Por R Y O T A N T O K U D A - do livro Psicologia Budista
Vamos começar as aulas sobre Psicologia Budista. Na
verdade não existe uma Psicologia Budista, mas sim um
estudo especial, que nós podemos considerar como se fosse
uma Psicologia, a isto chamamos em japonês Yuishiki e
em sânscrito Vijna Matravada.
Praticantes Zen com muita experiência de meditação
chegaram à conclusão de que este mundo é visto através
de uma consciência que abrange um ponto de vista totalmente
diferente. O Yuishiki é estudado através da prática
da meditação e sempre junto com a prática da meditação.
Essa teoria diz que todo este mundo é consciência e,
para entendê-la, são necessários vários anos de treinamento
e pesquisa. O Budismo não tem dogmas, baseia-se em
algumas teorias fundamentais. A primeira delas diz respeito
às características da existência. Que são em número de
quatro.
A primeira característica é Anikka, que, em sânscrito,
significa impermanência. Todas as coisas deste mundo
estão em constante mutação, tudo se transforma. Entretanto
as pessoas estão querendo segurá-las pelo apego, mas
nunca conseguirão, por isso o Zen diz que a vida comum é
sofrimento. A segunda característica da existência é o sofrimento
proveniente do apego. Em sânscrito, esta segunda
característica se chama Dukkha. Toda a impermanência é
insatisfação e dor, a dor é proveniente do apego que pro-
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duz o sofrimento. Assim, nós podemos saber a terceira
característica da existência, que é Anatman. Não há nada
de permanente, é o que significa Anatman. Atman é o
ego. Anatman é a negação do ego. Não existe ego, tudo é
sem um ego permanente e nada tem identidade. Não se
pode chamar eu, meu ou minha. Não somente as coisas
todas não pertencem a você, mas o teu corpo também não
pertence a você. A quarta característica da existência é,
portanto, Nirvana. Existe um estado de extinção da dor, e
existe uma paz que o mundo não pode dar nem tirar. Exatamente
quando se chega a este estado de não-ego, não há
nada para segurar, para pedir, é o vazio e com isto nós
podemos encontrar tranqüilidade ou paz. Estas são as
Quatro Características da Existência, mas seres humanos
muitas vezes não entendem essa teoria e continuam ano
após ano apegados às coisas não se dando conta que não
podem possuí-las para sempre e sofrem com isso.
Falaremos agora de outra teoria Budista fundamental.
Esta teoria é considerada como o primeiro sermão do Buda
depois de seu iluminamento. Quando ele estava analisando
sua experiência do iluminamento, a primeira coisa
que descobriu foi esta teoria, também chamada de As
Quatro Nobres Verdades, a qual diz o seguinte: toda existência
é dor; toda dor provém do apego, da ignorância;
existe uma maneira de se extinguirem o apego e a ignorância
e essa maneira é a prática do Caminho.
Toda a existência é dor, sofrimento - Dukkha. No Budismo,
os quatro sofrimentos principais são nascimento,
velhice, doença e morte, porque todas as fases da existência
humana encaradas sem sabedoria são sofrimento. Vi-
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ver neste mundo é sofrimento, é adoecer e morrer. Existem
também os sofrimentos secundários: primeiro, aquele
proveniente da separação daqueles a quem amamos; em
segundo lugar, o proveniente do encontro com aqueles a
quem odiamos; em terceiro lugar, não conseguir alcançar
aquilo que se deseja; finalmente, não se conseguir ficar
longe daquilo que se odeia.
Temos os Skandhas. Os cinco Skandhas são o corpo,
as coisas materiais e a consciência. A nossa existência.
Nós temos cinco sentidos e com isso estamos vivendo
neste mundo. O desejo sempre funciona através dos cinco
sentidos visando a satisfação. Existem cinco tipos de desejos
que são dormir, comer, sexo, poderes e bens materiais.
Essas coisas são necessárias para vivermos neste mundo;
não podem faltar, mas existe um limite, o querer sempre
mais, é como uma faca com mel, a pessoa lambe, lambe o
mel, e aí corta a língua com a lâmina da faca. Hoje em dia
no mundo, o nível espiritual está muito baixo e as altas
sociedades estão cheias de coisas apodrecidas. Há, por
exemplo, o sexo livre, juntamente com drogas, mas quem
pode utilizar essas drogas são bilionários, porque são caras
e se não for para quem tem muito dinheiro acabam acontecendo
crimes e assassinatos. As pessoas dessas sociedades
possuem muitos bens materiais, mas espiritualmente
estão decadentes, isto tudo é Dukkha, sofrimento. Qual é
pois a origem do sofrimento? É o apego e a ignorância.
Como é que se pode acabar com o sofrimento? Acabando
com o desejo ou apego, pode-se chegar ao Nirvana. O
Nirvana é o Caminho para atingir a extinção do sofrimento,
é como o método do médico diante do doente. O médico
pergunta: "Qual é o problema? Dor de cabeça, dor de
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estômago. Por que foi surgir esta dor? Estava muito tenso,
ou estava muito nervoso?" Descobrindo a origem do
mal, então se receita o remédio, e é o remédio que cura. É
sobre este método de médico que estamos falando aqui.
Qual é o Caminho para extinção do sofrimento? O
Caminho para extinção do sofrimento é o Óctuplo Caminho,
que são: Compreensão Correta, Pensamento Correto,
Palavra Correta, Ação Correta, Vida Correta, Esforço Correto,
Atenção Correta e Concentração Correta. Se nós
formos capazes de viver neste mundo com o Óctuplo Caminho,
nós nos desvinculamos do sofrimento.
O Budismo tem uma outra teoria um pouco mais complexa,
que é a teoria dos Doze Nidanas. A teoria dos Doze
Nidanas é mais ou menos a seguinte: por que é que existe
o envelhecimento, decadência e morte? Por que tudo isto é
sofrimento? Por que foi que nascemos? Por que existimos?
Essa teoria diz o seguinte: o que existe? Tato, sensação,
percepção, todas aquelas funções da consciência. Por quê?
Por que possuímos mente? Porque temos apego. Prosseguindo
nesta cadeia de causas, quando se chega na última,
essa teoria diz que tudo é ignorância. Ignorância não tem
luz, ou seja, é ausência de sabedoria. Não vemos as coisas
claramente, como elas são realmente, isto é a ignorância.
Partindo agora do contrário, se não houver ignorância, se
se conseguir sabedoria, não há a corrente de causas, e se
não tem isto então não tem aquilo, assim vem o não ter
nascimento e por isto os Budistas descobriram que o fundo
da nossa existência, o fundo do nosso sofrimento é a ignorância.
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Nós precisamos estudar a raiz do problema que é a ignorância.
Esta pesquisa de Yuishiki, (Vijna Matravada) é
estudar a ignorância, através da prática da meditação. Agora,
voltemos ao Óctuplo Caminho: compreensão correta,
pensamento correto, palavra correta, ação correta, vida
correta, esforço correto, atenção correta, concentração
correta. Praticando o Óctuplo Caminho, pode-se evitar
criar o Karma. A palavra Yuishiki significa apenas consciência,
este mundo é consciência. Isto é baseado na teoria
do Anatman (não-ego). Nós temos vários tipos de desejos
e o primeiro é o ego, a compreensão errada, isto é, pensar
que existe este corpo, assim se fica apegado ao corpo.
Com isso vem o orgulho e assim se inicia o processo de
amar a si próprio. Ama mas não pode satisfazer totalmente
os desejos, produzindo o sofrimento.
A teoria Budista fundamental é o Anatman, isto é, não
existe um ego. Então pergunto, como é que se pode explicar
a reencarnação e coisas deste tipo?
A teoria Yuishiki explica: não existe uma identidade
que mantenha o corpo constante e eternamente, apenas
existe um corpo de continuação do eu, nascendo e morrendo
a cada momento, e isto pode ser explicado através
da comparação com uma vela. Quando se acende uma
vela, ela continua acesa: esta chama é a mesma chama,
mas ao mesmo tempo não é a mesma chama, isto é o que
acontece também com os seres humanos. Assim o Budismo
chega ao fundo da consciência, da 6ª consciência.
Mais profundo ainda há a 7ª e a 8ª consciências, isto é,
três a quatro consciências antes daquelas explicadas por
Freud ou Jung. Isto nós chamamos consciência de Alaya e
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substância da reencarnação, porque Alaya forma o corpo
do ser humano, a consciência, a mente e ao mesmo tempo
as estrelas, montanhas, rios e árvores e tudo mais. Por isso
não pode apegar às coisas. Geralmente a pessoa pensa: eu
estou aqui e estou vendo montanhas, mas os Budistas vê-
em que no fundo isto é uma coisa só, não há uma parte
que fica com a substância eu e uma outra parte separada
como uma coisa, um objeto: montanha. Em Alaya Vijnana
a pessoa se vê como se estivesse existindo fora de si
mesma, então, todas as existências fora de si próprias não
estão separadas de si próprio. Isso pode assustar. O que
seria neste caso a Ciência? Ela estuda os materiais para
descobrir a realidade. Hoje em dia os cientistas descobriram
barreiras ou obstáculos muito grandes. No Brasil,
muitos físicos já estão praticando Zen, também conheço
cientistas na Inglaterra e na Itália que começaram a praticar
o Zen. Do ponto de vista Budista, os seres humanos,
nós e a natureza, não somos duas coisas separadas e contrárias.
Fora da nossa consciência não existem montanhas
ou natureza, no fundo é uma coisa só.
Hoje em dia o pensamento moderno está contaminado
com o mito da Ciência, mas essa apresenta dificuldades
em muitos aspectos. Também a Psicologia chegou a grandes
obstáculos por pesquisar a mente através do método
científico. As teorias podem ser muito bonitas, mas ninguém
sabe como explicar as coisas. Depois de Freud, por
exemplo, surgiram muitas outras linhas de Psicologia, a
Yungiana, a Gestáltica, a da Psicologia Transpessoal, Reich,
etc., todas buscando a compreensão da mente e algumas
vezes aplicando métodos orientais, com isto está se
querendo chegar até o fundo. Essa questão o Yuishiki es-
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tudou dentro da consciência e, analisando, chegou à conclusão
de que estas coisas, a nossa existência e os fenô-
menos no mundo, são uma só coisa, apenas facetas de
Alaya Vijana, a qual separa e junta as duas coisas.
Há uma relação dos estados de consciência. Existem
cinco pré-consciências, que são: visão, audição, olfação,
gustação e tato e, uma sexta que nós chamamos de mente,
pensamento, conhecimento, emoções e sentimentos, aquilo
que pensa, aquilo que sente dores ou é triste ou alegre.
Para os Budistas, entretanto, existem ainda outras consciências,
a sétima consciência ou Manas Vijnana, a
consciência do egocentrismo, e a oitava consciência, a
Alaya Vijnana.
Geralmente a nossa percepção funciona desta maneira:
há um limite que origina o nome. O nome indica o objeto
com palavras. Quando termina isto, termina a percepção.
Isto é uma mesa. Isto é uma cadeira. Assim nós pensamos
que entendemos o que isto é. Este limite é a forma e tem
duas características: a primeira é a aparência. A mesa tem
4 pés, tem gavetas, mas, olhando bem, não é mesa, é madeira,
e a madeira são moléculas e átomos, e por aí vai.
Aparentemente é, mas olhando bem, o que é? Sempre existem
as palavras. Hoje em dia a Ciência está penetrando
dentro da função da mente. Através da anatomia do cérebro,
descobriu-se que nós temos o cérebro direito e o esquerdo,
cada parte tem uma função. O direito não tem
nomes e o esquerdo é com palavras. As pessoas aprendem
as coisas através de nomes, palavras, frases, tudo com a
parte esquerda, mas a intuição direta e a criatividade estão
no lado direito. Por isto o conhecimento, o computador,
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isto pode desenvolver a parte esquerda, mas nós precisamos
também do lado direito funcionando bem, para podermos
ter sentimentos quando escutamos uma música
bonita e coisas assim. Em cada parte do cérebro já se estão
localizando as consciências, como a fome, o desejo, o
olfato, o tato, cada parte é responsável por certas consci-
ências. Por exemplo, se cortar uma das partes do cérebro
de um gato, ele pode começar a comer e com isto não ter a
sensação da barriga cheia, come, come, até morrer. Se
cortar a outra parte então não tem mais fome e aí fica sem
comer, até acabar morrendo.
Depois da aparência, a segunda característica da forma
é o nome, a origem de surgir a ação da língua, pois com a
forma a pessoa coloca nome. A forma tem esta característica.
Esta mesa ocupa espaço e outros materiais não ocupam
o mesmo espaço, com isto julga-se entender as coisas
quando se coloca o nome. Na vida cotidiana nós estamos
dentro deste mundo, mas os Budistas de Yuishiki colocam
isto como sendo uma falsa discriminação ou uma discriminação
ilusória, porque a nossa função de percepção está
toda limitada, de acordo com a sétima e a oitava consciências.
Por isso, para se perceber este mundo é necessário
uma outra maneira, chamada em sânscrito SamyakuVijnana.
Esta é a verdade última e pode ser percebida por
sabedoria correta. A palavra Tathagata significa ser como
eles são. Vocês se lembram daquela palavra Tathagata, o
nome do Buda. Buda tinha dez tipos de nomes, Namo
Tassa, Bagavato, Arahato, Sama Sambudassa, Arahat,
Tathagata. Ele mesmo chamava a si próprio de Tathagata.
Tathagata significa Tata-a-ta, aquele que vem assim
como vem, ou aquele que vai indo assim como vai indo.
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Este assim é o que estamos tratando hoje. No Brasil há
uma gíria, é isto aí bicho. É exatamente isso; Tathagata é
isso mesmo, vem assim, vai assim, nesta verdade absoluta
e presente. Através da sabedoria correta podemos ver as
verdadeiras formas das coisas sem as distorcer, mas essa
percepção não é uma coisa externa e sim uma coisa do
mundo do Dharma. Por exemplo, nós estamos andando de
noite e de repente vemos uma cobra, e levamos aquele
susto, e pulamos para trás. Ao melhor observar, percebemos
que aquilo não era cobra, era uma corda. É parecido,
não? Nós estamos trabalhando em cima dessas coisas. A
cobra é um nome, não é cobra, é corda, mas este nome
corda também não é uma verdade. Não é corda não, são
simplesmente fibras de plantas que estão trançadas, nisto é
que colocamos o nome de corda. Mas a fibra trançada não
existe, a Ciência chegou até este ponto, descobriu moléculas
e os átomos. As plantas são formadas com átomos. Os
Budistas também pensaram nesse átomo e o chamaram
Gokubi que quer dizer aquilo que não pode mais ser dividido.
Os cientistas e físicos também chegaram até esse
ponto.
A palavra átomo significa aquilo que não pode ser dividido,
a-tomo, com o prefixo de negação a, mas hoje em
dia todos sabem que o átomo não é o último, pode também
ser dividido, como o nêutron, o elétron e tudo mais.
Quando se conseguiu entender isso surgiu a bomba atômica,
a arma nuclear. Nós estamos neste momento com o
perigo da destruição do mundo. Até agora sempre houve
guerra, mas somente guerra convencional, ganhando ou
perdendo, a guerra termina, mas se acontecer a 3ª Guerra
Mundial, então será o fim. A energia de uma bomba atô-
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mica é de 100 ou 1000 vezes maior do que a da bomba de
Hiroshima e Nagasaki e países como a União Soviética ou
os Estados Unidos têm mais de 1000 mísseis. Este é o
resultado da Ciência moderna, com isto todo mundo fica
assustado; então há o mito da Ciência. Alguma coisa está
errada. O átomo não pode se dividir mais, mas, se não
pode se dividir, então não existe. O átomo, o nêutron e o
elétron, se forem quebrados, o que irá acontecer? Haverá
liberação de uma enorme quantidade de energia. Voltando
agora à prática do Caminho. Os cientistas sempre procuram
a verdade, sentem aquela emoção de encontrar a verdade,
mesmo cientes do perigo que suas descobertas podem
trazer. Quando surgiu a teoria atômica, outras pessoas
que nada tinham a ver com isto,como os militares, por
exemplo, lançaram mão e dela fizeram uso. Então o que
acontece? Se liberar esta energia proveniente da quebra de
núcleos, prótons e elétrons, o que vamos encontrar? Teoricamente,
se existe uma coisa material, ela pode ser dividida.
Dividindo, dividindo, chega-se até uma coisa muito
pequena, mas no pensamento, pode-se ainda imaginar a
divisão, partículas infinitamente menores. Há os quatros
pontos cardeais, mais o ponto que está em cima e o que
está embaixo, ao todo seis pontos cardeais. Isto é o átomo,
a menor coisa que existe, mas se existe, tem ainda estes
seis lados, referentes aos pontos cardeais. E se existem
esses seis lados, ainda se pode dividir e com isto se encontra
o vazio. O Budismo chegou à conclusão de que tudo é
vazio, mas os cientistas não podem aceitar o vazio. O vazio
é o zero. Multiplique o zero cem mil vezes, mas ainda
continua sendo zero. A Ciência hoje é isto, para criar algo
tem que ter 1, 2, 3, somente assim pode-se criar. A química
pode criar a vida através das proteínas, pode criar uma
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vida primitiva, mas sempre a partir das coisas que já existem.
Entretanto o nada é sempre nada, o vazio é sempre
vazio.
O Budismo é o vazio total, dentro do vazio aparecem
as existências maravilhosas. Este mundo é exatamente
isso, tudo é vazio, só se vê o vazio, as coisas existem, mas
não têm identidade. As coisas se formam provisoriamente
com a união dos elementos, mas estão mudando totalmente.
Isto era árvore, agora é madeira, amanhã mesa e depois
pode queimar ou apodrecer.