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quarta-feira, 23 de janeiro de 2019

Características do tipo de governo recomendado por Buda - Parte 1

Resolvi publicar esse artigo porque meu trabalho sobre o sistema de governo indicado por Buda é muito longo, e tendo feito até agora apenas a uma parte (que se concentra nos suttas do Digha Nikaya), ele NÃO trata de outros sistemas, e sim do sistema apresentado por Buda, porém comenta sobre as consequências desses sistema o que inevitavelmente nos leva a comparações com outras propostas, sejam de sistemas de governo ou de sistema político.

Então como alguns trechos desses suttas tem sido usados erroneamenete, deslocados do contexto e mesmo com a intensão deliberada de enganar (certo tradutor chegou até mesmo a mudar sua tradução retirando palavras com intuito de que esse discurso não parecesse contrariar suas idéias políticas), é coviniente que sejam mostrados os trechos inteiros de onde as frases foram citadas com intensão de fazer parecer certa ideologia que certos autores e tradutores começaram a exaltar. Estes tem usando sua "autoridade" em matéria de budismo para enganar a maioria budista que pouco estuda dos suttas, embora alguns até leiam e até dediquem horas de estudos aos textos e livros desses autores, fraquíssimos em matéria de budismo realmente, tanto que já se até convencionou chamar em países orientais de "budismo light" ou "budismo americano".

No meu trabalho explico longamente as consequência lógicas e óbvias da proposta do Buda, faço comparações com idéias atuais e demarco bem o que não é e o que não pode ser consequência das idéias apresentadas por Buda, mas aqui, longe disso, pretendo ser bem mais sucinto nos meus comentários e manter o foco nas palavras dos suttas, que elas sejam o centro e a maior parte do texto.  Como os trechos dos suttas possuem elementos que contrastam muito com outros sistemas propostos na época e hoje (governar por idéias próprias, segundo o Buda) resolvi fazer, não um resumo do que apresento nele sobre isso, mas um resumo dos contrastes com alguns sistemas de "idéias próprias" que tem sido erradamente apresentados como sistemas que Buda certamente defenderia. Vejamos então aqui nestes dois suttas como contrasta o sistema apresentado por Buda de sistemas defendidos por pessoas (inclusive monges, lamas, professores) falsamente apresentados como sistemas que Buda defende ou defenderia.

Parte 1 - Um monarca que gira a roda

Digha Nikaya 26
 Cakkavatti-Sihanada Sutta
O Rugido do Leão ao Girar a Roda

2. “Certa vez, bhikkhus, houve um monarca chamado Dalhanemi que girou a roda, um monarca justo que governou de acordo com o Dhamma; conquistador dos quatro pontos cardeais, que estabeleceu a segurança no seu reino e que possuía os sete tesouros. Que são: a Roda Preciosa, o Elefante Precioso, o Cavalo Precioso, a Jóia Preciosa, a Mulher Preciosa, o Tesoureiro Precioso e como sétimo o Conselheiro Precioso. Ele tinha mais de mil filhos que eram corajosos e heroicos e que aniquilavam os exércitos inimigos. Ele governava tendo conquistado esta terra circundada pelo mar, sem bastão ou espada, através do Dhamma. Mas se ele deixasse a vida em família e seguisse a vida santa, então ele se tornaria um arahant, um Buda perfeitamente iluminado, aquele que remove o véu do mundo.

Este é o primeiro texto que sido citada em parte, distorcendo o contexto e traduzido omitindo palavras em novas "traduções" (na verdade novas versões, que longe de serem traduções literais ou mesmo transliterações não só traduzem certas palavras de forma diferente como também retiram algumas quando o sentido não lhes convém ao que pensam). Mas vamos prestar muita atenção a cada detalhe.

"Certa vez, bhikkhus, houve um monarca chamado Dalhanemi que girou a roda"

Girar a roda do dhamma não é algo que alguém faça por acaso, sabemos, alguém de uma rara capacidade é que pode fazer isso. E o que era essa pessoa? Um MONARCA, ou como em outras traduções em português, inglês e espanhol, um REI. Não era um presidente, não era um ditador, não era um conselho, não era nenhum tipo de ministro nem imperador (como outra tradução errônea também distorce colocando a palavra imperador, que é muito diferente do sentido da palavra rei), era um rei, monarca.

"um monarca justo que governou de acordo com o Dhamma"

Novamente a palavra monarca, só que não qualquer monarca, mas que é justo e que governou de acordo com o Dhamma, por isso mesmo é justo. Aqui não existe a mínima possibilidade em se falar de democracia, igualdade, justiça social ou qualquer outra concepção vazia. Ser justo é governar segundo um padrão, o do dhamma, e ponto final, como também veremos depois. Não se muda esse padrão, é um monarca justo que governa de acordo com o Dhamma, não se pergunta à população "o que vocês acham? Devemos governar de acordo com o dhamma ou vocês têm outra proposta?".

"conquistador dos quatro pontos cardeais"

Ele conquista, ele não se conforma a sua territorialidade ou nacionalidade. isso pode chocar alguns que pensam que Buda era um anarquista ou liberal "laissez-faire" do comportamento geral (deixe ser, deixe estar, "deixai fazer, deixai ir, deixai passar, o mundo vai por si mesmo").

"que estabeleceu a segurança no seu reino e que possuía os sete tesouros. Que são: a Roda Preciosa, o Elefante Precioso, o Cavalo Precioso, a Jóia Preciosa, a Mulher Preciosa, o Tesoureiro Precioso e como sétimo o Conselheiro Precioso"

Ele tem posses, ou bens, podemos fazer um pequena concessão aqui por falta de melhor palavra para esse tradutor, mas de qualquer forma ele tem, e entre o que ele tem se encontram tesouros, animais e uma mulher. Um rei, por definição possui, seja o tesouro, a moeda, a terra, ou tudo isso junto. A ideia de uma república ou democracia (de um governante apenas administrador) não parece contemplada aqui, mas a ideia de um monarca, um rei, está quase já completamente descrita, mesmo que se exclua maliciosamente a palavra do texto.

"Ele tinha mais de mil filhos que eram corajosos e heroicos e que aniquilavam os exércitos inimigos"

Mil filhos e soldados, certamente espantoso para os pacifistas budistas, pois que ANIQUILAVAM OS EXÉRCITOS INIMIGOS. Veja bem, ele não negociava, não convencia, não convertia os exércitos, ele aniquilava.

"Ele governava tendo conquistado esta terra circundada pelo mar, sem bastão ou espada, através do Dhamma"

Ele governa tendo conquistado pelo Dhamma, não pela espada, então quando aniquilava exércitos? Quando convencia a largar as armas dirão outros. Não, ele aniquilava quando falhavam as conversações, quando era atacado, quando em terra que governava surgiam revolucionários armados, obviamente ele os ANIQUILAVA. Se você é um rei e seu país é atacado sem aviso e sem negociação, você diz ao povo que se renda? Um rei que governa segundo o Dhamma aniquilava o inimigo. E expandia seu reinado e governava através do dhamma.

"Mas se ele deixasse a vida em família e seguisse a vida santa, então ele se tornaria um arahant, um Buda perfeitamente iluminado, aquele que remove o véu do mundo"

Ele estava pronto para ser um Buda, veja que aqui não está escrito apenas um arahant, mas um Buda, o que realmente acontece nesse história, como veremos e que é o padrão em outras história contadas pelo Buda. A seguir veremos características precisas desse monarca nos deveres de um monarca que gira a roda.