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quinta-feira, 31 de maio de 2018

DHYANA NA CULTURA JUDAICO-CRISTÃ - parte 2


Por Ryokan Hiroshi

[Esse não foi o título original, não houve título, foi apenas uma continuação da palestra anterior. Os títulos e subtítulos foram colocados por este editor e tradutor]

E na nossa cultura contemporânea?


A dificuldade de muitos é justamente o aqui agora, ou seja, o meio, o lugar, a contemporaneidade e a cultura. Olhe, você, a partir de agora, não tem que se preocupar com nada disso. Começou a libertação.

Na verdadeira cultura judaico-cristã, por exemplo, Jesus ensinou a mesma coisa. Então agora vemos que ninguém prestou muita atenção nisso. Jesus insistiu na vigilância constante, Paulo insistiu na importância disso. Não temos problema algum com o ensinamento de Jesus, que sendo desperto completamente deu o ensinamento para quem o aceite e então cumpra isso (não desconsiderando os outros aspectos de seu ensinamento, é claro). Não existe o obstáculo que estão vendo, qualquer cultura, qualquer atividade, qualquer estado de consciência humano normal, comum, pode cultivar atenção e consciência, e pode, cultivar dhyana.

Muita gente tem problemas por estar praticando errado ou ensinando errado ou ouviu alguém ensinando errado. Uma coisa centrada no "eu estou observando" ou pior "eu estou no controle", sem comentários, muito ruim, muito ruim. Muito relaxado também é problema. Evocando a consciência biológica também é ruim. Atiçando o ego, ou a si mesmo, isso é o instinto de sobrevivência, que vai causar aflição, ansiedade, tensão, se fosse assim poderiam fazer ativando a consciência com alguma droga ou cafeína ou chá por exemplo [(chá verde)]. Restringindo só ao aqui agora também é errado... Tem muito mais jeitos errados do que certos.

A influência da cultura, das opiniões e das tradições sobre a prática


A cultura de outros elementos completamente fora de qualquer religião, mas tidos como religião é que é um problema. Vou falar o tema da cultura aqui. Veja que no budismo é muito pior para se determinar o que é budismo e em que se fundamenta. Nós temos uma posição, mas existem muitas outras. No cristianismo existem dois lados bem distintos. Num temos a tradição como fundamento, assim, católicos, ortodoxos e a maioria das igrejas do oriente que no geral dizem que a religião é determinada pelo que diz a tradição, a igreja, seus representantes maiores; no outro lado temos conservadores, protestantes, batistas e evangélicos em geral que fundamentam a religião nas escrituras. Uns nem gostam da palavra religião, mas chamam de outras coisas como evangelho, boa nova, palavra de Deus. Eles não gostam de ser chamados de religiosos.

No budismo já foi assim também. Mas isso se perdeu. Hoje tem budistas brigando pelo direito de dizer que budismo é uma religião, não uma filosofia, não uma psicologia, etc. (eles devem ter muita raiva de nós). Alguns budistas falam que Buda não ensinou budismo, mas simplesmente o dharma, o ensinamento. Uns vão mais longe e dizem que budismo é uma invenção dos seguidores. A primeira visão é certa sem dúvida, a segunda vai depender do modo como a pessoa encare o ensinamento e de que lado está (se é praticante ou não do dharma ou parte dele).

Mas qual é a dificuldade que é maior no budismo? Ninguém define em que se fundamenta essa "religião", uns dizem que é na tradição, a grande maioria; outros dizem que é nos suttas e na tradição oral; outros que é só nos sutras; outros que é nos sutras e na tradição; outros que é só em certos sutras, ou numa certa coleção de sutras, ou só no Sutra do Lótus; outros que é só na tradição oral via linhagem, outros dizem que é na tradição oral, mas que tal linhagem não existe e não é necessária; outros que é a realização de seus mestres ou patriarcas, suas experiências ou o que é passado delas numa linhagem ininterrupta; outros dizem que os sutras até são importante, mas os tantras são os ensinamentos superiores; outros que só o que foi passado oralmente entre altos iniciados é o que determina; outros falam em giros da roda e que só o terceiro giro é o que o budismo é de fato, etc. etc.. Veja que são muitas visões diferentes para nossas cabecinhas ocidentais. É complicado demais.

Mas não era assim. Lá no Japão temos algumas escolas que abraçam algumas dessas visões, mas hoje existe a tendência de receber de alguém toda uma educação e então fundar sua própria escola; e outra que já existia que está forte agora de tentar restaurar um budismo puro, inicial, ou de algum ponto da história onde se considerou puro. E existem pessoas como nós, que depois de aprendizado longo numa escola ou de passar por várias escolas considera que nada disso existia antes, mas o simples "ide" do Buda. Às vezes a pessoa tinha passado relativamente bem pouco tempo recebendo ensinamento e Buda já os enviava, ou para a floresta, ou para ensinar. Isto aconteceu. Não existe nada errado em nenhuma dessas posições porque todos tem essa liberdade, mas é errado dizer que os outros estão errados, pois no tempo do Buda não existiam essas coisas.

Então vejam o quanto a questão cultura e rótulos é prejudicial. Muitas escolas seccionaram o ensinamento e definiram arbitrariamente o que era ou não palavras atribuídas a Buda e quais eram os ensinamentos. Então cultura, meus amigos do dharma, é uma criação que vai se tornando quase autônoma e engolindo seus expoentes. É algo muito prejudicial crer em algo assim, "defendemos nossa cultura, nossas raízes", porque o importante é que defendamos a verdade e se não sabemos vamos procurar, não porque alguma coisa é linda ou foi transmitido por nossos ancestrais. Eu sei bem como é isso, e isso dá base a qualquer coisa, qualquer coisa que se diga tradição, que passou por uma linhagem secreta ou que foi preservada numa caverna. Nada disso é selo de verdade, nem antiguidade, nem tradição, nem número de pessoas, nem estética, nada, nada disso atesta nada.

É muito prejudicial existirem tantos rituais que não geram uma experiência sequer de dhyana, nem um lapso, ou que a pessoa sente por anos e não atinja nada. Está cometendo um erro. Está fazendo como Bodhidharma antes de se libertar desse fardo cultural e da tradição. Sentar horas em meditação numa atitude mental errada é apenas prejudicial e perda de tempo. Treinou o erro. Depois falaremos maneiras boas de fazer isso da maneira produtiva. Mas o mais importante é fazer isso que falei nos outros momentos. É o cotidiano, não são as viagens e encontros e retiros, tudo isso é distração, pouco proveito se auto impressionar atoa. O importante é a atitude diante de tudo. Você está consciente aqui agora? Você está comigo?

Você quer mesmo saber a verdade?


Assim veja que não existe uma cultura dhyana, mas uma cultura dhyana é praticamente tudo que há em comum e verdadeiro ou que restou em todas as escolas que podem ser ditas budistas. Porque nem as quatro nobres verdades são um consenso mais. Algumas escolas falam que isso foi só para os discípulos iniciais ou os menos capazes. Outras dizem que a base é só o caminho óctuplo; outros que só os paramitas... Só sobrou dhyana. Será mesmo? Alguma escolas centram em preces, recitações, mantras, invocações e já dispensaram a prática direta para chegar em dhyana. Então não é uma certeza que restou. Elas buscam dhyana por outros artifícios e são tantos artifícios que já esqueceram o que estão procurando. Talvez fosse melhor mudarem de ramo, trabalharem com folclore e turismo, não digo isso como ofensa, digo isso como para vocês e outros um aviso. Digo aqui entre nós.

Mas se chegar até eles que seja para um bem, um lembrete que fica mais bem gravado se for assim espinhoso, para que lembrem do que realmente estão buscando e se estão mesmo fazendo isso ou querendo ter uma vida prazerosa e divertida cheia de exotismo, escorado no que deveria ser uma terapia justamente para nos mostrar as ilusões dessa coisas, dos ritualismos, das asceses, da dependência de mestres, títulos, crenças supersticiosas, iniciações místicas e autorizações. Ou por outro lado fuga, indiferença, irresponsabilidade, ou acensão profissional, careira, sucesso, dinheiro, sim tem gente que usa o budismo dessa forma, para ajudar nessas coisas.

Quero que reflitam todos isso pessoalmente. Porque muitos se fascinaram com a ideia do ocidente de religião e pensaram "nós temos que fazer o mesmo" e esqueceram seu objetivo. Eu pergunto se pessoalmente não estamos fazendo o mesmo ao contrário, fascinados com as coisas do oriente, escolhendo essa prática por sua estética, pela cultura oriental, ou para relaxar, ou esquecer dos problemas. Grande obstáculo. Se for por razões desse tipo temos um grande obstáculo. karma ruim. Deveríamos adicionar esse caminho em nossa vida se visamos nos libertar de ilusões, medos, incertezas ou simplesmente por razão nenhuma, seria muito melhor do que os outros daquele tipo "cultural". Deveríamos escolher esse caminho para vermos alguma verdade. Você quer mesmo saber da verdade?

E dhyana tem a ver com isso, é isso, é uma visão, da verdade.

A posição da nossa escola


Qual é a posição da escola dhyana? É nenhuma das anteriores, nenhuma dessas apresentadas e um pouco de cada uma. Dhyana é uma espécie de restauracionismo (eu já sei que "restauracionismo" aqui significa outra coisa em matéria de religião, mas eu digo no sentido da palavra) que remete à tradição oral principalmente, até negando em alguns casos a autenticidade de muitas escrituras, inclusive sua necessidade, sua datação (mas o conteúdo é bem mais importante que a datação, e provavelmente anterior à escritura, em sua forma oral). Ela parece depender da realização ou da experiência de "mestres", mas não é o caso. Definitivamente.

Ela depende de ter de fato aprendido a praticar chegando a resultados, a ensinar e a ter em mente os princípios, depois do estudo e experiência por um tempo razoável, como sete, oito anos.

Ela só depende do ide de Buda. Buda mandou seus discípulos ensinarem, não apenas os arhats, não apenas os bodhisatvas, não apenas os budas, não apenas os monges, mas todos os discípulos que receberam de fato seu ensinamento. Assim independe totalmente da tradição, linhagem, escrituras, realizações, cargos, qualquer um que aprendeu a essência do dhyana, na teoria e na prática deve ensinar.

E nós ensinamos isso, o ensinamento, o dharma, não uma religião, não uma tradição, não é uma linhagem, não são livros sagrados... Nós ensinamos dhyana depois de termos dedicado pelo menos cinco anos de vida ao estudo e prática diária e de instante a instante. Dez anos é um bom tempo.

Hoje gostam de dizer mestres, professores e até gurus. Você já viu alguém dizer "mestre Bodhidharama"?  Os nomes ajudam, mas também atrapalham.

A escola dhyana histórica teve suas características que tentamos preservar na vida cotidiana de pessoas comuns. Hoje conserva o fundamento e a prática que o comprova. Nós que derivamos da escola dhyana histórica e do que foi preservado por outras escolas como zen, tendai, theravada... Para nós o fundamento, que foi passado junto com outros elementos pela tradição oral, que foi registrado embora não com estrita exatidão e pureza em sutras. É o que se enconta em escrituras inclusive, e alguns tratados registram também elementos e análise desse dharma.

Não é perfeito, não é satisfatório, não é como num conto fabuloso, mas é o que temos. Temos que ser verdadeiros e realistas. É o que restou da corrupção das eras previstas pelo Buda (Na qual estaríamos agora vivendo o terceiro período, da sombra do dharma, ou como alguns mais "otimistas" dizem, o segundo, do reflexo do dharma).

Esses são o dhyana. [(Esses elementos)]. O caminho, os paramistas, as características da existência, os três fundamentos dana, sila, bhavana, o caminho óctuplo, entre outros e finalmente o incondicionado. E isto, estes são os mais importantes, são os fundamentos da escola dhyana, e dhyana é também o fundamento de toda ela.

PERGUNTAS


P. É intrigante essa visão de não religião e de terapia. Isto está em conformidade com a época do Buda, era assim, já que você tenta resgatar um budismo primitivo?

R.Não sabemos. Não totalmente. Mas nem há como saber também. Não estamos dizendo que isto é tudo ou que era assim antes. Essa é nossa visão. Não conhecemos poderes de voltar no tempo e ver como foi. Não damos garantias douradas como muitas escolas. Mais pé no chão como diz. A base é que falamos do que parece ser certo e garantido, outras coisas, se tiver dúvida, preferimos ver sem dar certezas que não temos ou como costume, como tradição, adição, erro de tradução, etc.. Mas o que é certo é o que vemos e temos experimentado. Então não é uma promessas de uma libertação futura ou de um Nirvana longínquo e difícil de ser alcançado, mas de uma libertação dia a dia, de um Nirvana cotidiano onde vamos penetrando e nos familiarizando cada vez mais com ele. É isso que importa, não teorias e certezas sobre o passado.

P. Você falou em Jesus e que ele ensinou isso. Jesus é um buda?

R. Sim.

P. Então Jesus não ensinou outra religião, bem diferente do budismo?

R. Deixe continuar a primeira pergunta sua que vai clarear. Na nossa visão Jesus é um buda, porque buda é desperto, Jesus é desperto, Jesus viveu desperto. Mas isso pode não ser muito simpático para cristão. Então é delicado. Tem que ser sensível se deve dizer isso.

Respondendo a segunda pergunta a primeira clareia. Primeiro buda não ensinou uma religião. Porque ele não explicou que ou se nós saímos de Nirvana, e então devemos RE-tornar para lá. Ele não explica hora nenhuma a origem de nossa consciência, só dessa consciência limitada e condicionada que vem com o que se chama doze elos. Só diz que existe um anterior consciente. Segundo eu não sei se Jesus ensinou uma religião. O caso é diferente. Buda ensina uma terapia, para agora. Jesus fez algo para proporcionar a salvação da vida eterna, ele não disse "deixe de ser judeu e seja cristão". Nirvana é eterno? É, o fim do sofrimento é eterno. Talvez seja a mesma coisa no final. Mas não é esse o ponto. O meu ponto é que Buda ensina uma prática em que você pode conseguir algo ou não, um fruto completo ou não. Que não acho possível hoje esse fruto completo. Jesus ensina um caminho que você pode conseguir ou não, um fruto que você pode ter completo ou não. Mas ele é quem salva, ele é quem faz o trabalho. É diferente. Buda como um pai que conduz. Jesus é o pai que ele mesmo leva os filhos. Buda não salva, Jesus salva. Buda ensina exercícios, Jesus não ensina exercícios. Você pode complementar em sua mente um com o outro, mas não podemos fazer uma leitura assim de um pela visão do outro sem arriscar a estar errando ou até ofendendo.

P. Perdão, eu não entendi. É muito estranho tudo isso. Como assim? Vocês creem que Jesus seja salvador?

R. Sim. Tentarei por de forma simples, já que estou tratando de uma terapia universal dentro da chamada cultura cristã. Não existem judeus messiânicos? Eles aceitam Jesus como salvador, mas mantêm seus costumes judaicos, sua higiene mental, etc.. Aqui nessa ordem, por exemplo, existem pessoas que são budistas cristãos. Eles aceitam Jesus e a bíblia, mas mantêm seus costumes e práticas budistas. Também existe muito mais o contrário, Cristãos que se utilizam de práticas budistas, de sua higiene mental, etc.. É simples.

Não é por você sentar num café, no Café Mestiço, na Avenida Paulista, todo dia, que você vai virar um paulista. Vão falar com você e ouvir seu sotaque nordestino. O que estou dizendo é que nem Jesus nem Buda nunca disseram "rapaz, você tem que mudar de religião". Buda ensinou práticas para atingir certas coisas, Jesus veio salvar todos que o aceitam como senhor e salvador e se arrependem do caminho do pecado. Ambos ensinam o arrependimento como meio, por exemplo. Mas Jesus veio pagar nossas dívidas impagáveis e Buda nos ensinar a se libertar do sofrimento. É bem diferente. Não podemos dizer que os dois ensinam a mesma coisa embora hajam pontos em comum. Mas assim como os judeus viviam sob uma lei, Buda também ensinou uma lei e as pessoas viviam sob essa lei (a qual ele dispensou no dia de sua morte). Nós também não nos intrometemos nas religiões de outros para mostrar como são segundo a nossa visão. Mas podemos até conversar dentro de limites como estamos falando agora. O fato sobre dhyana é os dois ensinaram, aí tudo bem. Mas talvez Jesus tenha ensinado um dhyana para a vida cotidiana, centrada, na lembrança dele e de seu ensinamento até a morte e ir para o céu então lá sim você será despertado e glorificado. Enquanto que se você quer ver as coisas como realmente são antes de morrer o dhyana de Buda pode ajudar para isso.

P. Parece muito frio. Só isso?

R. Dizem que os de origem lá da ilha do extremo oriente são frios (rizadas). Mas brasileiros tem sangue quente. Talvez a cultura tenha fantasiado e colorido demais, esse é o problema. As viagens nova era, místicos, espíritas, ocultistas, talvez exageraram um pouco, um pouquinho. Criando abismos entre o que estava mais próximo e plano. Perguntas sobre o tema?

P. Eu não entendi a relação consciência-apenas com um salvador, como Amida no budismo shin ou terra-pura, no caso aqui Jesus. Você poderia explicar melhor?

R. Claro. É muito simples. Estamos diante de duas doutrinas em que seus membros dizem "somos todos um". A diferença é que aqui no ocidente quando se diz todos se refere a todo mundo. No oriente geralmente se refere aos da mesma filosofia, no cristianismo se refere aos crentes, pois eles têm que aceitar o sacrifício de Jesus para ser um com Jesus, certo? Então como você pode me dizer que um não pode se sacrificar pelo outro? Como você pode me falar de pagar karma individual se na realidade somos todos um? Quando saímos dessa ilusão, estamos livres do Karma. Então a explicação é essa, na realidade temos uma só mente, falta você reconhecer isso. Cittamatra, consciência apenas é geralmente traduzida aqui como mente única, que também é tradução correta. Então todos temos dívidas impagáveis certo? Mas vem um que não tem dívida alguma e paga nossa dívida. O que acontece? A dívida foi paga. É pena que alguns não aceitem e queiram devolver o sacrifício, "oh, eu não preciso dele, pagarei minha dívida eu mesmo ao longo de vidas e vidas". Isto é escolha.

Assim é a salvação de Jesus. Amida é um modelo disso, mas sendo que se tornou, e fez um paraíso onde você vai aprender e ser liberto depois, o que Buda disse com a história de Amida no passado foi o que está acontecendo hoje: seu karma, sua dívida é impagável, você precisa de um salvador. Ora, sua mente é minha mente, a dívida foi paga quanto mais cedo eu aceitar isso, mais cedo esse pagamento vem para minha mente, eu sofro com Jesus, eu morro com ele, eu ressuscito com ele, sua memória é a minha memória, sua mente é a minha mente, sua consciência é a minha consciência, estou salvo... deu para entender?

P. Sim. Esplêndido! Muito obrigada.

P. Você falou de barreira cultural e de superar. Acredita que é possível para todos superar barreiras culturais e entender ou aceitar tudo isso?

R. Sim e sim. Eu vim hoje falar justamente que a barreira cultural não existe, é uma ilusão. Foram as pessoas iludidas que criaram mais e mais "barreiras culturais", como rituais paramentados e caros que duram horas a fio e você não vê nenhum buda sair no final, a pessoa não despertou nenhum pouquinho, está é cansada e sonolenta, esgotada. Tirando essas coisas fora, essas capas, não existe barreira cultural, a instrução é simples, o entendimento é simples. Mas atingir a real compreensão e vivência pode levar tempo. Acabo de mostrar esses dias que não existe [conta nos dedos], 1) a cultura que se atribui existir nesse país, (2) que a que existe, ela não é uma barreira, (3) que não existe incompatibilidade entre cristianismo e dhyana, (4) que tudo é questão de linguagem e consciência, (5) que a prática de dhyana quebra a barreira da linguagem, se ela existir.

Vocês menosprezam a capacidade de suas mentes mente porque desconhecem, é tudo questão de uso e desuso, tudo questão de exercício. Suas mentes tem uma capacidade enorme inexplorada e pouco usada. A consciência é infinita, mas as pessoas estão sempre limitando ela com um conhecimentozinho, um entendimentozinho, um ... né? Não, isso é auto identificação com uma parte muito pequena da mente. Amor a características, aparências; apego, à ilusão do eu e de sua auto preservação. A preocupação constante em perdê-lo. A barreira cultural não existe para nenhum dos ensinamentos que citei aqui. Mas para superar qualquer aparente barreira cultural só temos que superar a barrira da linguagem. Isso se supera pelo estudo por um lado e por dhyana por outro, porque dhyana você olha antes do nome, na realidade das coisas na consciência. Nomes e títulos podem ser barreiras. Aqui está a cura para essa limitação, dhyana.

P. O senhor fala de uma visão, epistemologicamente falando, sobre uma certeza, de conhecer uma realidade como realmente as coisas são e fala de uma realidade condicionada que se manifesta num fluxo de consciência que nega ser uma visão solipsista. Poderia esclarecer mais sobre este tipo de conhecimento ou conhecimento e o que nos garante ou dá essa certeza que essa realidade que vemos e acreditamos ser real é distorcida, e que essa outra que veremos é que é real, em suma, o que nos dá essa certeza, de que esse conhecimento é seguro?

R. Boa pergunta. Ótima. Queria poder responder assim com esse resumo final que perguntou "o que nos da essa certeza?". Começarei por ela, mas as outras são perguntas diferentes concorda? Bem se você for criterioso, nada [nos dá essa certeza]. Nada pode proporcionar certeza. Buda fala de convicção. Essa convicção é dada pela relação experiência-ensinamento, o que é só um ou outro não dá certeza, só quando formos todos budas. Convicção aqui é uma sensação que temos na experiência mais uma convicção no ensinamento, ou seja, por um lado é questão de fé, de confiança n que foi ensinado. Mas isto é um assunto logo e não tem tanta importância para sua questão. Como falei no início a primeira coisa que temos que ver é que estamos imersos, influenciados por uma cultura e que essa cultura é que nos dá uma noção do que é a realidade. Mas essa noção pode estar completamente errada, como mostrei, até a noção de que cultura é a que estamos imersos está errada, é um auto-engano, uma ilusão.

As pessoas não tentam seguir os mandamentos ou o que a bíblia diz, quase todos falam palavrões, contam mentirinhas e até cometem pequenos delitos de vez em quando, e aprecia a maioria dos elementos dessa cultura que são em sua enorme maioria contrários aos princípios judaicos e cristãos e acreditam que vivem numa cultura judaico-cristã, alguns até se dizem oprimidos pela cultura judaico cristã. Temos que perguntar em que mundo esta pessoa está vivendo ou qual o problema mental que ela está tendo, claro que indiretamente e de forma bem delicada, pois precisam de ajuda. Opressão cultural era o que acontecia no período feudal por exemplo, seja na Europa antes, ou no Japão, ou no quase recente Tibet.

Pois bem, isso faz parecer que cada um vive em seu mundo particular e compartilha boa parte desse com outros que pensam de modo semelhante. Veja que até aqui é linguagem e visão. Como você vê e como você expressa o que lhe parece. Mas suponha que você confiou no ensinamento de Buda ao ponto de experimentá-lo apenas em certa medida, para ver. Como vai avaliar?

Sua avaliação será dentro de parâmetros. Buda já dá os parâmetros que ele apresenta como os corretos, que você confia porque ele é Buda e vivenciou o que diz. Então essa duas análises casadas vão moldando uma nova visão. Essa visão tem elementos religiosos, por precisar da confiança, mas é com fim terapêutico, Buda vem trazer um remédio, para um problema mental em que todos estão doentes. Quando você faz da medicina uma religião começa a ter problemas, foi isso que aconteceu na história. E não é nem uma coisa só nem outra. Não é uma verdade assim porque sim, porque Buda disse, nem é uma certeza completa e cientificamente comprovada como outros pintam. É um conhecimento com uma certa segurança, mas não é uma pura crença, nem uma total comprovação irrefutável. É um remédio.

Vamos pular tudo e dizer que você agora já é experiente. O que garante que o que estrá vendo ou experimentando seja real, ou não sejam outras ilusões como as que tinha antes ou alucinações? Até certo ponto, é apenas a relação fé-experiência, ou seja, a confiança no Buda e a convicção dada pela experiência, uma só dessas pode levar a caminhos errados.

Vamos pular de novo e dizer que você já está bem avançado. Ainda haverá esses mesmos componentes, mas em número e diversidade maiores. É isso que dá a certeza mais e mais. Mas ainda é   dependente, condicionada. Só quando atingir e permanecer em dhyana muda a categoria de conhecimento. Você vai ver conhecimento e conhecedor como uma coisa só definitivamente. O espírito saberá completamente as coisas do espírito como disse Paulo. Ou seja você vê diretamente que tudo é consciência o tempo todo sem decair. Aí mudou. Isso a rigor é no paranirvana, depois da morte dessas formas aparentes e desse mundo ilusório. Isso é entrar em Nirvana.

A segurança epistemológica é uma só do principio ao fim: a consciência e que tudo que se conhece é nela. Só que no começo é restrito ao redor e a seus conhecimentos e você entra nesse estado e volta. Depois segue gradativamente, transcendendo esse limite de lugar, de tempo e de apenas seu conhecimento, até que tem todos os conhecimentos possíveis, bastando para isso intencionar com sua mente conhecê-los. Essa é a descrião psicológica dada por Buda.

P. O senhor já atingiu a iluminação?

R. Sim e não, isto é, às vezes.

Não existe na realidade atingir a iluminação. Todos já somos budas agora, mas não somos nessa consciência limitada. Somos budas já quando estamos em espírito, ou seja, na consciência pura. Mas isso é diferente de Nirvana. Nirvana é quando não há mais separação entre a consciência plena e a consciência individual, quando "tendo deixado de lado toda cobiça e aversão desse mundo, plenamente atento, plenamente consciente, penetrarmos em Dhyana", há acesso, e união, à plenitude da consciência, você não deixa de ser um indivíduo, mas sua consciência é plena, não há limite, não há separação, no mais, já sabe que não é possível descrever "né"?

A diferença das escolas dhyana e descendentes das outras é que você experimenta isso agora, não no futuro somente, você é cada vez mais prático em ser buda, você penetra gradativamente cada vez mais em Nirvana desde a primeira vez que senta. Você conhece a iluminação aos poucos, todo dia, vai se acostumando a ser um buda...

P. É como Jesus e o Espírito Santo?

R. Sim. Mas o cristão consegue isso bem mais fácil, só que geralmente não está consciente disso. Os budistas a princípio conseguem raramente, por pouco tempo e com dificuldade, mas geralmente consciente disso.

P. São complementares?

R. Para muitos sim.

P. Seu nome é um nome de mestre ou de iniciado?

R. Não, é próprio. Não usamos o título de mestres. O que é iniciado eu não sei, talvez os irmãos aqui da ordem possam falar melhor sobre isso.

P. A posição da escola a que se refere é um consenso geral ou há algum mestre ou líder? Nós de outras religiões podemos mudar de religião e seguir sua escola?

R. Não e não e pergunta complicada. Boas perguntas.

Não existe consenso geral na escola, cada um é livre desde que mantenham os fundamentos da extinta escola dhyana, se existe um consenso é este, mas nem chega a ser um consenso ou fruto, já que existiu há centenas de anos dessa forma. Nós apenas escolhemos essa forma.

Então não existe um líder, um chefe geral. As pessoas se reúnem periodicamente e compartilham estudos, pesquisas, experiências, histórias e se despedem. Não há o que ser decido ou mudado, organização, votações. Existe uma assembleia ou um conselho que se reúne quando a escola volta à ativa, em alguma momento da história. No caso meu, essa escola pesquisou e preservou esses ensinamentos e práticas e eu os encontrei, escolhi e adotei. Bem simples. Bem mais que outras escolas pelas quais passei.

"Nós de outras religiões podemos mudar de religião e seguir sua escola?" Não. Como expliquei eu não considero como uma religião, não é uma religião, embora alguns tenham a liberdade de considerar. Também disse que não tinha que mudar de religião, frisei bastante que Buda não disse "vai ter que mudar de religião". Você segue a escola como alguém que vai ao psicólogo ou a um curso, sobre algumas matérias para o seu próprio bem viver; não existem monastérios, cultos, estátuas, rituais, roupas, ornamentos... nenhuma característica de religiosidade, é exatamente como no tempo de Buda, pessoas que se encontravam, fala e práticas, só, mais nada. Se não existem mais regras monásticas, também não podem existir monges. Espero ter esclarecido bem isso...

Não havendo mais perguntas.

Que todos tenham uma boa noite, estou muito grato pela atenção, perguntas e tudo mais.

Gasshô



sábado, 26 de maio de 2018

DHYANA NA CULTURA JUDAICO-CRISTÃ - parte 1


Por Hyokan Hiroshi

[Esse não foi o título original, não houve título, foi apenas uma continuação da palestra anterior. Os títulos e subtítulos foram colocados por este editor e tradutor]

Introdução


Tenho ouvido que dhyana é um fenômeno cultural, que é restrito à cultura oriental ou até mesmo a uma certa época, que não é apropriado para nossa cultura, ou que pela disseminação da meditação mindfulness está se tornando um fenômeno em nossa cultura. Bem, a primeira coisa que temos que notar é a cultura em que estamos inseridos. No geral os mesmos que dizem tais coisas também dizem que vivemos em uma cultura judaico-cristã, mas se observarmos a nossa cultura não poderemos constatar nada disso.

Precisamos questionar, primeiro o que seria cultura. E então o que seria judaico-cristã. Hoje nas Américas temos muitos países ditos cristãos. Mas com exceção dos países da América do Norte nós não podemos falar realmente em uma cultura judaico-cristã. Talvez no máximo um sincretismo cultural onde muitos elementos já foram naturalizados e entendidos como cristãos ou mesmo judaicos. Mas que não são na verdade.

Cultura, sem querer entrar em definições precisas, é uma transmissão de costumes, conhecimentos, moral, artes. Se olharmos para os países da América Latina e procurarmos seu referencial na cultura judaica, ou cristã, ou na Bíblia, pouca coisa vamos encontrar além de algumas palavras e frases de efeito, mas não necessariamente significando a mesma coisa. Os costumes, nossos costumes (posso dizer porque vivo muito aqui), são totalmente diferentes de costumes dessas culturas. Se formos falar de desenvolvimento cultural ou derivação é ainda pior, pois historicamente vemos que nossa cultura se assemelha mais a um desenvolvimento da cultura greco-romana pagã do que da cultura dos primeiros cristãos. Difere muito na América do Norte onde são muitos os judeus e muitos os cristãos, senão a grande maioria, que realmente seguem o fundamento de sua religião, tanto culturalmente quanto em fidelidade aos princípios ou fundamentos. Talvez lá até possamos arriscar em falar de uma certa cultura judaico-cristã estabelecida.

É justamente sobre isso que falo hoje, dos fundamentos, e dos princípios. Hoje quero falar do princípio, o que fundamenta o cultivo da prática que visa dhyana [(jhanas)]. O que fundamenta uma prática espiritual é a mesma coisa que fundamenta uma cultura? Isto pode ser uma regra? Podemos falar que nossa cultura favorece um certo desenvolvimento cultural ou que ele possui algum fundamento espiritual ou prático-espiritual? São todas perguntas que não pretendo responder, mas é interessante, porque dhyana também é uma cultura.

Quando olhamos para as Américas Latinas temos um sincretismo, onde em parte domina uma linguagem tida como cristã, mas muitos elementos, crenças, ações, rituais, princípios, moral, ditos pagãos, quer dizer que vêm do que os cristãos antigos consideraram assim. "Pagãos" é no sentido de religiões primitivas que são dominadas pelo animismo, muitos deuses, forças, barganha com seres sobrenaturais, uso de estátuas e objetos de poder, divindades e finalmente superstições.

O que estou mostrando é que se por um lado muita coisa é questão de linguagem e significados, por outro, a linguagem em si pode ser muito perigosa e enganadora, pois é por causa dela que cremos em ilusões e temos como realidade coisas que não são, e isto que falei é um bom exemplo.

Estou falando isso porque no budismo não é diferente. Se olharmos para o budismo, seja do norte ou sul da Ásia, mas mais notadamente no Norte, vemos a mesmíssima coisa, e coisa pouca do budismo original. Não podemos falar de uma cultura budista, principalmente em países como a China, a Índia, as Coreias, enfim. Temos um sincretismo da mesma forma que há no Tibet e Nepal onde você vê tantos elementos da cultura e das religiões ancestrais que se você estuda o budismo sabe que você tem que procurar muito até ver algo realmente budista, embora tudo esteja impregnado de relação ao budismo através da linguagem.

Então veja que isso, cultura isso ou aquilo, é uma ilusão, uma barreira que devemos superar, novamente estou falando da barreira de uma classificação, um nome (e isto é assunto bem budista), que limita e quase se opõe ao significado real das coisas. Isto é um rótulo e as pessoas terminam acreditando no rótulo sem examinar o conteúdo. Dhyana é o combate disso e das barreiras também que nos dividem, das classificações. Dhyana quer mostrar a realidade, então como vai debater diante de nomes errados?

Primeiro temos que olhar o que temos de fato. 


Qual é o fenômeno que está ocorrendo, antes da linguagem, porque se não fizermos isso passamos a um subjetivismo sem fim. Primeiro temos que olhar o que temos de fato.

Então a primeira coisa é retirar essa visão de que há uma cultura isso ou aquilo, isso é uma generalização perigosa, e falsa. Existem elementos que podemos citar, comportamentos, tradições, religiosidades, etc.. Que podem ser transmitidos não exata e uniformemente que em seu conjunto pode ser chamado de cultura, mas que de fato não existe em conjunto, são elementos que se inter-relacionam. É como uma floresta, não existe floresta, é apenas como chamamos o conjunto de árvores, plantas, animais. O que existem são árvores, unidades que estão em relação.

Precisamos parar aqui pois chegamos ao primeiro ponto importante, metodológico. Dhyana viu que tudo que temos está em dependência, primeiro da consciência, e agora, nesse segundo momento estamos vendo: da linguagem. Então precisamos detectar o fenômeno antes da linguagem.

Apesar do próprio fenômeno poder ser considerado também como linguagem, precisamos vê-lo puro, antes do nome, como ele de fato é, um objeto da consciência, precisamos fazer essa redução fenomenológica, se é que se pode chamar assim, na nossa percepção, para olharmos para as coisas com mais pureza e sem rótulos, antes da percepção até, pois essa trás a identificação, pois o rótulo, ele depende do preconceito, de um conhecimento prévio condicionado, de um somatório de impressões que podem estar distorcendo a realidade. Que podem até muito bem estarem erradas.

Então para discernir é preciso não discriminar, não rotular, não destacar, apenas lançar o olhar e esse olhar agora tem que ser para dentro, pois sabemos que o fenômeno se desenrola na nossa consciência. Precisamos discernimento, e isso agora é discernir as coisas como são na realidade. Se parássemos aqui e disséssemos que dhyana é isso estaríamos criando um mundo de pessoas retardadas, isto é só uma pequena parte inicial. Na primeira vez falamos que tudo é consciência, agora falamos que tudo é linguagem e como a linguagem é um condicionante e limitante, podendo ser enganadora, temos que captar a consciência pura antes da linguagem. Resumindo. Agora sigamos em frente.

Assim é com cultura, não existe cultura, existe uma transmissão, feita por pessoas, de alguns elementos. Cultura é simplesmente o conjunto de transmissões, assim como a floresta é o nome do conjunto de indivíduos. Se existir cultura você é uma vítima, não tem jeito, o monstro vai devorar a todos. E se é assim eu sou um tentáculo do monstro, enfiando em vocês mais uma parte do veneno que vai consumir boa parte de sua vida, como fui vítima no passado quando fizeram o mesmo comigo, afinal é a cultura que faz, independente de seus elementos, ela seria cultura isso ou aquilo. Mas o bom é que não existe coisa, tal generalização que seja válida a respeito de absolutamente nada então vamos ao que interessa. Você anda na floresta, é um nela, não tem todas as árvores, não vê todos os bichos, só os do caminho por onde você vai.

Não existe cultura dhyana


Já observaram que não existe cultura dhyana? E dhyana é uma cultura. Eu disse que dhyana é uma cultura. Dhyana é uma forma de viver. A forma de viver ligado, como dizem, porém não tenso, alerta, presente. É uma cultura, totalmente diferente da comum, que se procura distração, alguém quer se distrair. Quer um trabalho que o agrade, mas não para estar atento e presente nele, mas para estar distraindo-se com ele. É muito estranho. Isso não é doentio? Ou não é assim? Uns querem aproveitar o tempo, outros querem um passa tempo, como assim?!

Mas dhyana não é assim, não se automatiza, não se distrai, ela tem que ser cultivada de instante a instante, assim é uma cultura porque dhyana temos que cultivar, de instante em instante estar atento. Mas não é estar atento de qualquer maneira ou a qualquer coisa. É prestar atenção às coisas, as do mundo, inclusive nós mesmos, consciência, corpo e mente, como elas são em sua verdadeira natureza: inconstantes, insatisfatórias, insubstanciais, condicionadas; e como nossa consciência na verdade é, pura, Nirvana.

Não existe cultura dhyana, ainda não inventaram, porque é algo trabalhoso para uns, prazeroso para outros, mas não são todos que querem, aliás são poucos. É como cultura rock, ou cultura zen, ou cultura gospel, não  são todos que querem, mas nem por isso ela deixa de ser cultivada por quem quer ou gosta ou por quem entende seu objetivo ou por quem almeja seu objetivo, mas ao contrário dessas, ela é muito particular, nem num centro zen você vai ver as pessoas compartilhando dhyana, é algo bem particular, apesar de alguns grupos terem mecanismos de ficar lembrando uns aos outros, tocando sinos... Não existe como transmitir dhyana de uma pessoa para outra, de um grupo para outro. Porque não existe nem como ensinar, porque ela não pode ser ensinada, porque ela tem que ser descoberta individualmente, tudo que fazemos é dar algumas instruções sobre como manter a atenção ou como praticar o zazen, por exemplo, e então alguém poderá fazendo isso chegar a dhyana.

Não existe dhyana cultura porque ela é um estado de mente alerta, um dos estados de mente alerta, que tem que ser feito com equilíbrio e ensinado com muita responsabilidade. Porque não é simplesmente estar aqui agora como se tem ensinado, isso seria muito prejudicial e exigiria muito esforço. Dhyana é um estado não tenso, não estressante, não é pressão psicológica. Eu sempre imagino a pessoa num presídio praticando esse tipo de meditação "para estar feliz eu tenho que estar presente aqui aqui agora de instante a instante". Imagine, a liberdade mental foi a única lhe sobrou e ela ali "tenho que permanecer preso, tenho que permanecer aqui nessa prisão", parece piada. O método de dhyana também não tem a ver com não pensar nem esvaziar completamente a mente.

O presente tem em si o passado e o futuro, o aqui contém relação, lembrança, memória de outros lugares, tudo isso acontece na mente, quando se diz estar presente aqui agora de instante a instante quer dizer estar consciente de tudo que ocorre na consciência e que tudo ocorre na consciência, sejam os objetos sensoriais, puramente mentais ou mesmo o vazio. O agora não existe isolado, o aqui tampouco, nem dhyana é solipsismo, existem outras pessoas, outros fluxos de consciência, "tudo é apenas uma projeção da minha consciência", quem pensa assim tem um problema, tem uma ideia muito grande de eu e meu, está precisando urgente praticar dhyana da forma correta.

Dhyana não é uma religião ou uma escola de psicologia ou de filosofia, é uma terapia. Nessa terapia a pessoa vai se livrar justamente das falsas projeções sobre si mesmo e sobre tudo mais. Mas é uma terapia que todos precisam, principalmente os orientais, porque em nossa cultura eles se adaptam a quase tudo, é como se mesmo as mais tolas e prejudiciais ilusões pudessem ser todas bem aceitas de alguma forma, por isso a meditação fez mais sucesso lá. Aqui as pessoas são mais objetivas no sentido de metas, obstáculos e sua superação. Se um ocidental se depara com um problema de saúde ou de emprego, por exemplo, imediatamente ela pensa em formas de resolver e superar isso. Por muito tempo os orientais foram como aquele flechado da história do Buda "deixe eu ver se é isso mesmo? Será que estou mesmo doente, será que preciso mesmo de um emprego? Eu tenho um karma ruim para pagar. É melhor aceitar. Será que isso não é uma lição para que eu aprenda a me desapegar e meditar, não seria melhor eu desapegar disso? É melhor eu me acostumar logo com essa situação antes que comece a sofrer". Brincadeirinha, mas é bem por aí.

Dhyana é cultura


Dhyana é uma cultura. Porque dhyana tem que ser cultivada. Não é apenas estar presente e atento, tem que lembrar de estar atento, observando, consciente vigiando. Nos evangelhos aparece uma série de vezes a palavra vigiar e quando vem junto com orar ela vem antes. Vigiar é mais importante no sentido que vem primeiro, tudo mais para ser bem feito precisa que a pessoa esteja atenta, presente, consciente, vigilante, lembrado.

É preciso também estar lembrado que está ali e o que está fazendo, veja que a noção de presente não é deslocada de passado, não é como um sem memória que esquece cada segundo anterior, isto seria terrível, então se você aprendeu que Dhyana é uma concentração no presente apenas, por favor esqueça isso. São pessoas que foram ensinadas errado ou que são irresponsáveis que ensinam essas coisas.

E agora temos um terceiro ponto, que prova isso, pois tudo tem consequência, e tudo que é, é consequência de um momento anterior (tudo é condicionado, é uma característica desse mundo). Sim, porque somos humanos, não temos a visão de Deus, onisciente, isto é, de todos os tempos, todos os instantes e lugares presentes aqui agora. Buda também não disse que tinha esse tipo de consciência, nem que Nirvana era se tornar um deus ou algo do tipo. A onisciência de um buda está relacionada com o tempo e com uma individualidade, porque em sua onisciência também permanece a consciência de todo o fluxo anterior de consciência com o qual ERA identificado, por isso mesmo não se pode dizer que ele existe nem que deixou de existir, apenas que se libertou do samsara, que é o mundo triplo, dos ciclos de sofrimento.

E o que é dhyana? É o estado crescente em que a consciência vê as coisas diretamente como são, ou seja, não sofrimento, não transitório, não insubstanciais, isto é, Nirvana. Dhyana é primeiro o vislumbre, depois entrar, entrar e permanecer um tempo, até que no último estágio permanecer nessa visão, em Nirvana. E o que é Nirvana? É a realidade única, completa, plena, permanente, imutável, incondicionada, livre, pura, original, sem ilusão.

"Permanecendo completamente atento e plenamente consciente", veja que Buda trata de duas coisas distintas, atenção e consciência, atenção é um ato, é para nós, seres, consciência é um objeto.

Onde os seres vêem objetos múltiplos, o iluminado não vê diferente, mas ele vê consciência apenas.

quinta-feira, 10 de maio de 2018

Sistemas de governo segundo o budismo - primeira parte


1. Introdução

É triste ver as discussões de polarização política no país porque tudo parece ter se reduzido a uma ignorante polarização direita-esquerda, o que está bem longe dos fatos e ações concretas. Sites budistas, autores e professores, às vezes tem assumido posições de um lado ou do outro, outros simplesmente criticam estes sem assumir que estão se sentindo de certo lado, defendendo certo discurso, e fingindo estar fazendo uma análise imparcial. Estes são os piores.

O pior de tudo é que o brasileiro no geral parece não ter a mínima noção do que seja esquerda e direita (seja do ponto de vista histórico, ou econômico, ou político ou qualquer outro inclusive), nem os mais intelectualizados, aliás estes principalmente. Estes conceitos, apesar da semelhança e influência direta de alguns padrões bem particulares europeus, destoa completamente do mundo contemporâneo e dos acontecimentos históricos. Os conceitos e as características que apresentam como sendo suas próprias, e mais distorcidamente as dos outros, são completamente fora do contexto e da realidade. Além disso não seguem nenhuma lógica ou padrão de definições e características a não ser a lógica da própria conveniência. 

Os termos ou lados não são definidos no Brasil nem sob uma lógica historicista nem econômica nem política, mas uma mistura mal feita de tudo isso segundo a conveniência do argumentador. E se alguém detectar os erros e apontar as incoerências no discurso estas nunca são discutidas pelo contrário, a pessoa será atacada, no mínimo a resposta será um "quem é você?". Enfim, as discussões giram em torno de certas conveniências e padrões da moda e a opinião de certas "autoridades" no assunto, os ídolos do momento ou os gênios que já teriam pensado isso décadas atrás e deram já naquele tempo todas as soluções para a conjuntura atual.

2. O uso do budismo para difusão de ideias políticas que não estão no budismo

Ver isso no meio "religioso" é ainda mais triste. Principalmente quando essa aparente ignorância é revestida de mentiras. Ontem comecei a ler uma página de um budista conhecido e não pude seguir adiante em suas críticas à direita política porque não há como levar a sério. Seu argumento é tão apaixonado que de dez características que atribuiu à direita em sua sua crítica sete eram da esquerda, e destas cinco eram exclusivas da esquerda. Mas como essas características eram vistas por ele como ruins é claro que tinham que ser da direita que estava criticando. Isto foi um exemplo bem típico do que falei acima.

O objetivo desse artigo não é  demonstrar posições (ridiculamente classificadas de direita ou de esquerda) que possam ser atribuídas anacronicamente ao discurso de Buda, é demonstrar pelos suttas e sutras o pensamento do Buda sobre um sistema de governo de acordo com seu ensinamento. Por isso nesse pequeno estudo vou demonstrar a partir de textos canônicos que essa polarização não encontra base nos textos, pior ainda os argumentos de democracia, esquerda política, anarquia, distribuição de renda, igualdade econômica, e similares. Estes não encontram nenhum referencial nas palavras do Buda que ao citar governo e administrações exemplares sempre se referia a monarcas, leis, juízes, justiça. Buda tinha em mente um modelo de governo, o melhor e ensinou várias vezes sobre isso. Isto é um assunto muito importante no ensinamento budista e se isso não fosse importante Buda não teria feito tantos discursos nesse sentido, não abordaria longos discursos, exemplos, histórias sobre o tema, não passaria a vida fazendo diversos sermões sobre isso, instruindo reis, príncipes e administradores, muitas vezes de forma especial e em particular.


Para começar vamos utilizar o Digha Nikaya que é onde se encontram vários referenciais ao que seria um governo justo, benéfico e honesto. Depois o Majjhima Nikaya que é mais extenso e talvez tenha os suttas mais conhecidos e usados para falar de posicionamentos inadequadamente. Depois faremos um apanhado de outras coleções de suttas (porque só pretendo usar basicamente o que se diz serem ensinamento e palavras do Buda) e sutras que vem sendo usados de forma inadequada para justificar posições políticas, principalmente os últimos, que incrivelmente são os mais usados para defender ideias de democracia e de forçada distribuição de bens. Incrivelmente porque esses são os que mais falam de reis, príncipes e generais justos, que fizeram o correto, e de como a inveja aos bens ou riqueza alheia são prejudiciais, onde monges preferem morrer do que aceitar receber aquilo que foi tirado de outros.

3. Algumas ideias sobre governo encontradas no Digha Nikaya

No DN3 - Ambattha Sutta, é profetizado o destino possível de Sidatta caso ele não seguisse o caminho monástico que o levou ao budado. "Se ele viver a vida em família ele se tornará um regente, um monarca justo que irá governar de acordo com o Dhamma; conquistador dos quatro pontos cardeais, que estabelecerá a segurança no seu reino e que possuirá os sete tesouros. Que são: a Roda Preciosa, o Elefante Precioso, o Cavalo Precioso, a Joia Preciosa, a Mulher Preciosa, o Tesoureiro Precioso e como sétimo o Conselheiro Precioso. Ele terá mais de mil filhos que serão corajosos e heroicos e que aniquilarão os exércitos inimigos. Ele governará, tendo conquistado esta terra circundada pelo mar, sem bastão ou espada, através do Dhamma."

Esta descrição  caracteriza a visão da época de um governo bom, justo, próspero, seguro, que governa de acordo com um dhamma.  Se isto é ruim para o Buda ele deve, ao falar sobre governo, romper completamente com tal sistema prejudicial, não dar conselhos como melhorá-lo ou administrá-lo bem, nem usá-lo como exemplo em seus símiles, nem exemplos de governantes justos ou sábios. Mas o que vemos ao longo dos discurso não é isso. Vejamos primeiro se o Buda no Digha Nikaya vem a romper com esse modelo ou corroborar de alguma forma ele...

Apesar da profecia não ser pronunciada pelo Buda nela encontramos praticamente características apenas daquelas repudiadas pelos que defendem hipocritamente um falso discurso de "justiça social": riquezas, tesouros, poder centralizado, forças armadas, mil filhos. Esse é o cenário que se esperava de um bom governante. Dizer que Buda só usou exemplos como esses nos discursos (que veremos a seguir) porque era tudo que conhecia ou tudo que havia na época é o mesmo que dizer que Buda não era onisciente ou pelo menos que não enxergava esses supostos males de tal sistema e suas consequências, ou no mínimo que não se importava em compactuar com sistemas tiranos ainda que fosse apenas em seus exemplos e histórias "como se fosse possível haver justiça em tais sistemas".

3.1. Deveres de um monarca que gira a Roda do Dhamma no Cakkavatti-Sihanada Sutta (DN 26) - O Rugido do Leão ao Girar a Roda

No Cakkavatti-Sihanada Sutta (DN 26) - O Rugido do Leão ao Girar a
Roda, o Buda exorta os bhikkhus a se ‘manterem no seu próprio domínio’ através da prática da atenção plena e nesse mesmo discurso vemos (e veremos mais adiante) que tipo de governo Buda considera correto. Ele traça nesse sutta a visão do papel de um monarca, um governante justo e íntegro, e da evolução do mundo em consequência das atitudes de governantes. Vejamos que conselhos Buda apresenta nesse sutta.

“Certa vez, bhikkhus, houve um monarca chamado Dalhanemi que girou a roda, um monarca justo que governou de acordo com o Dhamma; conquistador dos quatro pontos cardeais, que estabeleceu a segurança no seu reino e que possuía os sete tesouros. Que são: a Roda Preciosa, o Elefante Precioso, o Cavalo Precioso, a Joia Preciosa, a Mulher Preciosa, o Tesoureiro Precioso e como sétimo o Conselheiro Precioso. Ele tinha mais de mil filhos que eram corajosos e heroicos e que aniquilavam os exércitos inimigos. Ele governava tendo conquistado esta terra circundada pelo mar, sem bastão ou espada, através do Dhamma. Mas se ele deixasse a vida em família e seguisse a vida santa, então ele se tornaria um arahant, um Buda perfeitamente iluminado, aquele que remove o véu do mundo." - Cakkavatti-Sihanada Sutta (DN 26).

Opa! A descrição do Buda de um governante que girou a roda do Dhamma segundo Buda é como a que vimos acima, ou seja, é um monarca, um rei, conquistador (um "opressor imperialista" na visão coletivista (?)), que estabeleceu segurança (um "militarista"?); tinha tesouros, mais de mil filhos corajosos que aniquilavam exércitos (eram "tiranos"?). E um "ditador totalitarista como esse" governava de acordo com o Dhamma, e bastava que ele deixasse a vida em família e seguisse a vida santa, então ele se tornaria um arahant, um Buda perfeitamente iluminado. Sim. Isto pode acontecer a despeito de milhares de monges extremamente dedicados à prática, ao ensino, muitos desde a infância que não conseguem tal realização, tanto naquela época como hoje.

Para que não reste dúvida vamos ver mais sobre o girar da roda do dhamma no mesmo sutta:

"Então o Rei Dalhanemi mandou buscar o seu primogênito, o príncipe herdeiro, e disse: ‘Meu filho, a Roda Preciosa deslizou da sua posição. E eu ouvi dizer que quando isso acontecesse para um monarca que gira a roda, ele não teria mais muito tempo de vida. Eu estou saciado dos prazeres humanos, agora é o momento de buscar os prazeres divinos. Você, meu filho, assuma o controle desta terra circundada pelo oceano. Eu irei raspar o meu cabelo e barba, vestirei os mantos de cor ocre e deixarei a vida em família pela vida santa.’ E tendo instalado, da forma requerida, o seu
filho mais velho como rei, o Rei Dalhanemi raspou o seu cabelo e barba, vestiu os mantos de cor ocre e deixou a vida em família pela vida santa. E sete dias depois que o sábio real havia seguido a vida santa, a Roda Preciosa desapareceu.

“Então um certo homem veio até o Rei Khattiya ungido e disse: ‘Senhor, você deve ser informado que a Roda Preciosa desapareceu.’ Em vista disso o Rei sentiu pesar e tristeza. Ele foi até o sábio real e relatou-lhe o que havia acontecido. E o sábio real disse: ‘Meu filho, você não deve sentir pesar ou tristeza pelo desaparecimento da Roda Preciosa. A Roda Preciosa não é uma herança de família. Mas agora, meu filho, você precisa se tornar
um Monarca que gira a roda. E então poderá ocorrer que, se você realizar os deveres de um Monarca que gira a roda, no Uposatha do décimo quinto dia, tendo lavado a sua cabeça e ido para o terraço no topo do palácio para o dia de Uposatha, a Roda Preciosa surgirá para você, com mil raios, com a roda, o cubo, completa em todos os aspectos.’"

Observe que é devido a um rei com aquelas referidas qualidades que a Roda do Dhamma gira, e que o filho terá que ser como foi o pai para que a possibilidade da Roda girar exista, "você precisa se tornar um Monarca que gira a roda", ou seja, assim como seu pai. Observe também que o rei não é um virtuoso ele vive na busca dos prazeres, ora humanos, ora divinos: "Eu estou saciado dos prazeres humanos, agora é o momento de buscar os prazeres divinos."; e que ele não simplesmente abandona seu reino, deixa tudo, se desapega de tudo como costuma-se pensar, ele resolve todas as questões administrativas relativas a passar o reino a seu filho e que esse governe como ele, até porque, afinal, ele deseja que o filho também se torne um monarca que gira a Roda do Dhamma.

Agora vamos ver o que é que faz um monarca que gira a Roda, como ele deve administrar o seu reino. Segue o verso subsequente do anterior: 

"“Mas qual, senhor, é o dever de um Monarca que gira a roda?” “É o seguinte, meu filho: Você, na dependência do Dhamma, honrando-o, reverenciando-o, amando-o, homenageando-o e venerando-o, tendo o Dhamma como sua insígnia e bandeira, reconhecendo no Dhamma o seu mestre, você deve estabelecer guarda, defesa e proteção de acordo com o Dhamma para a sua própria família, suas tropas, seus nobres e vassalos, para Brâmanes e chefes de família, pessoas que vivam nas cidades e no campo, contemplativos e Brâmanes, para animais e pássaros. Não permita que o crime prevaleça no seu reino e para os necessitados, lhes dê o que necessitem. E quaisquer contemplativos e Brâmanes que no seu reino tiverem renunciado à vida dos prazeres sensuais e estiverem dedicados à renúncia e à nobreza, cada um se domesticando, cada um se acalmando, cada um se esforçando para dar um fim ao desejo, se de tempos em tempos eles vierem consultá-lo quanto ao que é benéfico e o que é prejudicial, o que é criticável e o que é isento de crítica, o que deve ser seguido e o que não deve ser seguido e qual ação irá no longo prazo conduzir ao dano e sofrimento e qual irá conduzir ao bem-estar e felicidade, você deveria ouvi-los e dizer-lhes que evitem o mal e façam o bem. Esses, meu filho, são os deveres de um Monarca que gira a roda."

É interessante observar aqui o que é estabelecido, basta ler, mas também o que não é estabelecido: eleições (democracia, etc.), ele continua sendo um monarca com plenos poderes; distribuição forçada de bens, de renda, nem de riqueza (nem apropriação das posses de uns para dar a outros), mas sim para que o rei dê aos necessitados o que eles necessitam; e nem igualdade social, equanimidade ou igualdade de supostas classes, continuam existindo tropas, Brâmanes, nobres e vassalos (as "classes" sociais e econômicas da antiga Índia que de certa forma ainda existem hoje). É importante notar também que tudo isso é feito de acordo com o Dhamma, na dependência do Dhamma, estas coisas não estão em desacordo com o Dhamma do Buda. Mais adiante veremos o que é que está em desacordo, mas que muitos estão defendendo como uma visão social do budismo.

Note também que o rei não deve deixar o crime prevalecer. Como os reis faziam isso? Só não era deixando sem punição ou soltando os criminosos, nem sem uso da força e de armas, portanto muitas ideias de uma sociedade anarquista ou de hippies nova era baseados no budismo não têm nenhum fundamento. E veja que o rei é que ensina os contemplativos que vem visitá-lo para serem instruídos, o sábio, fonte do dhamma é o rei, não os monges, apesar que estes também devem ser ouvidos. Olhe em que estes contemplativos vem consultar o rei: "se de tempos em tempos eles vierem consultá-lo quanto ao que é benéfico e o que é prejudicial, o que é criticável e o que é isento de crítica, o que deve ser seguido e o que não deve ser seguido e qual ação irá no longo prazo conduzir ao dano e sofrimento e qual irá conduzir ao bem-estar e felicidade." Um rei deve saber essas coisas, aqui ao ponto de instruir os monges, não sobre  trazer uma suposta igualdade econômica ou social. Ele deve trazer ordem, virtude, prosperidade, felicidade. Agora, as pessoas que tem problema com desigualdade e que acreditam que não há felicidade possível na desigualdade e mesmo na pobreza, ou que colocam a dependência da felicidade em questões de poder aquisitivo, estas é que estão totalmente fora de sintonia com o ensinamento de Buda.

Veja agora o que aconteceu ao rei que seguiu essas mesmas diretrizes ensinadas por seu pai:

..."e ele realizou os deveres de um Monarca que gira a roda. E ao fazer isso, no Uposatha do décimo quinto dia, tendo lavado a cabeça e ascendido até o terraço no topo do seu palácio para o dia de Uposatha, a Roda Preciosa surgiu para ele, com mil raios, com a roda, o cubo, completa em todos os aspectos. Então o Rei pensou: “Eu ouvi que quando um Rei Khattiya ungido vê essa roda no último dia da quinzena, ele se tornará um Monarca que gira a roda. Que eu possa me tornar um monarca assim!”

"Então, levantando-se do seu assento e arrumando o manto externo sobre o ombro, o Rei tomou um vaso com água com a mão esquerda, borrifou a Roda com a mão direita e disse: ‘Gire para adiante, boa roda preciosa; triunfe, boa roda preciosa!’ Então a roda preciosa girou para adiante na direção leste e o Rei a seguiu com o seu exército. E em qualquer região na qual a Roda parasse, o Rei estabelecia residência com o seu exército. E aqueles que antes a ele se opunham na região leste vinham e diziam: ‘Venha, grande Rei; bem vindo, grande Rei; comande, grande Rei; aconselhe, grande Rei.’ E o Rei dizia: ‘Vocês não devem matar seres vivos; vocês não devem tomar aquilo que não for dado; vocês não devem agir de forma imprópria em relação aos prazeres sensuais; vocês não devem dizer mentiras; vocês não devem beber bebidas embriagantes; sejam  moderados na alimentação.’ E aqueles que antes a ele se opunham na região leste se tornavam seus súditos."

O monarca seguiu as mesmas diretrizes e chegou aos mesmos resultados. É necessário mais algum comentário? O sutta segue ainda dando a mesma descrição de acontecimentos para os outros pontos cardeais. E depois de serem realizadas as mesmas coisas nessas direções "a roda preciosa triunfou sobre a terra de oceano a oceano, ela retornou para a capital real e permaneceu como que presa pelo eixo ao portão do principal palácio do Rei, como um adorno no portão do palácio principal. E um segundo Monarca que gira a roda fez o mesmo e um terceiro, um quarto, um quinto, um sexto e um sétimo monarca também".

Agora vejamos o ponto talvez até mais importante do sutta: sobre outro (e depois outros) que governou segundo suas próprias idéias, segundo suas "geniais" soluções.

..."Mas ele não foi até o sábio real para lhe perguntar sobre os deveres de um Monarca que gira a roda. Ao invés disso, ele governou o povo de acordo com as suas próprias idéias, e sendo assim governado, o povo não prosperou tão bem quanto havia prosperado sob os reis anteriores, que haviam realizado os deveres de um Monarca que gira a roda. Então os ministros, conselheiros, funcionários do tesouro, guardas e porteiros e os recitadores de mantras vieram até o Rei e disseram: ‘Senhor, enquanto você governar o povo de acordo com as suas próprias idéias, diferente da forma que ele foi governado sob os monarcas anteriores, o povo não irá prosperar bem. Senhor, há ministros … no seu reino, nós mesmos inclusive, que preservaram o conhecimento sobre como um Monarca que gira a roda deveria governar. Pergunte-nos, Majestade e nós lhe diremos!’

"Então o Rei ordenou que os ministros e todos os demais se reunissem e ele os consultou. E eles explicaram os deveres de um Monarca que gira a roda. E tendo ouvido o que eles disseram, o Rei estabeleceu guarda , defesa e proteção, mas ele não atendeu as necessidades dos necessitados e como resultado a pobreza se espalhou. Com a disseminação da pobreza, um homem tomou algo que não lhe havia sido dado, dessa forma cometendo o que passou a ser chamado de roubo. Eles o prenderam e o trouxeram perante o Rei dizendo: ‘Majestade, este homem tomou algo que não lhe foi dado, que chamamos de roubo.’ O Rei disse: ‘É verdade que você tomou algo que não lhe havia sido dado – que é chamado de roubo?’ ‘Sim é, Majestade.’ ‘Porque?’ ‘Majestade, eu não tenho nada para o meu sustento.’ Então o Rei lhe deu alguns bens dizendo: ‘Com isto, meu bom homem, você poderá se manter, sustentar sua mãe e pai, manter uma esposa e filhos, levar adiante um negócio e presentear os  contemplativos e Brâmanes, o que irá promover o seu bem-estar espiritual e conduzir a um feliz renascimento com um resultado prazeroso no plano celestial.’ ‘Muito bem, Majestade,’ o homem respondeu."

Vamos dar muita atenção porque aqui há muita sabedoria. Veja que o rei continuou seguindo suas próprias idéias, escolheu entre as instruções apenas a que lhe agradou. Estabeleceu a guarda, mas não ajudou aos necessitados (isto se parece também com muitos "praticantes" budistas, que simplesmente dizem manter a atenção; meditam e leem livros, mas não dão atenção aos preceitos, continuam, com fala incorreta, pensamentos incorretos e até ações...). Observe que o fato de ser um monarca não impede de ajudar os necessitados, mas é justamente o contrário, um monarca é que tem justamente todas as condições necessárias para ajudar aqueles que necessitam (diferente de outras formas de governo em que é preciso medidas burocráticas, votações parlamentares e consequentemente negociação política e de torca de apoio e favores). 

Os outros reis agiram de acordo com o dhamma, mas este agora não fez. Este é um exemplo de "governo laico". Um exemplo histórico de um rei em nosso mundo que se esforçou para estabelecer esses princípios do dhamma foi o principal responsável pela expansão do budismo no oriente (e por consequência também muito depois no ocidente) foi o rei Asoka. Ele se esforçou em viver de acordo com o ideal do monarca que gira a roda, inclusive provavelmente foi o primeiro na história a criar hospitais para animais. 

Mas este rei do exemplo acima, que seguiu suas próprias idéias, acreditava que estava correto, que era justo, ele não era um rei mal, mas devido a suas ações baseadas em idéias pessoais, que provavelmente considerava mais sábias e corretas do que as que os conselheiros haviam ensinado, seu reinado foi um desastre. Ele ignorou a inclusive a história, todo o legado dos reis anteriores, e suas experiências bem sucedidas. Trocou tudo isso por outras idéias. 

A pobreza cresceu, a carência, a fome, mas nem por isso os pobres começaram todos a roubar, temos escolhas, e um homem, este escolheu tomar o que não lhe foi dado, isto é, ele feriu um dos cinco preceitos básicos do budismo. Uma pessoa não deve fazer fazer isso, pois isso tem consequências ruins, segundo o ensinamento do Buda, muito menos um governante... 

E ele não puniu o ladrão, pelo contrário, reconheceu suas necessidades e supriu, deu até a mais para que pudesse investir. Ele foi bonzinho. Na sua visão talvez ele tenha sido justo e reconhecido que também tinha responsabilidade naquela situação, e resolveu segundo suas próprias ideias dar uma solução. Ou seja, ele não prendeu, não puniu, deu liberdade, deu dinheiro, premiou. Agora vamos observar o resultado disso na sociedade, segue o relato do sutta:

"E exatamente a mesma coisa aconteceu com um outro homem. Então, as pessoas ouviram que o Rei estava distribuindo bens para aqueles que
tomassem algo que não lhes houvesse sido dado e assim elas pensaram: ‘E se nós fizéssemos o mesmo!’ E então um outro homem tomou algo que não lhe havia sido dado e eles o trouxeram perante o Rei."

Ou seja, ele estimulou, premiou o ato de roubar e o resultado foi que o pensamento de roubar contaminou outra pessoa. Veremos em seguida que por atos cada vez mais degenerados, que começam com uma pessoa e se disseminam, haverá um verdadeiro caos e completa degeneração da sociedade, dos valores, da saúde, do tempo de vida, da beleza, etc.. Veja se isso descrito até aqui não é muito parecido com o que tem ocorrido na história de nosso país, onde os políticos agem exatamente como esse rei, e as pessoas passam por consequências similares. Vivemos num país que ignora todas as experiências bem sucedidas do passado e de outros lugares, que ignora também todas os exemplos mal sucedidos e tentativas de governos orientados por ideologias, que geraram um caos como o que veremos em seguida neste sutta; um país com livros de história completamente ideologizados, cheios de mentiras, omissões e distorções. E ainda existem muitos no budismo que defendem essas mesmas ideologias que só geraram caos, violência, miséria, fome e conflitos em todo o mundo, principalmente uma que não se baseia em paz, mas justamente em seu oposto a luta, de supostas classes entre si.

Veja como o sutta descreve a degeneração mundial , naquele mundo, naquela época, começando por aquele rei. a partir de uma atitude de um rei e da reação de uma pessoa. 

"O Rei perguntou porque ele havia feito aquilo e ele respondeu: ‘Majestade, eu não tenho nada para o meu sustento.’ Então o Rei pensou: ‘Se eu der bens para todos aqueles que tomarem algo que não lhes foi dado, os roubos irão crescer cada vez mais. Melhor eu dar um fim nisso, dar um fim de uma vez por todas, cortar a cabeça dele.’ Assim ele ordenou aos soldados: ‘Prendam os braços deste homem para trás com uma corda forte, raspem a cabeça dele e conduzam-no ao rufar dos tambores pelas ruas e praças e para fora da cidade pela porta do sul, lá deem um fim nele aplicando a pena capital, decepando a sua cabeça!’ E assim eles fizeram."

Uma reação que vem de um extremo para o outro, foi a ideia do rei considerando sua sabedoria e justiça. Depois de premiar um ladrão (um argumento típico dos populistas é dar indiscriminadamente recursos a todos) e ver o resultado do experimento de suas convicções  dar errado, ele tem a convicção do extremo oposto da primeira ideia. Depois de ser o responsável pelo aumento da pobreza, da miséria, de todas as crises até então, como se pelo menos uma boa parte desse povo não soubesse ser culpa do rei o caos estabelecido, ele resolve usar a força, a violência, uma solução radical, a típica de todos os ditadores, que se acham corretos e justos em suas idéias, e de seus apoiadores. O que acontece em consequência disso:

"Ouvindo sobre o ocorrido, as pessoas pensaram: ‘Vamos obter espadas afiadas e depois poderemos tomar de qualquer um aquilo que não nos for dado, daremos um fim em todos, daremos um fim em todos de uma vez por todas, cortaremos as suas cabeças.’ Assim, tendo obtido algumas espadas afiadas, elas se lançaram em assaltos homicidas sobre vilarejos, vilas e cidades e também se dedicaram ao roubo nas estradas, matando as suas vítimas cortando-lhes a cabeça."

Este ponto, trazendo para nosso mundo parece ter sido solucionado, pois todos os governantes e ditadores parecem ter lido "A arte da guerra", "O príncipe", "Cadernos do cárcere" e o legado de vários outros autores com um pensamento mais direcionado,  como Marx, Lenin, Stalin, além de Gramsci e outros propositores de ditaduras como solução que dizem numa só vós "desarmem o povo para que não haja rebelião". Mas não, não está solucionado, vemos que os criminosos sempre têm seus meios de estar armados e cometendo atos como os mencionados acima. Agora vejamos no sutta como se aprofundam os problemas:

"Assim, por não haver generosidade para com os necessitados, a pobreza se disseminou, do incremento da pobreza, o tomar o que não é dado se disseminou, do incremento do roubo, o uso de armas se disseminou, do incremento do uso de armas, o ato de tirar a vida se disseminou e do incremento do ato de tirar a vida, o tempo de vida das pessoas diminuiu,
a sua beleza diminuiu e como resultado da diminuição do tempo de vida
e da beleza, os filhos daqueles cujo tempo de vida havia sido oitenta mil anos passaram a viver apenas quarenta mil. E um homem da geração que viveu por quarenta mil anos tomou algo que não lhe foi dado. Ele foi trazido perante o Rei que lhe perguntou: ‘É verdade que você tomou algo que não lhe foi dado – que é chamado de roubo?’ ‘Não, Majestade,’ ele respondeu, dizendo assim uma mentira deliberada.

"Assim, por não haver generosidade para com os necessitados … o tirar a vida se disseminou e do incremento do tirar a vida, a mentira se disseminou e do incremento da mentira, o tempo de vida das pessoas diminuiu, a sua beleza diminuiu e como resultado da diminuição do tempo de vida e da beleza, os filhos daqueles cujo tempo de vida havia sido quarenta mil anos passaram a viver apenas vinte mil. E um homem da geração que viveu por vinte mil anos tomou algo que não lhe foi dado. Um outro homem o denunciou para o Rei, dizendo: ‘Senhor, o fulano tomou algo que não lhe foi dado,’ falando assim mal de outrem. 

"Assim, por não haver generosidade para com os necessitados … o falar com malícia se disseminou e como conseqüência, o tempo de vida das pessoas diminuiu, a sua beleza diminuiu e como resultado da diminuição do tempo de vida e da beleza, os filhos daqueles cujo tempo de vida havia sido vinte mil anos passaram a viver apenas dez mil. E na geração que viveu por dez mil anos, alguns eram belos e outros eram feios. E aqueles que eram feios, sentindo inveja daqueles que eram belos, cometiam adultério com as esposas deles.

"Assim, por não haver generosidade para com os necessitados … a conduta sexual imprópria se disseminou e como conseqüência, o tempo de vida das pessoas diminuiu, a sua beleza diminuiu e como resultado da diminuição do tempo de vida e da beleza, os filhos daqueles cujo tempo de vida havia sido dez mil anos passaram a viver apenas cinco mil. E na geração que viveu por cinco mil anos, duas coisas se disseminaram: a linguagem grosseira e a linguagem frívola, e como conseqüência, o tempo de vida das pessoas diminuiu, a sua beleza diminuiu, e como resultado da diminuição do tempo de vida e da beleza, os filhos daqueles cujo tempo de vida havia sido cinco mil anos passaram a viver, alguns, apenas dois mil e quinhentos e outros, dois mil. E na geração que viveu por dois mil e quinhentos anos, a cobiça e a raiva se disseminaram, e como conseqüência, o tempo de vida das pessoas diminuiu, a sua beleza diminuiu, e como resultado da diminuição do tempo de vida e da beleza, os filhos daqueles cujo tempo de vida havia sido dois mil e quinhentos anos passaram a viver apenas mil. E na geração que viveu por mil anos, o entendimento incorreto se disseminou … e como conseqüência, os filhos daqueles cujo tempo de vida havia sido mil anos passaram a viver apenas quinhentos. E na geração que viveu por quinhentos anos, três coisas se disseminaram: o incesto, o desejo excessivo e as práticas depravadas … e como conseqüência, os filhos daqueles cujo tempo de vida havia sido quinhentos anos passaram a viver, alguns, apenas duzentos e cinqüenta e outros, apenas duzentos. E na geração que viveu por duzentos e cinqüenta anos, três coisas se disseminaram: falta de respeito pela mãe e pelo pai, por contemplativos e Brâmanes, e pelo cabeça do clã.

"Assim, por não haver generosidade para com os necessitados … a falta de respeito pela mãe e pelo pai, por contemplativos e Brâmanes, e pelo cabeça do clã se disseminou, e como conseqüência, o tempo de vida das pessoas diminuiu, a sua beleza diminuiu, e os filhos daqueles cujo tempo de vida havia sido duzentos e cinqüenta anos passaram a viver apenas cem."

Observe quantas degenerações e suas consequências surgem em consequência de um ato. No budismo não existem ações coletivas que não tenham surgido em um indivíduo, e não existe uma ação que não surja de condições anteriores. O texto deixa claro as condições corretas para surgir o que é benéfico. As pessoas não se degeneram automaticamente devido aos acontecimentos ou ambientes, elas escolhem, uns matam, outros são mortos, uns roubam, outros são roubados, uns caluniam outros são caluniados, etc.. Qualquer que conhece o ensinamento budista sabe que é mais vantajoso morrer, ser roubado e caluniado do que estar do outro lado. É aí a função do rei. Não é o povo que deve reagir as injustiças de alguns, isso é a função do rei, proteger o indivíduo da ação injusta ou violenta de outro ou de grupos, punir e afastar do convívio público os desviados. 

Também fica claro o quanto se ressalta o cuidar dos necessitados. As pessoas tem que ser generosas no reino, mas muito mais o rei, o rei deve prover o meio pelo qual as necessidades dos necessitados sejam atendidas, afinal a pessoa nasce e é cuidada por seus pais, mas ela não trás de si mesma nenhum suprimento, ela precisa de outros recursos para se manter que já pertencem a outras pessoas. É obvio, e algo que nenhum desses "gênios" da sociologia, da economia e política parece perceber, algo que o Buda aponta (e veremos mais claramente em outro suttas) a questão da dependência do ser humano da sua família (em muitos suttas ele diz que o esforço dos pais é impagável pelos filhos, por mais que os honre e que cuide deles) e a interdependência inexorável de todos.  Nenhum tipo de estado pode gerir essa necessidade com justiça a não ser uma monarquia ou um sistema feudal (e não se trata novamente aqui do que se vê nos livros de escola, que se trata apenas de um império copactuado entre religião e estado para arrecadar impostos), pois tendo o rei justo (ou o dono das terras) os poderes e meios, ele pode determinar como esse suprimento será produzido sem prejuízo, porque se for simplesmente por impostos haverá prejuíso de uns trabalhando para outros a troco de nada e isso não é justo.

O rei precisa ser necessariamente justo segundo o Buda e se ele cobra impostos, ou seja, não é uma contribuição voluntária, isso não é justo. Todos os sistemas tem que se basear em alguma imposição seja legal ou econômica para que haja um arrecadação de impostos e se sustente os governantes e supostamente os necessitados. Na monarquia também tem sido assim, mas só a monarquia pode dispensar toda imposição se quiser, enquanto que outros sistemas não podem e jamais poderão de fato ajudar os necessitados arrecadando impostos, pois todos esses valores são repassados obrigatoriamente aos produtos para subsistência do produtor cobrado e do parasita governamental, e esses produtos são os mesmo que serão consumidos pelos necessitados. Com o crescimento populacional sempre será mais arrecadado, mas também mais será cobrado, tais sistemas nunca podem ser justos nem que queiram e que todos os administradores sejam honestos. 

Por outro lado se o rei for como um senhor feudal ele é o dono das terras e pode arrendá-las e distribuir a produção e o lucro como bem entender com os trabalhadores e consigo mesmo, e sendo justo, ele o fará com justiça. Não há necessidade de um trabalhar para outro, pois todos podem trabalhar e todos distribuindo o saldo da produção cada pessoa pode sustentar sua família e até algum necessitado sem família, podemos imaginar, porque toda produção de mantimentos e produtos básicos sempre excede as expectativas de consumo. Num estado democrático por exemplo existem milhares de outras dependências simplesmente políticas, que de modo algum têm a ver com administração nem economia, além da necessidade de agradar o eleitor, do tempo limitado, da oposição que pode simplesmente desfazer tudo até por questões ideológicas, etc. além da inegável impossibilidade de um estado democrático de fato por mais que todos fossem obrigados a escolher (o ser obrigado a, já é outra demonstração disso). 

Mas não vamos entrar nesse assunto por enquanto, pois estamos ainda no âmbito dos suttas e este ponto se mostra além das entrelinhas em sutras mahayana. O que fica claro nos suttas é que o sistema de governo ideal é aquele que tem um monarca justo, que escolhe conselheiros sábios, tem um administrador geral que calcula, reorganiza, e executa o que for necessário, empregados, generais e exércitos de confiança e um povo pacífico e obediente. Buda não exalta a esperteza, a reivindicação, nem a cobrança de direitos, pelo contrário, coloca os assuntos sobre reis, governantes, sistemas políticos, relações de poder e realizações de administradores como assunto inútil e prejudicial para o povo; incentiva a obediência mesmo pondo em risco a própria vida; e fala que o justo pensa no dever e o negligente nos direitos, entre outras falas mais radicais ainda (que citarei na continuação desse trabalho). Quem fala o contrário é certamente porque não lê suttas (e ou sutras, a depender da escola) mas apenas autores que escrevem apenas o que lhes convém segundo o que pensam buscando justificativas em falas do Buda ou numa suposta tradição ininterrupta.

Vejamos o que mais este sutta coloca na cadeia de consequências das idéias do rei postas em ação:

“Bhikkhus, virá um tempo em que os filhos dessas pessoas terão um tempo de vida de dez anos. E com isso, as meninas estarão prontas para casar com cinco anos de idade. E assim, estes sabores desaparecerão: manteiga líquida, manteiga, óleo de sésamo, melaço e sal. Para essas pessoas o grão de kudriisa  será o alimento principal, da mesma forma como o arroz e o caril (curry) são hoje. E com elas, os dez tipos de conduta virtuosa irão desaparecer por completo e os dez tipos de conduta não virtuosa irão prevalecer: para
aqueles que possuírem um tempo de vida de dez anos não haverá uma palavra para “virtude” então, como poderá haver alguém que pratique ações virtuosas? 

"Aquelas pessoas que não tenham respeito pela mãe e pelo pai, por contemplativos e Brâmanes, e pelo cabeça do clã, serão aquelas que desfrutarão de honra e prestígio. Tal como é agora com as pessoas que demonstram respeito pela mãe e pelo pai, por contemplativos e Brâmanes, e pelo cabeça do clã, que são elogiadas e honradas, assim será com aqueles que
fizerem o oposto. 

“Entre aqueles com um tempo de vida de dez anos ninguém irá se dar conta de mãe ou tia, da cunhada da mãe, ou da esposa do mestre, ou da esposa do pai de alguém, e assim por diante – haverá completa promiscuidade no mundo igual a bodes e cabras, porcos e porcas, cães e chacais. Entre eles, haverá forte inimizade, ódio violento, raiva violenta e pensamentos de matar, mãe contra filho e filho contra mãe, pai contra filho e filho contra pai, irmão contra irmão, irmão contra irmã, da mesma forma como o caçador sente ódio
pelo animal que ele está caçando."

Veja se tudo isso não é parecido com o mundo de hoje. Veja como a questão da família é tão impostante e a obediência aos administradores e ao cabeça do clã. As virtudes estão cada vez mais desprezadas, relativizadas. A decadência moral é gritante, mas se as pessoas seguem relativisando tudo não verão assim. Buda não diz para agir segundo a razão ou o que for mais conveniente, ele dá uma lista, as virtudes são essas, o que for o contrário disso é não-virtude; ele não dá uma lista e diz para ficar à vontade e usar como quiser ou como covém, ele aponta as consequências ruins de seguirmos nossas próprias idéias em vez das virtudes. O administrador teria obrigatoriamente de se manter dentro dessas regras, não num sistema supostamente laico, sob pretexto de uma suposta liberdade ou democracia, pelo contrário, sair das normas gera obrigatoriamente sofrimento e menos liberdade. Isso é óbvio, como pode alguém estudar budismo e ver isso de forma diferente? Decerto porque não estuda. Sigamos e vejamos a possibilidade do revés da situação:

“E para aqueles com um tempo de vida de dez anos, haverá um tempo de ‘intervalo das espadas’ de sete dias, durante o qual eles verão um ao outro como animais selvagens. Espadas afiadas irão surgir nas mãos deles e o pensamento: ‘Ali está um animal selvagem!’ eles irão matar uns aos outros com aquelas espadas. Mas haverá alguns que irão pensar: ‘Não matemos mais ou que não haja mais mortes! Vamos para florestas remotas, rios difíceis de atravessar, ou montanhas inacessíveis, e vivamos das raízes e frutas da floresta.’ E isso eles fazem por sete dias. Então, ao final dos sete dias, eles emergem dos seus esconderijos e se regozijam em comunhão dizendo: ‘Seres bons, vejo que vocês estão vivos!’ E então o seguinte pensamento irá ocorrer nesses seres: ‘Foi só por termos nos habituado aos modos ruins e prejudiciais que sofremos a perda dos nossos semelhantes, façamos o bem! Que coisas boas poderemos fazer? Vamos abster-nos de tirar a vida – essa será uma boa prática.’ E assim eles se abstêm de tirar a vida e, tendo adotado essa ação
benéfica, eles a praticarão. E por ter realizado essas coisas benéficas, o seu tempo de vida se incrementa e a beleza se incrementa. E os filhos daqueles cujo tempo de vida havia sido dez anos passaram a viver vinte anos."

Observe algo que costuma passar despercebido, ainda com esse caos, na linha de causa e consequência, não há qualquer determinismo ou coletivismo, existem pessoas diante da mesma situação tomam caminhos completamente opostos. Mas o importante aqui é ver as escolhas, quais delas combinam com as proposições do Buda.

Buda diz para o povo lutar pelo que é seu, pelos bens ou alimentos ou seus direitos ou pelo poder? Ele aponta um caminho revolucionário onde as pessoas tomam o poder ou mesmo toda a riqueza e distribui igualmente? Ele propõe uma mudança de sistema e que se elejam líderes e façam até mesmo a justiça ou distribua a riqueza? Enfim, seriam muitas as perguntas que eu teria que fazer, mas veja. É justamente o contrário, largar tudo isso, toda essa ambição, cobiça, sofrimento, crimes, inimizade, ódios, deixar tudo, as espadas e todo o resto e ir para a floresta, sobrevier dos furtos que ela dá e vivem em comunhão, largar essa arrogância, luta e crimes desnecessários e prejudiciais. Buda não ensina "lute pelos seus direitos", mas "largue tudo, vá para as montanhas e locais de difícil acesso, viva em paz dos frutos da terra, em comunhão, não em luta..." (parafraseando). E qual a consequência disso?

"Então irá ocorrer a esses seres: ‘É pela adoção de práticas benéficas que
incrementamos nosso tempo de vida e a beleza, portanto, dediquemo-nos ainda mais a práticas benéficas. Vamos nos abster de tomar aquilo que não nos for dado, da conduta sexual imprópria, da linguagem mentirosa, da linguagem maliciosa, da linguagem grosseira, da linguagem frívola, da cobiça, da má vontade, do entendimento incorreto; vamos nos abster de três coisas: incesto, desejo excessivo e práticas depravadas; vamos ter respeito pela mãe e pelo pai, por contemplativos e Brâmanes e pelo cabeça do clã e vamos
perseverar nessas ações benéficas."

Vamos observar que "coincidentemente" aqui algumas pessoas pensarão em conformidade com o ensinamento do Buda. Ele salta qualquer pensamento intermediário ou evolução, proque não interessa, interessa o que Buda mostra saldável, veja que são os preceitos e ensinamentos de Buda a que tais pessoas chegam, não uma boa ideia qualquer, mas a que leva ao caminho certo, os preceitos. Veja mais quais são os valores apresentados. Três dos cinco preceitos básicos aparecem. Veja os valores e condutas: abster-se do incesto, desejo excessivo e práticas depravadas; ter respeito pela mãe e pelo pai, por contemplativos e Brâmanes e pelo cabeça do clã e vamos perseverar nessas ações benéficas. Ele diz para se rebelar contra os Brâmanes e seus erros, sua "opressão social", suas castas? Eles diz que famílias e clãs é algo primitivo a ser superado. Não, nada disso existe no budismo. 

Buda diz para respeitar os brâmanes (embora se tenha que apartar-se deles e de suas doutrinas que são bastante criticadas pelo Buda) não para fazer um protesto, uma revolta ou revolução, mas tome seu caminho. Buda não diz que a existência de clãs e cabeças de clãs seja um hábito primitivo ou militarista, autoritário, ou seja lá o que for que imaginem. Ele não diz em nenhum discurso que não devem existir clãs, ele diz para respeitar os cabeças de clãs e as famílias e os indivíduos, e não se opõe (como se opôs aos brâmanes em sua religião e política). Ele diz para perseverar nessas ações benéficas. Sempre existem ações benéficas, sempre existe a opção de tomar a decisão pela ação benéfica. Tudo parte de decisões, do que fazer com o que encontramos, do indivíduo no budismo, não de um sistema, não de uma coletividade, não de uma decisão de uma maioria que impõe sua vontade sobre uma minoria (o que chamam democracia e ainda acham que isso é bom e que faz o bem), mas da liberdade individual. Agora vamos às consequências dessas decisões e atitudes.

"E assim eles farão essas coisas e como conseqüência disso o seu tempo de vida e a beleza se incrementarão. Os filhos daqueles cujo tempo de vida havia sido vinte anos passaram a  viver até quarenta, os filhos deles passaram a viver até oitenta, os filhos deles passaram a viver até cento e sessenta, os filhos deles passaram a viver até trezentos e vinte, os filhos deles passaram a viver até seiscentos e quarenta; os filhos daqueles cujo tempo de vida havia sido de seiscentos e quarenta anos passaram a viver até dois mil anos, os seus filhos passaram a viver até quatro mil anos, os filhos deles passaram a viver até oito mil anos e os seus filhos passaram a viver até vinte mil anos. Os filhos daqueles cujo tempo de vida havia sido de vinte mil anos passaram a viver até quarenta mil anos e os filhos deles passaram a viver até oitenta mil anos.

"Entre aquelas pessoas com um tempo de vida de oitenta mil anos, as meninas estarão prontas para casar com quinhentos anos de idade. E essas pessoas conhecerão apenas três tipos de enfermidades: desejo, jejum e envelhecimento. E na época dessas pessoas, este continente de Jambudipa será poderoso e próspero; vilarejos, vilas e cidades estarão muito próximas uma das outras. Jambudipa, tal como Avici estará tão cheio de gente quanto
uma mata está cheia de capim e arbustos. Nessa época, a Benares de hoje será uma cidade real denominada Ketumati, rica, próspera e populosa, repleta de gente e bem suprida. Em Jambudipa haverá oitenta e quatro mil cidades lideradas por Ketumati como a capital real. 

"E na época das pessoas com um tempo de vida de oitenta mil anos, irá surgir na capital Ketumati um rei chamado Sankha, um monarca que irá girar a roda, um monarca justo de acordo com o Dhamma, conquistador dos quatro pontos cardeais" (…)

Em que direção seguem as professias do Buda? Mundos melhores e cda vez melhores. Observemos bem as características que ele descreve desses mundos. Se ele descreve essas e não outras é porque essas são importantes. Longevidade, beleza, saúde, prosperidade, etc.. E surge o que num sistema cada vez melhor? Uma eleição? Um parlamento? Um presidente? Uma anarquia? Uma sociedade alternativa? Uma comuna? Uma ditadura do proletariado? Não! Surge um rei, um monarca, um conquistador. O topo, o melhor sistema governamental para Buda é a monarquia (e se você ainda não estiver convencido trarei vários outros textos que mostram isso). Por que o budista odierno se sente à vontade para discordar do Buda nisso e não no resto? Ele acha que nesse ponto Buda foi ingênuo ou ignorante de outros sistemas melhores ou que só nesse ponto ele não foi iluminado? De duas coisas uma, ou a monarquia é o melhor sistema para o budista ou Buda não era iluminado. Escolha.

"E na época das pessoas com um tempo de vida de oitenta mil anos, irá surgir no mundo um Abençoado chamado Metteyya, sublime, digno, perfeitamente iluminado, consumado no verdadeiro conhecimento e conduta, bem-aventurado, conhecedor dos  mundos, um líder insuperável de pessoas preparadas para serem treinadas, mestre de devas e humanos, iluminado, sublime. Ele irá declarar - tendo realizado por si próprio com o conhecimento direto - este mundo com os seus devas, maras e brahmas, esta geração com seus contemplativos e sacerdotes, seus príncipes e povo. Ele irá ensinar o Dhamma, com o significado e fraseado corretos, que é admirável no início, admirável no meio, admirável no final; e ele irá revelar uma vida santa que é completamente perfeita e imaculada. Ele será acompanhado por milhares de bhikkhus tal como eu sou acompanhado por centenas.

"Então o Rei Sankha irá reconstruir o palácio que uma vez foi construído para o Rei Maha-Panada e tendo ali vivido, ele irá renunciá-lo e presenteá-lo para os contemplativos e Brâmanes, os mendigos, os transeuntes, os destituídos. Então, raspando o cabelo e a barba, ele irá vestir os mantos de cor ocre e deixar a vida em família pela vida santa sob a orientação do supremo  Metteyya. Permanecendo só, isolado, diligente, ardente e decidido,
em pouco tempo, ele alcançará e permanecerá no objetivo supremo da vida santa pelo qual membros de um clã deixam a vida em família pela vida santa, tendo conhecido e realizado por si mesmo no aqui e agora."

A monarquia, o Rei Sanka, são praticamente mostrados como condições para o aparecimento de Metteya. Nesse ponto podemos ver o discurso de muitos líderes budistas, inclusive monges de alto prestígio, desmoronar. Muitos budistas também ridicularizam outras religiões, principalmente como o cristianismo e o judaísmo (incluindo o bramanismo, aqueles que conhecem), que possuem profecias e histórias ligadas a reis, monarquias, salvadores reis, reconstrução de templos ou palácios como marcos, capitais poderosas, e até valores familiares em alguns casos. Aí está o Buda fazendo o mesmo tipo de profecia, com as mesmas características e objetos (e há muitos outros detalhes semelhantes). Na verdade tais pessoas são contra os valores e modo como os apresenta qualquer religião ou filosofia. Mas "coincidentemente" muitos desses são exatamente os Buda apresenta. Tais pessoas para o estudioso atento deveriam parecer como espiões infiltrados que querem disseminar suas idéias em todas as instituições, mas infelizmente esses são os que fazem mais barulho e atraem mais "adeptos". Outros com uma visão mais ortodoxa são vistos como preconceituosos, atrasados, ou que estão mais influenciados por elementos culturais do que pelo dhamma.

Para terminar, vamos finalizar, com o ensinamento, essencial, e que todos concordam no budismo (ou deveriam), que é o que está no ensinamento desse sutta.

"Bhikkhus, sejam ilhas para vocês mesmos, refúgios para vocês mesmos, buscando nenhum refúgio externo; com o Dhamma como a sua ilha, o Dhamma como o seu refúgio, buscando nenhum outro refúgio. E como, um bhikkhu é uma ilha para ele mesmo ... ? Quando ele permanece  contemplando o corpo como um corpo, ardente, plenamente consciente e com atenção plena, tendo colocado de lado a cobiça e o desprazer pelo  mundo; quando ele permanece contemplando as sensações como sensações, a mente como mente, os objetos mentais como objetos mentais, ardente, plenamente consciente e com atenção plena, tendo colocado de lado a cobiça e o desprazer pelo mundo."

Por favor observe bem isso, sem isso a meditação pode ser assídua por anos e nunca vai sair do lugar comum; e sem isso a humanidade, seja qual for o sistema de governo, vai permanecer nas costumeiras oscilações morais, de justiça e de sabedoria precárias: "tendo colocado de lado a cobiça e o desprazer pelo  mundo". É dito duas vezes, no meio e no fim do parágrafo. E um grande medidor para qualquer um que venha como professor ou mestre do dhamma ou darma, se ele observa bem esse ponto quando ensina a meditação (ou se ele, por outro lado, ensina a "lutar pelos seus direitos", "lutar pela igualdade", enfim, lutar, lutar, lutar, pelas coisas do mundo, como muitos têm feito). Mas veja como é que diz Buda que seu "direito" vai se incrementar, seu poder, sua riqueza, sua felicidade, seu tempo de vida, sua beleza. O que será que essa frase enigmática no inicio quer dizer? Por que será que Buda aponta agora nessa direção? Buda explica em seguida, não precisa que ninguém lhe diga.

"Mantenham-se no seu próprio domínio bhikkhus, no seu território ancestral. Se vocês assim o fizerem, o seu tempo de vida irá se incrementar, a sua beleza irá se incrementar, a sua felicidade irá se incrementar, a sua riqueza irá se incrementar, seu poder irá se incrementar."

"E qual é o tempo de vida para um bhikkhu? Neste caso, um bhikkhu desenvolve a base do poder espiritual que possui concentração devido ao desejo e às formações volitivas do esforço. Ele desenvolve a base do poder espiritual que possui concentração devido à energia e às formações volitivas do esforço. Ele desenvolve a base do poder espiritual que possui concentração devido à mente e às formações volitivas do esforço. Ele desenvolve a base do poder espiritual que possui concentração devido à investigação e às formações volitivas do esforço. Ao praticar com freqüência essas quatro bases do poder espiritual, ele poderá se quiser, viver por todo um século, ou a parte que faltar para um século. Isso é o que chamo de tempo de vida para um bhikkhu.

“E o que é a beleza para um bhikkhu? Neste caso, um bhikkhu pratica a conduta correta, ele vive contido pelas regras do Patimokkha, perfeito na conduta e na sua esfera de atividades, temendo a menor falha ele treina adotando os preceitos de virtude. Essa é a beleza para um bhikkhu.

“E o que é a felicidade para um bhikkhu? Neste caso um bhikkhu, isolado dos prazeres sensuais entra no primeiro jhana, segundo, terceiro, quarto jhana. Essa é a felicidade para um bhikkhu.

“E o que é riqueza para um bhikkhu? Neste caso um bhikkhu, permanece permeando o primeiro quadrante com a mente imbuída de amor bondade, da mesma forma o segundo, da mesma forma o terceiro, da mesma forma o quarto; assim, acima, abaixo, em volta e em todos os lugares, para todos bem como para si mesmo, ele permanece permeando o mundo todo com a mente imbuída de amor bondade, abundante, transcendente, imensurável, sem
hostilidade e sem má vontade. Depois, com a mente imbuída de compaixão, … com a mente imbuída de alegria altruísta, … com a mente imbuída de equanimidade, … ele permanece permeando o mundo todo com a mente imbuída de equanimidade, abundante, transcendente, imensurável, sem hostilidade e sem má vontade. Essa é a riqueza de um bhikkhu.

“E o que é o poder para um bhikkhu? Neste caso, um bhikkhu, com a eliminação das impurezas, permanece num estado livre de impurezas com a libertação da mente e a libertação pela sabedoria, tendo conhecido e manifestado isso para si mesmo no aqui e agora. Esse é o poder para um bhikkhu.

Este é o foco, este é o poder, esta é a vontade (olhe quantas vezes aparece a palavra "volitiva", vontade é importante, desejo também, veja como e em que direção o desejo é importante, embora a maioria ensine outro budismo diferente de Buda). Este é o esforço, estas são as regras. É um treinamento que você faz se quiser e pode se dizer budista mesmo que não faça, pode se dizer praticante do dhamma? Mesmo os "leigos" tem preceitos para serem adotados, "contido pelas regras do Patimokkha, perfeito na conduta e na sua esfera de atividades, temendo a menor falha ele treina adotando os preceitos de virtude". E agora terminando, para quem não sabe, Buda fala de uma força do mau, pessoal, um Satã ou um Arimã do budismo, real e poderoso que deve ser vencido. Se estão lhe ensinando um budismo de um mundo alternativo, sem hierarquia, sem regras, sem compromisso, de democracia ou socialismo em vez de monarquia e valores morais definidos; sem inferno, sem ser do mau, cheio de psicologismos e supostos "apenas simbolismos", sinto muito, você está sendo enrolado, é hora de ver o que você quer.

"Bhikkhus, eu não considero que exista um outro poder tão difícil de ser conquistado quanto o poder de Mara. É apenas acumulando estados benéficos que o mérito se incrementa."

Isso foi o que disse o Abençoado. Os bhikkhus ficaram satisfeitos e contentes com as palavras do Abençoado.


(continua...)