muito tempo atrás. Aquelas
ilhas do Havaí, a mesma coisa também aconteceu
com elas. Há muitas ilhas surgindo no Havaí hoje em dia,
porque as lavas dos vulcões formam uma ilha, aí a ilha
formada começa a impedir a saída de mais lava, então a
lava empurra esta ilha e ela se desloca, passa para outro
lugar, e então a lava forma uma nova ilha. Uma a uma,
vão aparecendo todas aquelas ilhas do Havaí. Se você declarar
para um peixe, a sua casa está correndo sem parar,
ele vai se assustar. Talvez ele diga, não brinca comigo, a
minha casa sempre esteve firme aqui. Toda a nossa percepção
sobre o mundo é limitada. Mas porque é que isto
acontece? Porque nós temos a idéia de ego, o egocentrismo.
Esta idéia de ego funciona constantemente, mesmo
que a pessoa esteja dormindo ou em estado de coma, esta
idéia já está na inconsciência. Principalmente quando uma
pessoa está próxima da morte, aparece o apego a este corpo,
o apego a este ambiente material, ao que a pessoa julga
lhe pertencer. Não é somente a casa ou o carro, mas a
família, o marido, filho e também experiências e sabedorias.
Até à vida futura a pessoa tem apego. Esta é a nossa
realidade, mas ninguém pode acompanhar quem está morrendo,
a pessoa que está morrendo tem que ir sozinha.
Então, precisa quebrar esta idéia de ego, por isto a prática
Zen diz: o treinamento de Zen é aprender sobre si mesmo.
Aprender sobre si mesmo significa esquecer de si
mesmo. Esquecer de si mesmo significa limpar a idéia
do ego. Limpar a idéia do ego é tornar-se a própria Verdade.
Assim, quando se diz que uma montanha verde está
sempre se movendo, a pessoa se assusta mas quando pensa
um pouco mais, não são somente as montanhas, até a pró-
pria Terra está se movendo. Quem não conhece este movimento
das montanhas verdes, não conhece o movimento
de si próprio. Porque acontece isto? Nós temos lembranças,
desde a infância e mesmo antes dela. Então, dentro
de mim, alguma coisa, aquela idéia de identidade está
continuando. Mas há vinte, trinta anos atrás eu era outro,
era um menino pequeno. Hoje, e depois no futuro, daqui a
vinte ou trinta anos, vou ficar mais velho e aí sou outra
coisa. Assim, cada momento está mudando, mudando sem
parar. Quando acendo uma vela, esta continua acesa. Parece
que a chama é sempre a mesma, mas não é. Quando
você chega perto da chama ela está fazendo um barulho de
dzzz, dzzz que está continuando e por isto nós estamos
enganados em pensar que existimos para sempre.
Um senhor ficou muito velho, ele era milionário e tinha
muitas mulheres, mas estava perto da morte. Ele disse
para a primeira mulher agora eu vou morrer, me acompanha
junto na morte. Não!! Absolutamente não! Até agora,
nós sempre vivemos juntos, por isto eu vou até o cemitério
com você, mais do que isto eu não vou, disse ela. Aí ele
falou para a segunda mulher: eu te amei muito, por isto
você pode me acompanhar na morte. Não, até dentro do
caixão eu vou, mas mais nada, falou a segunda. Disse para
a terceira mulher que era a mais jovem e a mais bonita, eu
amei você de uma forma muito especial, você podia me
acompanhar na morte. Mas também esta mulher disse que
não, ora, a primeira e a segunda mulher recusaram, porque
é que tenho que ir? Ele tinha a quarta mulher, esta era
quase como uma empregada, como uma escrava. Bom, eu
te maltratei e não posso te pedir muito, mas você me acompanharia?
Aí ela disse: claro que eu vou. Onde é que
você vai? Agora eu pergunto: O que é que são estas mulheres?
A primeira mulher talvez sejam os bens materiais,
móveis, cama, espelhos, mesas e coisas assim, isto pode ir
até a morte, mas depois não pode mais ser usado. Agora, a
segunda e terceira mulheres talvez sejam a fama, títulos,
estas coisas que podem acompanhar a pessoa até que ela
entre dentro do caixão, o homem continua com a fama
dentro da caixão. A quarta mulher simboliza o Karma,
aquilo que você fez na sua vida em ações, palavras e pensamentos,
isto vai acompanhando a pessoa até o fim. Os
Budistas pensam da seguinte forma: não é Deus que manda
você ao céu ou ao inferno, mas são os seus próprios
atos, com a lei de causas e efeitos, que fazem com que
você caia no inferno ou no paraíso.
Podemos dizer que quando nascemos, junto conosco
nasce um Deus, e este Deus está sempre nas nossas costas.
Qualquer coisa que eu faça, de bem ou de mal, este Deus
anota tudo. E quando nós morremos, ele começa a contabilizar
nossa vida com um computador, ele tem um espelho
como se fosse uma televisão e nele se mostra tudo
aquilo que a pessoa fez na vida, uma espécie de videocassete,
no qual já está tudo gravado. Já imaginaram, nós
todos vendo aquilo que fizemos durante a vida? É realmente
uma coisa horrorosa. A gente pode enganar a outras
pessoas, não mostrar, esconder, mas àquela lei de causas e
efeitos, ninguém escapa. É desta forma que a montanha
verde está sempre se movendo.
Isto é a impermanência, nós estamos mudando, mudando,
e por isto não existe nada em que possamos nos
segurar. Talvez existam dois tipos de religiões: a primeira
é como se segurar numa coisa, como se fosse um apoio,
um encosto. No outro tipo de religião, não tem nada para
se segurar, não há nada para se agarrar, por isto mesmo é
que tudo é vazio, por isto está tudo tranqüilo.
Esta idéia de vazio, do nada, é a filosofia fundamental
do Budismo. Muitos místicos cristãos também falam no
nada, como Maister Eckhart, ou São João da Cruz, que
fala sobre a noite escura. Então uma montanha verde está
sempre se movendo, e uma mulher de pedra dá a luz de
noite.
Nós precisamos mergulhar para nos encontrarmos conosco
mesmo, naquela noite escura do espírito. Quando
uma pessoa quer ter aquela experiência religiosa, ela precisa
ter uma preparação. Rezar, afastar-se dos demais e
começar a meditar em silêncio. Dentro de qualquer religi-
ão nós podemos encontrar aquele silêncio bem profundo,
através deste silêncio é que começamos a nos preparar
para uma purificação, para poder chegar até aquele estado
místico. Como disse São João da Cruz: a noite dos sentidos,
a noite do espírito, a noite da alma. Através desta
viagem interna começamos a nos afastar do mundo exterior
e começamos a trabalhar sobre o mundo interior, mergulhando,
mergulhando dentro da nossa subconsciência,
da inconsciência. Quando chegar ao fundo desta escuridão,
há aquela união com Deus, com o amor. Para esta
experiência, a escola Zen coloca uma palavra, a Ilumina-
ção, o satori. Este estado, um mestre o expressou da seguinte
maneira: numa noite escura, quando escuto a voz
do corvo sem cantar, tenho saudades do meu pai antes
que eu tivesse nascido. Este verso mostra aquele encontro
no fundo com o verdadeiro eu, a união com Deus. Numa
noite escura, totalmente escura, não dá para ver nada, escuto
a voz do corvo sem que este cante. O corvo é um
pássaro preto, dentro da escuridão não se vê nada e ainda
por cima, ele está sem cantar. E quando escuto a voz do
corvo sem que ele cante, tenho saudades do meu pai antes
que eu tivesse nascido. Pai é masculino, não tem aquela
força de fazer nascer, só a mulher é que pode fazer isto.
Mas quando escuto a voz do corvo sem que este cante,
tenho saudades do meu pai. Esta experiência é muito especial,
é uma coisa sagrada, uma coisa para nós seres humanos.
Nos discursos de grandes místicos cristãos, podemos
encontrar vários tipos de expressões parecidas. Eles
falam sobre essa dificuldade de expressão: inefabilidade,
difícil de expressar com palavras. Mas quando há aquela
experiência, aquela felicidade, aquela alegria, a pessoa
não pode manter-se calada, tem que procurar transmitir
aquilo para os outros. O estado do êxtase, a dificuldade de
expressão é momentânea, mas é muito forte e muito marcante,
e, mesmo assim, os sábios não ficaram calados e
sempre começaram a falar para outras pessoas; felizmente
isto foi transmitido até hoje através de seus sermões e atos.
Neste caso, não há nenhuma diferença entre o Oriente
e o Ocidente. Apesar de haver países diferentes e línguas
diferentes, culturas diferentes, estamos falando do mesmo
estado: Quando a pessoa tem essa experiência mística e
começa a expressá-la em palavras, é aí que aparecem as
diferenças, porque cada pessoa é educada e criada em certa
cultura e com certa religião. Por isto, quando a pessoa
tem esta experiência e começa a se expressar, usa palavras
e termos dos quais ela teve experiência e nos quais ela
viveu. Naturalmente assim, ela usa as palavras do Cristianismo
ou do Budismo ou do Hinduísmo, etc. Hoje em dia
já se iniciou um intercâmbio entre o Cristianismo e o Budismo,
especialmente o Zen. No ano passado sessenta
monges Zen foram convidados para ir à Alemanha, para
praticar meditação junto com os Freis Dominicanos.
O que importa é esta experiência fundamental, através
da meditação ganhar sabedoria. Esta não é uma sabedoria
deste mundo; não importa se a pessoa é doutor, médico,
advogado, etc. Isto não quer dizer sabedoria, apenas conhecimento.
A sabedoria deste tipo de experiência vê uma
outra dimensão deste mundo. Atravessar para mais além
destas percepções limitadas, mas como? Quando tiver esta
experiência da escuridão total, a pessoa faz uma limpeza
total do egocentrismo. Este trabalho é de certa maneira
muito doloroso, porque nós temos muitos apegos, muitas
ignorâncias.
É necessário limpar isto tudo completamente, através
da meditação. A meditação está sempre ligada com a sabedoria.
Há quatro tipos de sabedoria: a primeira sabedoria
é a sabedoria de um espelho redondo e grande, sendo o
tamanho dele o universo inteiro. Ele reflete todos os fenômenos
deste mundo, um espelho muito antigo. De madrugada,
uma senhora cega e de idade encontrou com este
espelho. Então, o que é que acontece? O espelho refletiu
exatamente aquela senhora idosa e cega, mais nada.
Mas isto é difícil de entender, porque nós temos discriminação
ou apego. Se aparecer uma moça bonita, aí
sim, que bom, quando ela vai indo embora ah, não vai
não. Quando o contrário acontece, isto é, a moça é feia,
então não desejamos que ela fique. Mas o espelho nunca
faz esta discriminação. O espelho simplesmente reflete
tudo aquilo que aparece.
O espelho reflete quando aparece a senhora de idade
ou a moça, porque para ele não faz a menor diferença, isto
significa que cada presença que aparece em frente ao espelho
é absoluta, eterna e perfeita. Quando não fazemos
discriminação de qualidade, cada pessoa está perfeita,
assim mesma como ela está. Nós nascemos carregando
todos aqueles Karmas de vidas passadas e podemos mudar
de vida, o presente e o futuro e até o passado, mas o que se
recebeu até agora, ser de naturalidade argentino, brasileiro,
japonês, isto não pode ser mudado nunca, este é o nosso
Karma.
Mas, isto não importa, a única coisa que posso fazer é
aceitar isto, viver isto com a minha responsabilidade total.
Quando eu encontrar dificuldades, problemas, sofrimentos,
é porque estou pagando o meu Karma. Se a pessoa
pode entender isto, o sofrimento não é mais sofrimento, é
muito simples. Por isto, cada um de nós que está aqui presente,
está vivendo totalmente perfeito. O Budismo diz:
nós somos Buda originalmente, mas nós estamos perdidos,
bêbados e dormindo, como se estivéssemos gritando
de sede no meio da água.
Um monge perguntou para o mestre: mestre, por favor,
me ensine o segredo do Budismo. Ah, sim, mas hoje
tem muita gente, quando não tiver mais ninguém eu vou
te ensinar, disse o mestre. No dia seguinte, o monge che-
gou de novo: mestre, não tem mais ninguém, me ensine
agora. Ah, vem cá, e foram para o jardim. Aí o mestre
disse: está vendo? Esta árvore é alta e esta outra árvore é
baixa. Este é que é o segredo do Budismo.
Não há nenhum segredo, tudo está aberto, transparente
e está na frente de todo o mundo, mas o problema é que as
pessoas fazem diferenças, se isto é alto então isto é bom,
essa árvore é grossa então posso vender mais caro, esta
outra árvore é baixa e feia e não vale nada, são as pessoas
que fazem diferença. E tudo isto é Karma que está aparecendo.
Dessa forma, este tipo de sabedoria reflete o que
aparece na frente da pessoa e não faz diferença. Com isto
nós chegamos à segunda sabedoria: a segunda sabedoria é
perceber a igualdade. A natureza de Buda está dentro de
cada um, mas isto é difícil de entender. Cada um pensa
que é diferente. Claro, há diferenças, como a água, que em
uma forma é gelo, e uma outra que é neblina, ou nuvens
ou chuva, mas afinal, tudo é a mesma água.
Descobrir que nós somos água, esta é a sabedoria da
igualdade. Não há diferenças e porque não há diferenças é
tudo igual. Isto não quer dizer por exemplo que o presidente
de um país seja a mesma coisa que um trabalhador
comum, de baixa categoria. O trabalhador comum pode
estar preocupado com o futuro do país, mas talvez ele não
possa fazer nada pelo país, cada um tem a sua função e
papel, cada um faz o que pode no seu trabalho.
Dentro de um mosteiro Zen há várias tarefas diferentes.
Há o cozinheiro, os diretores do mosteiro, o disciplinário,
etc., mas isto não significa que o valor de cada pes-
soa seja diferente. Por isto os Budistas quando se encontram
fazem o Gasshô. Gasshô significa reverenciar a natureza
de Buda que está dentro de você. Estamos vivendo e
sofrendo, com dores, mas no fundo nós temos a mesma
qualidade.
O treinamento de Zen é descobrir o verdadeiro eu, e
depois aplicar isto dentro da vida cotidiana, esta capacidade
e potencialidade são muito grandes. Para se encontrar
esta experiência e esta sabedoria, tem que se viver neste
mundo a vida cotidiana. Temos diferenças, mas no fundo
é tudo igual. Por exemplo, se se colocar o orvalho transparente
em cima de uma folha verde, nós vemos um orvalho
verde. E o mesmo orvalho transparente, se você colocar
em cima de uma flor vermelha, você vê a cor vermelha.
Assim, nós estamos vendo cores e formas diferentes em
cima de cada pessoa, mas neste momento o que ninguém
vê é aquela cor transparente.
A igualdade do vazio está dentro de nós, por isto a
primeira experiência Zen, através da meditação, é encontrar
o corpo do Buda cósmico. Este trabalho é difícil, porque
é necessário limpar tudo aquilo que já se aprendeu
desde que nasceu, e também aqueles Karmas que estamos
carregando. Por isso, o importante é começar a escutar o
ensinamento e experimentar o ensinamento.
O Buda disse, vocês não devem me respeitar apenas
com as aparências, vocês devem experimentar as minhas
palavras como se experimenta e testa o ouro dentro do
fogo. Dessa forma, quando a pessoa tem esta experiência,
a sua fé e a sua confiança se tornam absolutas, e não mu-
dam mais, não importa o que aconteça. Eu falei de dois
tipos de sabedoria: a primeira aquela sabedoria do espelho,
e depois a sabedoria da igualdade. A terceira sabedoria
é a pessoa começar a trabalhar dentro deste mundo
mundano, como uma flor de lótus que desabrocha no meio
das chamas. Como pode uma flor abrir dentro das chamas?
Isto pode acontecer. Moisés atravessou o Mar Vermelho.
Um homem chamado Jesus Cristo, o Nazareno,
mudou o mundo inteiro. Através do treinamento, o que
nós procuramos não são forças sobrenaturais, nós damos
muita importância é à nossa consciência. Através da meditação
nós não vamos voar pelo espaço, mas o nosso intelecto
consegue chegar até à lua. Realmente, isto é uma
coisa milagrosa. Este tipo de trabalho, quando a pessoa
conhece a si mesmo, o seu eu verdadeiro, ela começa a
mudar todos os pontos de vista, cento e oitenta graus.
Este mundo tem muitas compreensões erradas. Pensamos
que existe um eu, mas um eu não existe, apenas os
materiais e elementos estão se unindo provisoriamente,
formando este corpo.
Nós temos a consciência e a inconsciência depositando
todas as lembranças das vidas passadas e com isto se forma
a identidade do eu, mas o eu verdadeiro não é tão pequeno.
É necessário aprender aquilo que é não nascido,
porque quando nasce, morre. Quando não nasce, então não
morre. Quando estamos passando pela praia, nós vemos
ondas chegando e desaparecendo, isto é o nascimento e a
morte da vida. Quando se vê a água do mar, vê-se o aparecimento
e o desaparecimento, mas a água do mar nunca
vai diminuir e nunca vai aumentar; por isto, com experi-
ência, nós mergulhamos neste samadhi de oceano. Neste
caso, não há mais um nascimento e nem morte, é algo
eterno, mas mesmo assim, há nascimento e há morte: isto
é um pouco complicado, isto é sabedoria. Por exemplo: o
meu nome é Tokuda, mas eu não sou Tokuda. Entenda
isto, é muito simples. Tokuda é apenas um nome, como se
fosse um rótulo. Pode colocar um outro nome para facilitar,
pode chamar japonês careca, assim todo mundo entende.
A sabedoria do Zen é esta: eu sou Tokuda mas eu
não sou Tokuda. Eu sou Tokuda, mas eu não sou Tokuda,
e é por isto que eu me chamo Tokuda.
Parece complicado, mas é necessário dobrar duas ou
três vezes as idéias, aí nós chegamos realmente até nossa
identidade e quando nós sabemos isto, nós vivemos a vida
absolutamente. Nesse caso, nossa presença é a manifesta-
ção de todas as nossas vidas passadas.
A pessoa inteligente ou ignorante tem todas as razões
para ser ignorante ou inteligente, ou bonita, ou feia, mas
isto não quer dizer que ela seja melhor ou superior e que o
outro seja inferior. Cada um de nós está vivendo totalmente
dentro do mundo de Buda. Quando se entender isto,
vem o quarto tipo de sabedoria, que é a pessoa não viver
mais neste mundo de uma forma atrapalhada, porque nós
mesmos somos dignos de respeito, temos que respeitar a
nós próprios, não podemos mais viver fazendo tanta confusão..
Mas pensando bem, dentro de mim mesmo, será que
eu mereço este respeito? Nós temos muitas e muitas sujeiras
realmente, mas quando estamos sentados em medita-
ção de pernas cruzadas, mãos cruzadas e com a boca fechada,
nós somos Buda. Por que? Porque com esta posi-
ção não se pode fazer atos maus, com as pernas cruzadas,
com aquela postura e com aquela respiração correta não se
pode mais falar mal dos outros. Com isto, naturalmente
vêm os pensamentos chamados corretos, então você mesmo
é Buda. É difícil aceitar isto, mas quando você senta,
que seja somente vinte minutos, trinta minutos, você é
vinte minutos, trinta minutos de Buda.
Este é o ensinamento de Buda. Reconhecer a si mesmo
como Buda é difícil, mas isto não tem muita importância.
Vamos supor que eu queira ver o meu rosto dormindo,
o olho em frente ao espelho. Quando abro o olho,
já não estou mais dormindo. O treinamento para se chegar
até o estado de Buda é muito difícil, mas a primeira coisa
que a pessoa tem que fazer é começar a imitar. Se você
começa a imitar um ladrão, então você é um ladrão. O
ladrão é aquele que rouba. Então você imita o ladrão, rouba
e é preso pelo guarda, não senhor guarda, estou apenas
imitando um ladrão, ele vai te colocar na cadeia assim
mesmo. Nós temos a idéia de ego, mas é bom imitar, fazer
coisas boas, seguir o exemplo da prática dos sábios.
Diz a Bíblia que a mão esquerda não pode saber o
que a mão direita fez. Realmente esta idéia de ego é muito
forte, mas a única maneira através da qual nós podemos
avançar é imitando as coisas boas, que são melhores do
que as coisas ruins. Quando se faz coisas boas, recebe-se
os efeitos bons, pela lei de causas e efeitos. Estas experi-
ências estão sendo registradas de momento a momento,
dentro de nosso inconsciente, é como uma semente que
está se depositando e quando encontra as condições favoráveis
brota, aí a gente começa a ver este mundo de uma
forma totalmente diferente.
Existem muitas pessoas que pensam que nós nascemos
neste mundo, mas não é isto. Nós nascemos no nosso pró-
prio mundo e estamos vendo a nossa própria consciência.
Por isto quando conseguimos a limpeza total dentro da
nossa inconsciência, começamos a ver então um mundo
maravilhoso. A pessoa está vivendo neste mundo como se
fosse uma guerra, como um inferno, porque isto é um estado
de consciência. Um samurai (samurai é um antigo
guerreiro japonês) chegou a um mestre e perguntou: mestre,
é verdade que realmente existe um inferno e também
um paraíso neste mundo? O mestre disse: idiota, você não
sabe destas coisas até hoje? E ainda tem a audácia de vir
aqui me perguntar?
Antigamente, os guerreiros samurais tinham aquele
orgulho muito forte. Nem meu próprio pai me chama de
idiota. Mesmo o senhor, mestre, caso não se retratar do
que disse, não poderei deixar o senhor viver, e vou te
matar com minha espada, disse o samurai. O mestre disse:
muito interessante, você quer tirar a espada da bainha?
Aí está o inferno. O samurai compreendeu as palavras do
mestre e começou a abrir um grande sorriso. Ah, muito
bem disse o mestre, agora seu sorriso é o paraíso. Dessa
forma, estamos vivendo cada momento no estado de inferno,
apegados como se fôssemos demônios famintos,
temos aquela falta de inteligência como se fôssemos um
animal, e fazemos complicações como se fôssemos Asuras.
Para nós seres humanos, a água é água, claro. Mas para
os peixes, a água não é água. Água para os peixes é
casa, ou é um palácio. Para os seres divinos a água é como
se fosse um espelho, ou uma jóia. Para os demônios e para
os espíritos famintos, água não é mais água, mas sim fezes,
pus e sangue. Assim, a forma como se vive neste
mundo depende do estado de consciência de cada um e
por isto o treinamento de Zen é transformar este corpo
físico de carne e osso no corpo de Buda.
Este corpo quer dizer inclusive a nossa consciência.
Quando o mundo interno se transforma, então o mundo
externo também começa a se transformar. Da maneira que
eu mudo o presente, começo a mudar o futuro e posso até
mudar o passado. Há mais ou menos vinte anos atrás eu
estava treinando no mosteiro no Japão, e lá eu apanhava
muito, este é um método de Zen, mas hoje em dia eu agradeço
aquele tipo de treinamento que passei. Naquela
época eu sofria e pensava porque estou aqui? Tudo isto
que estou fazendo é bobagem. Pensava desta maneira, mas
hoje sou agradecido realmente, foi tudo muito bom para
mim. Eu perdi o meu pai com a última guerra, a segunda
guerra mundial. Meu pai dizia para nós, que somos três
irmãos, que um talvez fosse médico, um monge e o outro
músico. Ele era marinheiro e foi à segunda guerra mundial,
sabia que iria morrer e realmente morreu, mas estava
tranqüilo e hoje em dia eu agradeço o fato dele ter morrido
com a guerra, porque com isto recebi esta mensagem, e
pude realizar pelo menos um de seus desejos.
O médico, o monge, o músico, então pelo menos uma
destas coisas eu cumpri. Com a morte dele, estou aqui e
estou muito contente com aquilo que estou fazendo. Eu
sempre quis este tipo de trabalho no Brasil e agora também
na Argentina. Eu me encontro comigo mesmo, estando
aqui.
O treinamento Zen sempre coloca viver o aqui e o agora.
Se a pessoa consegue viver aqui e agora fazendo bons
trabalhos, não é futuramente que as coisas vão ficar boas.
É neste momento mesmo, imediatamente, que o mundo
inteiro fica bom.
Acho que estou falando já há muito tempo. Faltam doze
minutos para as dez horas, eu vou parar um pouquinho
e se tiverem perguntas sobre alguns assuntos, sobre Budismo
ou Zen, ou sobre outra coisa qualquer, eu gostaria
de conhecer as perguntas.
Pergunta: Como o senhor aplicaria a doutrina Zen para
o ocidental?
Resposta: Ah, sim. A aplicação do Zen para o mundo
ocidental não mudou nada desde que o Zen surgiu. Onde o
Budismo correto é transmitido sempre existe a prática do
Zazen, só isto.
Pergunta: Qual é o mecanismo através do qual este
processo físico produziria uma evolução no homem? Como
poderiam os castigos que o senhor recebeu no seu treinamento
ajudar na sua evolução?
Resposta: Eu acho que qualquer profissão, para que se
consiga alcançar um alto nível, tem muitas dificuldades:
artistas ou dançarinos ou esportistas têm que realizar esforços
ou sacrifícios. Durante este processo de treinamento
Zen estamos tentando conseguir aquele mergulho profundo
e justo neste momento chega o instante do limite
físico e espiritual. O mestre sabendo disto, aplica a pancada
justamente para que se consiga superar aquela dificuldade.
Pergunta: Será que nós neste momento temos a menor
possibilidade de chegarmos à compreensão do Zen?
Resposta: Neste momento é muito importante a confiança
na palavra do Buda: nós somos originalmente Buda.
É isto. Porque Buda, o Buda Gautama pessoalmente realizou
isto e deixou o ensinamento, e com isto muita gente
mudou. Estes são os grandes testemunhos. Pelo menos
com o nome Budismo historicamente nunca houve motivações
para guerras ou escravidão.
Pergunta: Porque foi que o senhor disse que com o intelecto
a pessoa pode chegar até a Lua?
Resposta: Intelecto é a sexta consciência, ainda tem
limites. Com a consciência nós podemos juntar os conhecimentos
cada vez mais, até construir naves espaciais para
ir até a Lua, esta força é muito grande, mas a sexta consci-
ência é limitada à inconsciência que estamos depositando.
O que se pode modificar são as sétima e oitava consciências,
o inconsciente.
Pergunta: Se você estuda o suficiente você pode ir até
a Lua?
Resposta: Chegar até a Lua não interessa, o importante
é que precisamos mudar não só o que estamos vendo, escutando,
como também mudar internamente. O assunto
não é este.
Pergunta: Através do intelecto como prática a pessoa
pode despertar para estes níveis de consciência?
Resposta: Como eu já disse, o aprendizado tem que ser
com o intelecto. Escutar, pensar e experimentar, mas o
aprendizado é estudar não estudando, é desejar para não
mais desejar. Por exemplo, se temos algum problema de
estômago, sentimos a presença do estômago, e por isto
procuramos o médico, e começamos a tomar remédio, mas
quando a pessoa está curada totalmente, então ela não se
lembra mais da presença do estômago. O nosso intelecto
tem limites, mas mesmo assim os Budistas dão muita importância
a ele. Por isto eu coloquei a importância do nosso
intelecto, conseguir chegar até à Lua.
Pergunta: O Buda cósmico é o mesmo que o Cristo
cósmico?
Resposta: Acredito que sim.
Pergunta: Porque os monges mostram apenas um ombro
coberto com o manto?
Resposta: Isto é um costume da Índia. Quando o monge
mostra o ombro direito, isto quer dizer respeito para
todos. Quando os dois ombros estão cobertos com o manto,
isto significa que ele é Buda.
Pergunta: No Zen, o coração espiritual está do lado direito?
Resposta: O Budismo não coloca a direita ou a esquerda,
é o Caminho do Meio.
Pergunta: O que significa este rosário que o senhor
tem sobre a mesa?
Resposta: Este rosário tem 108 contas e nós temos 108
ignorâncias. Este rosário é para lembrar disto. Temos o
costume nos templos Budistas de, no fim do ano, na passagem
do ano, tocarmos 108 gongos. Cada toque é para
esquecer uma ignorância, para receber o ano novo.
Pergunta: O desejo interior é o equivalente da vontade
divina? Não devemos passar pelo desejo para chegarmos à
vontade divina?
Resposta: Nós Budistas não procuramos eliminar os
desejos, mas sim saber que nós temos desejos e refletindo
sobre isto, já se elimina a metade dos desejos.
Pergunta: Há diferença entre o Budismo ortodoxo e o
Zen?
Resposta: Acho que sim.
Pergunta: Por quê?
Resposta: O Budismo Zen surgiu na China, naquela
época alguns imperadores eram Taoístas e começaram a
atacar os Budistas. Queimaram os templos, livros sagrados,
mataram monges e monjas. Por isto alguns monges se
tornaram leigos, alguns outros fugiram para o fundo da
montanha onde não chegava ninguém. Eles começaram a
transmitir os ensinamentos Budistas sem livros, sem imagens
de Buda, sem nada. Apenas transmitiam com este
contato direto entre o mestre e o discípulo. Quando por
exemplo, eu te pergunto de onde você vem, eu não estou
falando sobre se você veio do Brasil ou do Japão. Antes de
você nascer onde você estava? Depois da morte, onde
você vai? Perguntando assim, entre conversas, perguntas e
respostas, foi que surgiu o ensinamento Zen. Um mestre
estava fazendo limpeza na sala, chegou um monge e disse,
“Este mundo originalmente está todo limpo. Porque precisa
varrer?” “Aí vem um outro grão de pó”, disse o
mestre. Assim, vivendo a vida cotidiana e através destes
tipos de diálogos, o Zen mostra o ensinamento e isto geralmente
não se encontra em outras escolas Budistas ortodoxas,
onde tudo depende de sutras, sermões de Buda,
cerimônias. O praticante de Zen não dá muita importância
a livros sagrados Budistas ou exterioridades. A prática do
Zen é a meditação, é entrar no mesmo estado de Iluminamento
que o Buda alcançou. Quando se chega a este ponto
pode-se usar livros sagrados ou sutras ou ensinamentos
livremente.
Pergunta: Para meditar é necessário preparação?
Resposta: Sim, é necessário. Em primeiro lugar é necessário
o desligamento com o mundo exterior, depois
comer e beber com moderação, procurar agir corretamente,
e por aí vai.
Pergunta: Como fazer para deixar tudo de lado?
Resposta: Você deve ver o corpo e a mente como uma
coisa só, por isto há o método de Zazen. Sentar naquela
postura, controlar a respiração, é muito importante. O Zazen
é o barômetro da nossa saúde. Quando a pessoa senta
e sente dores sempre no mesmo lugar, estão este lugar,
fígado, rins, pulmão etc., está com problema. Depois vem
o controle da respiração. A respiração está ligada à emo-
ção diretamente. Quando a pessoa está triste chora, quando
está com muita raiva, fica com a respiração ofegante.
Se se sabe controlar a respiração internamente, naturalmente
consegue-se o estado da mente em paz.
Por exemplo, existe o método de Mu como mantra.
Quando se expira, é utilizado este método. Geralmente a
pessoa respira 17 ou 18 vezes por minuto.
Mesmo que você não tenha experiência, se usar este
método de Zazen, imediatamente a quantidade de respira-
ções baixa à metade ou menos ainda, sem esforço algum.
Eu vou mostrar. Alguém de vocês pode contar
Muuuuuuuuuu (expira). Isto é uma expiração. Geralmente
leva-se 10 segundos para expirar e 5 para inspirar.
Quando se medita desta forma, respira-se cerca de 4 vezes
por minuto, com isto aparece a onda alfa no cérebro. Isto é
o estado tranqüilo, descansado, dessa forma pode-se ver o
mundo tranqüilo e em paz.
Pergunta: Como é que se trabalha um Koan?
Resposta: O trabalho Koan é se tornar uma coisa só
com o Koan. Um monge perguntou, o cachorro tem a
natureza de Buda ou não? O mestre respondeu Mu. Este
é um Koan. O trabalho com Mu é se tornar Mu, o universo
inteiro se tornar Mu. Este corpo pequeno desaparece e
o eu se torna o universo inteiro, o mundo inteiro é só Mu.
Este é o trabalho do Koan. Não sou eu que faço a concentração
do Mu, senão eu e Mu seríamos duas coisas separadas.
Mu é que está fazendo Mu. (A tradutora explica).
Isto já é explicação. Merece trinta pancadas.
Pergunta: O Budismo Zen acredita na encarnação?
Resposta: Sim e ao mesmo tempo não.
Pergunta: Se sim, isto não seria uma prolongação do
ego?
Resposta: Por isto o outro lado é não. Agora quero
perguntar: Porque você pergunta isto?
Pergunta: Para se chegar à perfeição temos que fazer
ascetismo?
Resposta: O treinamento Zen não é ascético. Por exemplo,
quando a moça está cantando, se a corda do vio-
lão está muito tensa ela quebra e se está muito relaxada
não faz som. Isto é o Caminho do Meio. O Buda Shakyamuni
fez vários tipos de treinamento ascético na sua
época. Quando compreendeu que aquilo só iria levá-lo à
exaustão e à morte, ele abandonou o treinamento ascético.
Para chegar à compreensão completa, simplesmente relaxe
todo o corpo e transforme o inconsciente totalmente,
desde a consciência de Alaya até a consciência de Manas.
As pessoas pensaram por três vezes que o Buda tinha
morrido com o treinamento ascético, mas ele não
morreu. Um tipo de treinamento é parar a respiração até
morrer, o ar sai pelo ouvido. As pessoas acreditavam que
se se conseguisse morrer desta forma, depois da morte elas
nasceriam no paraíso, mas a primeira pergunta do Buda,
que deu origem à sua procura, era por quê existe o sofrimento?
O que é a extinção do sofrimento? Isto foi uma
coisa que o treinamento ascético não respondeu, por isto
ele escolheu a meditação e começou a meditar por conta
própria. Dessa forma, o treinamento Budista não é ascético,
é o Caminho do Meio e é normal, a gente fica completamente
normal, não é para ganhar poderes sobrenaturais.
Como Mestre Dogen disse, o nariz está vertical, o olho
está horizontal.

segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

A origem das duas Principais Escolas de Chan 4 - A sucessão na seita Dhyana ou Chan

No mesmo tempo que a imperatriz era apenas uma concubina ambiciosa, tentando posicionar-se no colo imperial, outro jogo de poder acontecia naquela seita não ortodoxa e pouco importante do Buddhismo: a Seita Dhyana ou de Chan Budismo que Bodhidharma havia fundado 130 anos antes.
No mosteiro em Montanha do Leste, o Quinto Patriarca Hung Jen, enquanto procurava um sucessor, pôs em marcha um jogo de poder crucial.
Todos em seu mosteiro tinham assumido que iria passar o manto para Shen Xiu (605-706), um monge aristocrático e em outrora fora um erudito confucionista, cuja integridade, requinte e dedicação à prática da meditação da "não-mente" deu à ele considerável fama como um dos mais merecedores de tal honra. Mas, como Quinto Patriarca Hung Jen bem entendia, a iluminação não era uma questão de moralidade, transe, intelectualidade, gosto, dedicação e se desesperou com o fato de nomear um substituto digno. Ele, portanto, se recusou a nomear o patrício Shen Xiu ao patriarcado e, em vez decidiu fazer os candidatos concorrem pela honra de ser o Patriarca. Eles competiriam pelo posto com poesia. Tinham que em não mais nem menos do que quatro linhas revelar as profundezas de sua compreensão do "significado real" do que é a iluminação.
Uma vez que nenhum de seus pares se deu o trabalho de competir contra ele, Shen Xiu compôs sua quadra sem nunca imaginar que trabalhando na cozinha do mosteiro havia um jovem analfabeto, pobre, de cabelos longos e com a pele escura dos bárbaros do Sul da China à espera para derrotá-lo.
Este homem, Hui Neng (638 - 7l3), embora sem instrução, foi espiritualmente muito precoce. Ele havia experimentado a iluminação ao ouvir alguém recitar um verso do Sutra do Diamante - a escritura que era tão próxima e querida para o coração Hung Jen. Quando perguntou onde ele deveria ir para estudar estas palavras maravilhosas, disseram para Hui Neng: "Para leste da montanha, o mosteiro de Hung Jen".
Em trapos, Hui Neng foi para o norte e apresentou-se aos sacerdotes da Montanha do Leste, que, segundo os relatos, riram de sua aparência e sua presunção e colocaram-no para trabalhar na cozinha. Oito meses depois, na fatídica noite do concurso de poesia, ele ainda estava trabalhando lá como um debulhador de grãos. Ele ainda não tinha posto os pés dentro da sala de meditação.
Xiu Shen escreveu seu poema em uma parede do corredor. Suas linhas, traduzido livremente, foram: "Nosso corpo é a Árvore Bodhi. Nossa mente é a moldura de um espelho brilhante. Devemos constantemente polir este espelho de modo que a poeira não repouse sobre ele." Claramente, Shen Xiu equiparou a iluminação com a virtude e conduta ética e vigilante e considerou autodisciplina como evidência da vida iluminada. Apague as suas tendências para o pecado! Aja com justiça e você será recompensado! Este é o caminho lento e metódico, a chamada Escola Gradual, mas as metas do Quinto Patriarca Hung Jen tinham mais a ver com o budismo ortodoxo do que com o Chan.
Quando Hui Neng ouviu verso de Shen Xiu, ele o desafiou, e pediu a alguém para escrever a sua resposta ao lado, como segue: "Árvores Bodhi? Espelhos sujos? A natureza de Buda é sempre pura. O que pode sujá-la? O ego não existe! Como poderia polir algo?". Isto foi uma bofetada intelectual na cara!
O Quinto Patriarca foi surpreendido pela perspicácia do cozinheiro e convocou Hui Neng da cozinha para dar-lhe robe de Bodhidharma. Seu pobre servo havia demonstrado que até mesmo um homem analfabeto pode alcançar a sabedoria. E até mais! Hui Neng poderia pessoalmente testemunhar o quão repentinamente a graça da sabedoria vem. Graça! O amor e favor do Auto Buda [Buda original]! Iluminação! Em forma de celebração os dois homens discutiram o Sutra do Diamante. Podemos imaginar a sua alegria: Hung Jen lê-lo para (graças aos Deuses!) um discípulo iluminado, e Hui Neng ouvindo-o na sua totalidade para a primeira vez.
Prevendo o tumulto que se seguiu a sua decisão, Hung Jen aconselhou Hui Neng a não chamar atenção por algum tempo, e este último, atendendo este conselho por mais tempo talvez do que era necessário, voltou ao Sul da China e ficou nas montanhas lá por 16 anos antes de ressurgir, em Guangzhou (Cantão), como o Sexto Patriarca.
Imediatamente após o anúncio da adesão, Shen Xiu, compreensivelmente irritado, saiu do Monastério da Montanha do Leste com um grupo de seus partidários, que, indignados, insistiram em conferir o título de Sexto Patriarca sobre ele de qualquer maneira. Ele fundou seu próprio mosteiro em que aderia a métodos budistas tradicionais. Sua prática continuou a incluir sessões diárias de esvaziamento mental. Para Shen Xiu, simplesmente viver como uma pessoa iluminada era tudo o que era necessário! Já famoso por sua integridade pessoal e erudição, ele não teve dificuldade em garantir uma reputação de ser um grande mestre Chan.
Assim, muitas pessoas não se importavam com os credos e métodos dessa seita budista peculiar, mas todos sabiam sobre este mestre exemplar. E é por isso que quando a imperatriz Wu, encontrando-se cada vez mais afundada em problemas, vendo suas ambições frustradas, e sendo abandonada por seus sacerdotes ortodoxos, pensou em Shen Xiu.
Então, quando seus inimigos jogavam suas cartas altas contra a Imperatriz, ela calmamente respondeu com seu trunfo. Ela convocou ao tribunal Sua Eminência, Shen Xiu, Sexto Patriarca do Chan do Norte.
E quando esse velho homem foi finalmente conduzido à sua corte [diante de] curiosos, Wu fez algo poderoso, coisa que imperatrizes chinesas simplesmente não fazem: ela desceu do trono imperial e para espanto de todos, fez uma reverência profunda a ele. A seita de Budismo Chan do Norte tinha marcado um belo ponto.
O Budismo Chinês ortodoxo, tão obviamente em sua fase decadente, praticamente entrou em colapso quando confrontados por esse obstáculo inatacável, o venerável Shen Xiu. Quem poderia deixar de prestar-lhe reverência quando a Imperatriz Wu o nomeou Senhor do Dharma? Quem poderia se opor a suas reformas patrocinadas pelo Império ou deixar de apoiar os novos mosteiros que Wu construída em sua honra? Sob o novo regime, sacerdotes e sacerdotisas budistas saíram do comércio do corpo e colocaram seus conhecimentos farmacológicos para o trabalho de tratamento de enfermidades menos comprometedoras do que a disfunção sexual: monastérios budistas tornaram-se hospitais para pessoas doentes. E, não tendo muito mais o que fazer com seu tempo livre, sacerdotes budistas também conseguiram inventar a impressão (o mais antigo documento impresso no mundo é uma cópia do Sutra do Diamante impresso em 868 d.C. É um trabalho de tal aprimoramento técnico que os especialistas estimam que a verdadeira invenção da impressão tivesse ocorrido pelo menos cem anos antes).
A Imperatriz Wu, finalmente se enquadrando para ser dita benfeitora de sua religião, sobreviveu para viver o seu reinado.
O Chan do Norte viveu o tempo suficiente para permitir a construção de Escolas descendentes, sob a regência do formidável Dogen Zenji, que levou o Chan do Norte para o Japão como Soto Zen, o veículo de iluminação gradual. Mas a Escola não morreu por completo na China, existem mosteiros isolados que sobrevivem e são instituições ainda viáveis.
O Chan do Sul, persistindo em sua atitude "Por que me preocupar?", continuou a aperfeiçoar a síntese budista/taoísta. Hui Neng, considerando-se um homem simples do Tao, reuniu muitos seguidores em seu monastério, Bo Lin (madeira perfumada) que ele fundou em "Ts'ao Ch'i", localizado perto da cidade de Shao Guan, cerca de l20 quilômetros ao norte de Cantão . O monastério é popularmente chamado Nan Hua Si, o que significa (no sentido do clássico) Mosteiro do Sul da China (Nan Hua Si é o mosteiro em que a autora deste trabalho foi ordenada).
Tamanha era a identificação entre o Chan do Sexto Patriarca (Hui Neng) e o Taoísmo que os taoístas ainda hoje têm seus santuários dentro de seu mosteiro. Até recentemente, quando a prática foi proibida pelas autoridades civis, os taoístas detonavam fogos de artifícios todos os dias para afastar qualquer espírito maligno [que] queira molestá-lo (seu corpo, preservado, envernizado, e vestido em trajes sacerdotais, ainda é exibido lá.)
Em 28 de agosto de 7l3 d.C., Hui Neng, o santo suave do budismo e homem humilde do Tao, morreu sem nomear um sucessor. Alguns anos mais tarde um dos seus discípulos, um sacerdote chamado Shen Hui, motivado tanto por um crédito pessoal para o título de Sétimo Patriarca ou por um sincero desejo de restaurar em toda a China o título legítimo de Sexto Patriarca a seu mestre, repudiou a Shen Xiu por uma "usurpação de título" e decidiu ajustar as coisas. Ele pressionou fortemente os sucessores de Shen Xiu, em um esforço para restaurar o título para seus demandantes do sul. Por ser um orador eloquente atraiu muita atenção.
O imperador Tang, um dos netos de Wu, passava por problemas financeiros críticos. Guerras civis onerosas haviam praticamente levado-o à falência, então ele precisava de novas fontes de renda, assim ele viu na cruzada de Shen Hui uma maneira pela qual ele poderia contornar a ordem moral que Shen Xiu tinha instalado e obter algum dinheiro de budistas leigos ricos. O Imperador convocou o sacerdote do Sul e fez um acordo com ele: O Imperador reconheceria reivindicações do sul para o patriarcado se Shen Hui arrecadasse dinheiro para a Coroa com a venda de certificados de ordenação e de outras guloseimas espirituais para leigos. A Religião, sempre um benefício para sonegadores, mais uma vez veio em socorro dos ricos. Hordas de senhores ociosos receberam uma convocação durante a noite para glória sacerdotal, e quando o imperador decretou que Hui Neng da Escola do Sul era para ser o primeiro e único Sexto Patriarca, todos disseram "Amém". O problema da sucessão foi finalmente resolvido.
Esta infusão de novos talentos nas fileiras budistas fez pouco para melhorar o desempenho sacerdotal. O Budismo do Norte, desmoralizado pela venalidade imperial, esqueceu as reformas e se lembrou das antigas práticas, mais uma vez, mostrando-se receptivo ao contágio de práticas tântricas.
O Budismo Chinês do Norte logo se tornou algo que as pessoas civilizadas poderiam muito bem viver sem, e assim o fizeram. Mais e mais pessoas procuraram refúgio na moral confuciana. Muitos sacerdotes continuaram a usar o budismo como um escudo para libertinagem e ganância até que, finalmente, cem anos após um imperador Tang ordenou que todos os mosteiros budistas que deturpassem os preceitos budistas seriam saqueados, suas terras e bens confiscados, seus títulos anulados e os escravos libertos.
O Budismo do Sul, como de costume, não sofreu muitos transtornos, o Chan do Sul sempre seguiu a regra do "sem trabalho, sem comida", acostumados com a refinada yoga sexual e os excessos da magia Taoísta, os sulistas não foram seduzidos pelos rituais tântricos, além do mais poucas pessoas tinham recursos ou sentiam a necessidade comprar seu caminho para o Paraíso, e assim, os mosteiros do sul escaparam das punições Imperiais. A religião tinha encontrado uma fórmula simples para a prosperidade, e o Budismo Chan, apesar de ter sido atacado pelo sucessor de Wu, o Chefe de Estado Mao, ainda está vivo e bem no sul da China.
Fonte: O Sétimo Mundo do Buddhismo Chan - parte 4 de 4
Capítulo 4: A orgiem das duas Principais Escolas de Chan
 http://xuyun.zatma.org/Portuguese/Dharma/Literature/7thWorld/c4p1.html
http://xuyun.zatma.org/Portuguese/Dharma/Literature/7thWorld/c4p2.html

quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

A origem das duas Principais Escolas de Chan - 3 Kannon (Guan Yin)

A Imperatriz começou sua carreira de forma bastante simples, como concubina de segunda classe, uma em meio ao batalhão de jovens mulheres a serviço do imperador. Seu talento passou despercebido até que uma coincidência fortuita lhe permitiu mostrar-lhes à pessoa certa: E isso aconteceu de forma inusitada, enquanto o herdeiro do trono estava sentado no vaso sanitário. Aproveitando o momento, ela o seduziu in situ, um ato de tal audácia e novidade que o príncipe se apaixonara por ela por muitos anos. Como era o costume, no entanto, quando o velho imperador morreu, ela foi mandada para um convento budista, juntamente com outras concubinas. (Enterrá-las vivas já havia saído de moda.)
O príncipe, agora o novo imperador, estabeleceu-se na cidade de Xian com sua nova esposa que, lamentavelmente, não foi capaz de gerar um herdeiro. Então, ele rapidamente se cansou dela e voltou as suas atenções amorosas a uma de suas jovens e belas concubinas. Sua esposa, tentando desviá-lo desse desvio, chamou Wu do convento. Isso foi um grande erro. Wu deu à luz a um bebê e o assassinou, depois de cuidadosamente plantar provas que culpariam a concubina favorita e a esposa do imperador pelo crime. Convencido da culpa delas, o imperador permitiu que Wu supervisionasse a sua punição. Primeiro, elas tiveram suas mãos e pés amputados e então fervidas vivas. Feito isso, o imperador elevou sua Deusa da Misericórdia à categoria de Imperatriz da China.
A boa Imperatriz Wu insistiu para que o tribunal fosse movido de Xian para a antiga capital, Loyang, onde imediatamente começou a financiar a construção de grandes centros monásticos.
Durante esta Idade de Ouro, o budismo ortodoxo viu que a sua responsabilidade se estendia à todas as necessidades do homem, não apenas às necessidades espirituais. Assim, muitos templos budistas urbanos funcionavam como prostíbulos. E por que não? O Budismo Tântrico tinha infectado o corpo budista tradicional. Sexo e salvação não só coexistiram, tornaram-se sinônimos. Mesmo as práticas individuais do Taoismo tornaram-se rapidamente práticas dualistas, uma yoga sexual que requeria que seus adeptos mantivessem haréns particulares ou, pelo menos, a residir perto de casas de prostituição. O indivíduo que buscava a salvação sozinho, em ambiente provado, estava além do escrutínio público.
Centros monástico de sexo ofereciam um serviço adicional: distribuíam afrodisíacos. A farmacologia taoísta tinha fornecido à medicina chinesa com uma série de substâncias para estimular a atividade sexual, e haviam monjas budistas especialistas no seu provisionamento.
Quando a Imperatriz chegou na casa dos sessenta, apareceu na corte um homem extraordinário, um homem que serviu como uma espécie de caixeiro viajante e farmacêutico para o convento de Loyang, o maior bordel budista da época. Este homem era claramente um sucesso, e seus trabalhos prodigiosos nos quartos de senhoras rapidamente conferiram a ele o título de Abade do principal mosteiro de Loyang, posição para a qual que estava plenamente qualificado, diante da conjuntura em que se encontrava o Budismo Ortodoxo.
Quando, porém, o rapaz esqueceu-se da fonte de onde suas bênçãos fluíam e traiu a imperatriz com demasiada frequência, Wu mandou executá-lo. A Deusa da Misericórdia falhou, infelizmente, em antecipar o vácuo sua que ausência tinha criado. Então houve o Inferno, devido aos desejos das senhoras enciumadas e carentes que derramaram a sua indignação sobre Wu. Ela tornou-se alvo de um escândalo torrencial.
A pobre Wu viu-se com poucos aliados. Ela não podia contar com a força unificada da família Imperial. De acordo com alguns relatos, ela estava conspirando a ascensão de um herdeiro preferido ao trono, e este esforço deu a ela o apoio de poucos às custas do de muitos Clérigos budistas, considerando a nomeação que ela havia feito de um mercador comum para ocupar posição sacerdotal tão alta, dificilmente a apoiariam.
Portanto, aqueles que deveriam apoiá-la - os membros poderosos da hierarquia budista - se voltaram contra ela e se juntaram com os taoístas, confucionistas ressurgentes, membros da família imperial descontentes e uma variedade de líderes civis em uma campanha para restaurar a ordem moral. Tínhamos agora um jogo político de interesses particulares, cada grupo procurou agir de forma imbatível. Mas a Imperatriz/Deusa ainda era popular entre a aristocracia, e assim seus inimigos viram a necessidade de primeiro embaralhar a opinião "pública" contra ela. As solicitações de uma liderança moral nova cresceram e a imperatriz era imprópria para proporcionar essa liderança.
Vamos deixar a Imperatriz Wu, um pouco de lado, estudando suas cartas e se perguntando como uma encarnação de Guan Yin deve responder à ingratidão e traição do budismo ortodoxo, e voltar a atenção agora em dois outros elementos que surgem neste cenário.

O Sétimo Mundo do Buddhismo Chan - parte 3 de 4
Capítulo 4: A orgiem das duas Principais Escolas de Chan
 http://xuyun.zatma.org/Portuguese/Dharma/Literature/7thWorld/c4p1.html

quinta-feira, 7 de dezembro de 2017

A origem das duas Principais Escolas de Chan 2 - Bodhidharma

Com o confucionismo efetivamente marginalizado, budistas e taoístas prosperaram. Havia devotos de três tipos: os espiritualistas, que buscavam o isolamento monástico; os acadêmicos que preferiam as diversões mais sofisticadas da vida urbana e os fiéis das aldeias que se encantavam com a magia, superstições e os benefícios duvidosos da ciência médica e adivinhação.
Uma vez que apenas os filósofos taoístas tinha sido capazes de obter qualquer tipo de domínio sobre a nova metafísica budista, traduções dos sutras eram cada vez mais expressas nas terminologias taoístas, um fato que os intelectuais budistas do norte acharam degradante. Em vez de completar o processo de mistura e desenvolver um híbrido chinês (como fez o Chan do Sul), buscaram purificar a linhagem budista, instituindo um projeto maciço de reescrita. O Budismo ortodoxo não descansou enquanto não construíram um cânone novo, que não havia sido "contaminado" pelo Taoísmo. Infelizmente, o seu desejo de pureza não se estendia às escrituras tântricas budistas, e estas últimas obras imediatamente se tornaram de domínio popular.
A afronta aos filósofos taoístas dificilmente poderia abafar as críticas taoístas à extravagância budista. Taoístas adicionaram, com prazer, as suas vozes ao coro de autoridades civis que clamavam para uma ação contra a falta de disciplina budista.
Em meio à esta massa confusa de teorias e práticas surge uma nova variante: uma síntese budista / taoísta chamada Chan.
Por volta do ano 519 d.C., o príncipe ariano Bodhidharma estava tão desgostoso com a anarquia das escrituras que ele decidiu deixar a Índia (ou Irã, ninguém está realmente certo) para navegar rumo à China para ensinar um novo regime espiritual que estava abeçoadamente "fora do escrituras".
Um sacerdote com habilidades formidáveis para atingir estados profundos de samadhi, mas sem muita disposição ao diálogo, Bodhidharma chegou em Guangzhou (Cantão) como o cavaleiro branco de Lohengrin [Ópera alemã do Século XIX em que um cavaleio surje em um barco puxado por cisnes]: os chineses descrevem-no como sendo transportado por um cisne. Em Guangzhou, onde desembarcou, ou des-cisnou, há nos monastérios murais comemorando sua chegada. Dada a sua barba de ouro-castanho encaracolado e olhos cor de água, assim os chineses deram-lhe a alcunha de "O bárbaro de olhos azuis".
Como diz a lenda, Bodhidharma foi para o norte e se apresentou ao imperador Wu da dinastia Liang, que, sendo um budista dedicado, tinha promovido a causa de sua religião através da construção de muitos templos e mosteiros. O registro de seu diálogo breve se tornaria o núcleo da crença Chan.
Wu: -Eu tenho realizado muitas boas obras. Quanto mérito tem que ganhei para o meu ingresso no Nirvana?
Bodhidharma: -Nenhum.
Wu: -Qual, então, como um budista, deveria ter sido o meu objetivo?
Bodhidharma:-Estar vazio de si mesmo.
Wu: -Quem você pensa que é?
Bodhidharma: -Eu não tenho ideia.
Neste diálogo surpreendente, aprendemos que não há tal coisa como ação meritória ou não-meritória (o bem e o mal são ficções no mundo do fantasma do ego), que o não-Ego é o objetivo da prática budista, e que a natureza de Buda não pode ser apreendida intelectualmente. Para ser iluminado em Chan deve-se experimentar a iluminação.
Por nove anos, Bodhidharma ficou no Monastério Shao Lin, silenciosamente absorvido no universo que se desenrolava na superfície plana de uma parede branca.
Embora ele pudesse ver o infinito em um grão de cálcio, ele não podia ver a inveja e o ressentimento que ele estava causando no Trono Imperial e nos assentos do poder budista. Quem aprovaria um sacerdote que não gosta de debater os sutras? Ou um aristocrata que vivia mais humildemente do que um camponês? Isto era subversão, pura e simples! Sem intelectualidade e um pouco de luxo, o que há de religioso nisto? O bárbaro que estudava uma parede deveria ser vigiado.
Bodhidharma persistiu na tentativa de ensinar sem palavras. Um estudioso chamado Huiko aproximou-se dele várias vezes, pedindo instruções. Mas o Bárbaro de Olhos Azuis o ignorava, até que, em um esforço para demonstrar sua sinceridade e para chamar a atenção do professor, Huiko cortou seu próprio braço, assim o diz a lenda. Ele queria ver o que Bodhidharma viu na parede branca, e, finalmente, ele conseguiu. Com a sua visão da realidade aperfeiçoada, Huiko passou a viver entre os pobres. Sua visão da ilusão não foi tão bem aceita. Sacerdotes e burocratas com ciúmes já estavam planejando sua execução.
Quando Bodhidharma deixou a China e Huiko herdou o manto "patriarcal", o estudioso humilde foi responsabilizado por todos os excessos do budismo tântrico.
História Chan está compreensivelmente confusa neste período triste. O manto de Bodhidharma passou sucessivamente das mãos de Huiko para as mãos de três homens sobre os quais pouco se sabe. Usando seus nomes de estilo antigo romanizado, eles são Seng Ts'an, Tao Hsin, e Hung Jen.
O Terceiro Patriarca Seng Ts'an, diz-se, sofria de lepra. Quando Huiko foi preso e morto, Seng Ts'an passou a viver nas montanhas, mesmo leproso não podia se arriscar cair nas mãos dos reformadores.
Seng Ts'an foi sucedido por Tao Hsin que é mais lembrado como o homem que realmente iniciou o movimento monástico Chan. Com ele os monges deixaram de ser nômades e passaram a ser autossuficientes. Entre a meditação e o trabalho monástico ganhavam a iluminação e evitavam a perseguição. O Quarto Patriarca Tao Hsin foi sucedido por Hung Jen, que não dava atenção ao Sutra de Lótus e o Sutra Lankavatara e dedicava-se ao Prajna Paramita Sutra, o Sutra do Diamante. Hung Jen, inadvertidamente, fez do Chan o que ele é hoje.
Hung Jen tinha se tornado Quinto Patriarca Chan e assim como a Dinastia Tang foi inaugurando Idade de Ouro da China. Foi durante este período do século 7 que três personagens em especial, iriam definir o rumo que o budismo iria seguir na China: Hui Neng, o Sexto Patriarca de acordo com o Chan do Sul; Shen Xiu, Sexto Patriarca de acordo o Chan do Norte, e a temível imperatriz Wu da dinastia Tang.
Para os devotos, Wu estava em uma classe a parte (que mulher!). A Imperatriz, governando nos anos de 690 a 705 d. C., poderia reivindicar para si o título de "Defensora Mais Fervorosa do Budismo". Na verdade, ela ofereceu-se não só como um exemplo de piedade, mas como uma reencarnação real de Guan Yin. O Budismo Ortodoxo do Norte não sobreviveria à Sua Graça.

O Sétimo Mundo do Buddhismo Chan - parte 2 de 4
Capítulo 4: A orgiem das duas Principais Escolas de Chan
 http://xuyun.zatma.org/Portuguese/Dharma/Literature/7thWorld/c4p1.html

quarta-feira, 6 de dezembro de 2017

RELAÇÕES HISTÓRICAS DO BUDISMO COM O OCIDENTE

Dificilmente a cultura ocidental, mormente a acadêmica, admite as influências orientais, especialmente quando se trata de religião e filosofia. A prova mais gritante disso é como o ocidente ignora mesmo algumas das origens de seu cristianismo, depreciando ou omitindo as igrejas primitivas do oriente incluído, é claro, as que até hoje permanecem vivas a exemplo da etíope e copta, bem como suas escrituras. Em segundo lugar prevalece a negação das influências orientais no pensamento grego, incluindo a importação de muitas ideias que estes sequer creditaram as fontes mesmo as permaneceram iguais às originais, seja do oriente ou de algum outro lugar próximo.
Com o budismo então não é diferente, a negação ou o desconhecimento de sua influência no ocidente permanece. A simples semelhança, por exemplo, entre ideias de alguns pensadores sequer é tocada por vezes; como a semelhança do pensamento de Heráclito, por exemplo. Não é dizer que sempre haja relação, mas sequer a semelhança clara é admitida por alguns, principalmente em se tratando de ideias bem anteriores que podem ter chegado ao ocidente ao longo do tempo. Mesmo na filosofia mais recente quando autores como Shopenhaeur, Nietsche, Freud e Husserl que sabidamente tiveram contato com textos budistas e hinduístas, pouco caso é dado em se considerar as relações de alguma ideia desses autores com ideias orientais.
Aqui veremos uma das poucas exceções, porém de um estudioso budista, um trecho do livro MANUAL DE BUDISMO do Prof. Roque Enrique Severino (Naljorpa Karma Zopa Norbu), Diretor Fundador da Sociedade Brasileira de Tai Chi Chuan e Cultura Oriental, Diretor Fundador da Kagyu Dag Shang Choling - Jardim do Dharma, que também fez estudos de filosofia oriental antiga, na Faculdade de ensino Livre "San Francisco de Assis" especializando-se na cultura chinesa antiga, o Budismo Chinês e o I Ching. Resumidamente ele apresenta alguns desses aspectos históricos do budismo em relação com o ocidente.

O Mundo Helenístico
Alguns dos Éditos de Asoka revelam o seu esforço em difundir o budismo pelo mundo helenístico, que na época formava um espaço coeso que ia da fronteira da Índia à Grécia. Os Éditos mostram um claro entendimento da organização política do mundo helenístico: os nomes e a localização dos principais monarcas da época são indicados. Os monarcas helenísticos Antíoco II do reino Selêucida, Ptolomeu II Filadelfo do Egito, Antígono Gonatas da Macedónia, Magas de Cirene e Alexandre II de Épiro são apresentados como alvos da mensagem budista. Para além disso, de acordo com as fontes em pali, alguns dos emissários de Asoka era monges budistas de origem grega, o que revela intercâmbios culturais entre as duas culturas. Não se sabe até que ponto estes contatos podem ter sido influentes, mas alguns autores apontam para a existência na época de um certo sincretismo entre o pensamento helenístico e o budismo. É conhecida a existência de comunidades budistas em cidades do mundo helenístico como Alexandria e apontam-se influências do budismo Theravada na ordem dos Therapeutae.
Interacção Greco-Budista (século II a.C. - século I a.C.)
Nas regiões a ocidente do subcontinente indiano existiam reinos gregos na Báctria (norte do
Afeganistão) desde o tempo da conquista deAlexandre Magno em 326 a.C.. Cronologicamente
surgiria primeiro o reino dos Selêucidas e mais tarde o reino greco-bactriano (a partir de 250 a.C.).
O rei greco-bactriano Demétrio I invadiu a Índia até Pataliputra em 180 a.C., tendo estabelecido um
reino indo-greco que duraria em partes do norte da Índia até o século I a.C..
O rei indo-greco Menandro I (rei entre 160-135 a.C.) teria se convertido ao budismo. As moedas deste
rei apresentam a referência "Rei Salvador" em grego e por vezes desenhos da "roda do Dharma". Após
a sua morte, a honra de partilhar os seus restos mortais foi disputada pelas cidades que governou, tendo sido os seus restos colocados em stupas [uma espécie de túmulo usado pelos budistas]. Os sucessores de Menandro inscreveram a fórmula "Seguidor do Dharma" em várias moedas e retrataram-se realizando a mudra vitarka. A interacção entre a cultura helenística e budista pode ter tido alguma influência sobre a evolução do Mahayana, pois esta tradição apresenta uma perspectiva filosófica e um tratamento do Buda como um deus que faz lembrar os deuses gregos. É também por esta altura que surgem as primeiras representações antropomórficas de Buda. Menandro I conhecido como Milindaem sânscrito foi um dos governantes do reino indo-grego, no norte da Índia e no Paquistão dos dias atuais, de 155 ou 150 a 130 a.C. Ele é, historicamente, o primeiro ocidental documentado que se converteu
ao budismo.
Um Renomado Rei Indo-Grego
Os seus territórios cobriam os domínios ocidentais do império grego dividido da Bactria (das áreas
de Oanjsir e Kapisa e estendiam-se até a provínciamoderna do Punjab, no Paquistão), a maior parte
dos estados indianos de Ounjab Himachal Pradesh e a região de Jammu, com tributários difusos no sul e no leste, provavelmente alcançando Mathura. Supõe-se que a sua capital teria sido Sagala, uma cidade bastante próspera no norte do Punjab (no Paquistão) que acredita-se ser Sialkot dos dias atuais, poucos quilômetros a oeste do que é agora a fronteira entre a Índia e o Paquistão.
Ele é um dos poucos reis bactrianos mencionados por autores gregos, entre eles Apolodoro de
Artêmita, citado por Estrabão, que alega que os gregos de Báctria foram conquistadores maiores ainda que Alexandre, o Grande, e que Menandro foi um dos dois reis bactrianos, o outro sendo Demétrio, que mais estenderam o seu poder na Índia:
"Os gregos que fizeram que a Báctria se revoltasse tornaram-se tão poderosos a bem da fertilidade do país que tornaram-se mestres, não só de Ariana, mas também da Índia, como Apolodoro de Artêmita diz: e mais tribos foram subjugadas por eles que por Alexandre-- por Menandro em particular (…), que algumas foram subjugadas por ele pessoalmente e outras por Demétrio, filho de Eutidemo, o rei dos bactrianos; e eles tomaram posse, não só de Patalena, mas também, no resto da costa, do que échamado de reino de Saraostus e Sigerdis." (Estrabão 11.11.1).
Estrabão também sugere que essas conquistas gregas alcançaram a capital Pataliputra, no norte da
Índia (Patna dos dias atuais):
"Aqueles que sucederam Alexandre foram aoGanges e a Pataliputra (Estrabão, 15.698).
Os registros indianos também descrevem ataques gregos a Mathura,Panchala, Saketa e Pataliputra.
Esse é particularmente o caso de algumas menções dainvasão por Patanjali, por volta de 150 a.C., e do Yuga Purana, que descreve eventos históricos indianos em forma de profecia:
"Após ter conquistado Saketa, o país dos panchalas e dos mathuras, os Yayanas (gregos), malvados e valentes, alcançarão Kusumadhvaja. Alcançadas as grossas fortificaçõesde lama em Pataliputra, todas as províncias estarão em desordem, sem dúvida. Enfim, uma grande batalha se seguirá." (GargiSamhita, Yuga Purana, No. 5).
No oeste, Menandro parece ter repelido a invasão da dinastia do usurpador Greco-Bactriano
Eucrátides, consolidando o governo dos reis indos-gregos no norte do sub-continente indiano.
O Milinda Panha dá uma idéia dos seus métodos militares:
"- Já te aconteceu, ó rei, que reis rivais levantassem contra ti como inimigos e oponentes?
-Sim, certamente.
-Então, farás, suponho que fossos sejam escavados, e fortificações levantadas, e torres de
guarda eretas, e fortalezas construídas, e armazéns de comida?
-Não. Tudo isso já fora preparado com antecedência.
-Ou serás treinado no controle de elefantes de guerra, e na habilidade em lidar com cavalos, e
no uso da biga de guerra, e na arte de manobrar arco e flecha e na esgrima?
-Também não. Eu já aprendera isso antes.
-Mas por quê?
-Com o objetivo de precaver-me contra um perigo futuro."
(Milinda Panha, Livro III, Cap. 7).
O seu reinado foi longo e bem-sucedido. Numerosos achados de moedas comprovam a prosperidade e a extensão do seu império (com achados tão longe quanto a Grã-Bretanha): os achados de suas moedas são os mais numerosos e difundidos de todos osreis indos-gregos. Contudo, datas precisas do seu reinado, bem como a sua origem, continuam indefiníveis. Os historiadores supõem que Menandro foi ou o sobrinho ou um ex-general do rei Greco –bactriano Demétrio, mas agora já se pensa que os dois reis distanciam-se por pelo menos trinta anos. O predecessor de Menandro em Punjab parece ter sido o rei Apolodoto.
O império de Menandro sobreviveu, após ele, de uma maneira fragmentada, até o desaparecimento do último rei grego, Strato II, por volta do ano 10.
Menandro foi o primeiro rei indo-grego a introduzira representação de Athena Alkidemos ("Atena,
salvadora do povo") nas suas moedas, provavelmenteem referência a uma estátua semelhante de
Athena Alkidemos em Pella, capital da Macedônia; o cunho foi usado, subseqüentemente, pela maioria dos reis indo-grego posteriores.
Menandro e o Budismo - O Milinda Pañha
Segundo a tradição, Menandro converteu-se ao budismo, como descrito no Milinda Panha, um texto
budista clássico em Pali sobre as discussões entre Milinda (Menandro) e o sábio budista Nagasena. Ele é descrito como sendo constantemente acompanhado por uma guarda de 500 soldados gregos.
Menandro é introduzido como "Rei dacidade de Sâgala na Índia, Milinda, como é chamado, instruído,
eloqüente, sábio e hábil; e um fiel observador de todos os váriosatos de devoção e cerimônia
realizados com os seus próprios hinos sagrados concernindo às coisas passadas, presentes e por vir.
Muitas eram as artes e ciências que ele conhecia -a tradição sagrada e a lei secular; o Sankhya, a Yoga e o Nyanya e os sistemas Vaiseshika de filosofia, aritmética, música, medicina, os quatros Vedas, os Puranas e os Otihasas, também conhecia sobre astronomia, magia, a lei da causalidade, feitiçaria, a arte da guerra e poesia.
Como um disputante era difícil se equiparar, mais difícil ainda de se superar; o reconhecido superior
de todos os fundadores das várias escolas filosóficas. E tanto em sabedoria quanto em força corporal, de vivacidade e de valor não existia, na Índia, ninguém igual a Milinda. Ele também era rico, poderoso em riqueza e em prosperidade, e o número de seus soldados armados era infindável." (As Perguntas do Rei Milinda, traduzido para o inglês por T. W. Rhys Davids, 1890).
As tradições budistas relatam que, logo após as suas discussões com Nāgasena, Menandro adotou o budismo.
Expansão do Budismo no Ocidente
Após os encontros entre o budismo e o Ocidente representados na arte greco-budista, um conjunto de informações e lendas sobre o budismo chegaram ao Ocidente de maneira esporádica. Durante o século VIII as histórias budistas foram traduzidas para o siríaco e o árabe como Kaligag e Damnag. Uma biografia do Buda foi traduzida para o grego por João de Damasco, acreditando-se que tenha circulado entre os cristãos como a história de Josafat e Baarlam. No século XIV, Josafat seria declarado santo pela Igreja Católica Romana. O próximo contato direto entre o budismo e o Ocidente aconteceu na Idade Média quando o monge franciscano Guillaume de Rubrouck foi enviado como embaixador à corte mongol de Mongke pelo rei Luís IX de França. O encontro aconteceu em Cailac (atualmente no Cazaquistão), tendo o monge julgado que os budistas seriam cristãos perdidos. O budismo começou a despertar um interesse no público ocidental no século XX, após o fracasso de projetos políticos como o marxismo. Nos anos setenta um interesse pela realização pessoal substituiu a importância dos projetos políticos que visavam mudar a sociedade.