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quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Purificação da Mente

Lembremos que no caminho budista são indispensáveis o estudo, a meditação e a disciplina.
O Senhor Buda também enfatiza a importância do equilíbrio entre a concentração, a energia e a equanimidade para a realização dos jhanas, da visão clara e da destruição das impurezas. E os três primeiros fatores da iluminação são a atenção plena, a vigilância dos estados e o esforço... Amigos, antes de voltarmos aos suttas uma boa sugestão de Bhikkhu Bodhi...

Purificação da Mente

Por

Bhikkhu Bodhi

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Uma antiga máxima que é encontrada no Dhammapada resume a prática dos ensinamentos do Buda em três simples instruções: evitar todo o mal, cultivar o bem, purificar a própria mente. Esses três princípios formam uma seqüência graduada de passos iniciando com aquilo que é preparatório e externo e progredindo até aquilo que é essencial e interno. Cada passo conduz com naturalidade ao que segue, e a culminação dos três na purificação da mente torna claro que é aí que se encontra o núcleo da prática Budista.
A purificação da mente, da forma como é entendida nos ensinamentos do Buda, é perseverar no esforço para limpar a mente das impurezas, aquelas forças mentais sombrias e prejudiciais, que correm por baixo da superfície do fluxo da consciência, viciando o nosso pensamento, valores, atitudes e ações. As três principais impurezas são aquelas que o Buda denominou de as "raízes do mal" - cobiça, raiva e delusão - das quais emergem inúmeras ramificaçõões e variantes: ódio e crueldade, avareza e inveja, presunção e arrogância, hipocrisia e vaidade, toda a multiplicidade de entendimentos incorretos.
As atitudes contemporâneas não encaram com bons olhos as noções de impurezas e purificação e, à primeira vista, pode parecer um retrocesso que nos leva a um moralismo fora de época, talvez válido em uma época em que o pudor e o tabu dominavam, mas não para nós que representamos a vanguarda da modernidade emancipada. Sem dúvida, nem todos nos deliciamos com o gozo do materialismo grosseiro e muitos dentre nós buscamos a iluminação e elevação espiritual, só que nós as queremos sob certas condições e como herdeiros da nova liberdade acreditamos que elas devam ser obtidas através de uma busca desenfreada por diferentes experiências sem nenhuma necessidade em particular de introspecção, mudança pessoal ou autocontrole.
No entanto, nos ensinamentos do Buda o parâmetro da iluminação genuína se encontra exatamente na pureza da mente. O propósito de todo o insight e entendimento iluminado é o de libertar a mente das impurezas e Nibbana, o objetivo do ensinamento, é definido de forma clara como a libertação da cobiça, raiva e delusão. Sob a perspectiva do Dhamma as impurezas e a pureza não são meros postulados de um moralismo autoritário mas fatos reais e concretos, essenciais ao entendimento correto da situação humana no mundo.
Como fatos da experiência de vida, as impurezas e a pureza apresentam uma diferença fundamental tendo um significado crucial para aqueles que buscam libertar-se do sofrimento. Elas representam os dois pontos entre os quais o caminho da libertação se revela -- o primeiro é problemático e o ponto de partida, o último é a solução e o fim. O Buda declara que as impurezas se encontram na base de todo o sofrimento humano. Queimando internamente como luxúria e desejo, como raiva e ressentimento, elas destroem o coração, vidas, esperanças e civilizações e nos conduzem cegos e sedentos através dos ciclos de nascimento e morte. O Buda descreve as impurezas como amarras, grilhões, obstáculos e nós; por isso o caminho para o desatamento, soltura e libertação, para o desamarrar dos nós, é ao mesmo tempo uma disciplina dirigida à purificação interior.
O trabalho de purificação deve ser realizado no mesmo lugar em que as impurezas surgem, na própria mente e o método principal que o Dhamma oferece para purificar a mente é a meditação. A meditação, no treinamento Budista, não é nem uma busca pelo êxtase efusivo nem uma técnica de psicoterapia caseira, mas um método cuidadosamente planejado de desenvolvimento mental - preciso na teoria e eficiente na prática - para alcançar a pureza interior e a libertação espiritual. As principais ferramentas da meditação Budista são os fatores mentais saudáveis da energia, atenção plena, concentração e entendimento. Mas na prática sistemática da meditação eles são fortalecidos e conectados em um programa de auto purificação que tem como objetivo extirpar as raízes e as ramificações das impurezas para que nem mesmo o seu menor traço sutil possa restar.
Já que todos os estados impuros na mente nascem da ignorância que é a impureza mais profunda, a purificação final e última da mente é alcançada através da instrumentação da sabedoria, do conhecimento e visão das coisas como elas realmente são. A sabedoria, no entanto, não surge por mero acaso ou por boas intenções ocasionais, mas somente em uma mente purificada. Dessa forma para que a sabedoria seja desenvolvida e a purificação plena seja alcançada através da erradicação das impurezas, primeiro temos que criar um espaço, desenvolvendo uma purificação provisória da mente - uma purificação que embora temporária e vulnerável, é indispensável como uma base para que o insight libertador possa surgir.
Atingir essa purificação preparatória da mente começa com o desafio do auto entendimento. Para eliminar as impurezas precisamos primeiro aprender a conhecê-las, a detectá-las em ação infiltrando-se e dominando os nossos pensamentos de todos os dias e as nossas vidas. Por toda a eternidade temos agido baseado no impulso da cobiça, raiva e delusão e por isso o trabalho de auto purificação não pode ser executado de maneira apressada, em obediência à nossa demanda por resultados imediatos. A tarefa requer paciência, cuidado e persistência - e as claras instruções do Buda. Para cada impureza, o Buda com toda sua compaixão nos proporcionou o antídoto, o método para escapar dela e vencê-la. Aprendendo esses princípios e aplicando-os de maneira adequada podemos gradualmente fazer desaparecer aquelas impurezas interiores mais persistentes e alcançar o fim do sofrimento, a "libertação imaculada da mente."


Revisado: 10 Novembro 2000
Copyright © 2000 - 2010, Acesso ao Insight - Michael Beisert: editor, Flávio Maia: designer.

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Os Benefícios da Meditação Andando

Por
Sayadaw U Silananda
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Nos nossos retiros de meditação, os iogues praticam a atenção plena em quatro posturas distintas. Eles praticam a atenção plena ao caminhar, em pé, sentados e quando se deitam. Eles precisam manter a atenção plena em todos os momentos em qualquer postura que estejam. A postura mais comum para a meditação da atenção plena é sentado com as pernas cruzadas, mas como o corpo humano não é capaz de tolerar essa posição por muitas horas, nós alternamos períodos de meditação sentada com períodos de meditação andando. Visto que a meditação andando é muito importante, eu gostaria de discutir a sua natureza, sua importância e os benefícios derivados da sua prática.
A prática da meditação da atenção plena pode ser comparada com o ato de ferver água. Se alguém quer ferver água, primeiro coloca a água na chaleira. Coloca a chaleira sobre o queimador do fogão e depois acende o fogo. Mas se a chama for apagada, mesmo que seja apenas por um instante, a água não irá ferver, mesmo que a chama seja acesa novamente mais tarde. Se a pessoa ficar acendendo e apagando a chama o tempo todo, a água nunca irá ferver. Da mesma forma, se existem intervalos entre os momentos de atenção plena, a pessoa não obterá impulsão e assim não obterá a concentração. É por isso que os iogues nos nossos retiros são instruídos a praticar a atenção plena durante todo o tempo em que estejam despertos, do momento em que acordem pela manhã até quando adormeçam à noite. Por conseguinte, a meditação andando é parte integral do processo contínuo do desenvolvimento da atenção plena.
Infelizmente, tenho ouvido pessoas criticarem a meditação andando, argumentando que elas não conseguem obter dela nenhum benefício ou resultado. Mas foi o próprio Buda quem pela primeira vez ensinou a meditação andando. No Discurso dos Fundamentos da Atenção Plena, o Buda ensinou a meditação andando duas vezes. Na seção intitulada “Posturas,” ele disse que um bhikkhu sabe “Eu estou andando” quando ele está andando, sabe “Eu estou em pé” quando está em pé, sabe “Eu estou sentado”quando está sentado e sabe “Eu estou deitado” quando está deitado. Em uma outra seção chamada “Plena Consciência,” o Buda disse, “um bhikkhu age com plena consciência quando vai para a frente e quando retorna.” Plena Consciência significa o correto entendimento daquilo que é observado. Para entender corretamente aquilo que é observado um iogue necessita obter concentração e para obter concentração, ele precisa aplicar a atenção plena. Portanto, quando o Buda disse, “Bhikkhus, empreguem a plena consciência,” precisamos entender que não somente a plena consciência deve ser empregada, mas também a atenção plena e a concentração. Dessa forma o Buda estava instruindo os meditadores a empregar a atenção plena, a concentração e a plena consciência ao caminhar, ao “ir para a frente e retornar.” A meditação andando é portanto uma parte importante desse processo.
Embora não esteja registrado no sutta que o Buda tenha dado instruções detalhadas e específicas para a meditação andando, acreditamos que ele deva ter dado essas instruções em algum momento. Essas instruções devem ter sido aprendidas pelos seus discípulos e transmitidas ao longo de sucessivas gerações. Além disso, os mestres dos tempos antigos devem ter formulado instruções baseadas na sua própria prática. Na atualidade, temos um conjunto detalhado de instruções sobre como praticar a meditação andando.
Falemos agora especificamente sobre a prática da meditação andando. Se você for um iniciante, o mestre poderá instruí-lo a colocar a atenção plena em apenas uma coisa durante a prática da meditação andando: estar plenamente atento ao ato de dar o passo e ao mesmo tempo fazendo silenciosamente uma notação mental, “andando, andando, andando,” ou “esquerdo, direito, esquerdo, direito.” Você deveria caminhar num ritmo abaixo do normal durante essa prática.
Após algumas horas, ou após um dia ou dois de meditação, você poderá ser instruído para colocar a atenção plena em dois eventos: (i) dar o passo e (ii) abaixar o pé, ao mesmo tempo fazendo a notação mental “andando, abaixando.” Você deverá tentar ficar atento a dois estágios no processo de caminhar: “dar o passo, abaixar; dar o passo, abaixar.” Mais tarde, você poderá ser instruído para colocar a atenção plena em três estágios: (i) levantar o pé; (ii) mover ou empurrar o pé para a frente; e (iii) abaixar o pé. Mais tarde ainda, você poderá ser instruído para colocar a atenção plena em quatro estágios de cada passo: (i) levantar o pé; (ii) movê-lo para a frente; (iii) abaixá-lo; e (iv) tocar ou pressionar o pé no chão. Você será instruído para estar completamente atento e para fazer uma notação mental desses quatro estágios do movimento do pé: “levantar, mover para a frente, abaixar, pressionar o chão.”
No início os iogues acham difícil andar mais devagar, mas como eles são instruídos a prestar bastante atenção a todos os movimentos envolvidos, e assim que eles realmente passem a prestar cada vez mais atenção, eles automaticamente desaceleram. Eles não precisam ser compelidos a desacelerar, pois à medida que eles prestem mais atenção, andar mais devagar lhes ocorre de forma automática. Ao dirigir numa auto estrada, uma pessoa pode estar andando a cem ou cento e dez ou cento e vinte km por hora. Andando nessa velocidade ela não será capaz de ler alguns dos sinais na estrada. Se a pessoa quiser ler os sinais, terá que reduzir a velocidade. Ninguém precisa dizer, “Desacelere!” o motorista irá reduzir a velocidade de forma automática para poder ler os sinais. Da mesma forma, se os iogues quiserem prestar mais atenção aos movimentos de levantar, mover para a frente, abaixar e pressionar o solo, eles irão desacelerar de forma automática. Somente quando eles diminuírem a velocidade poderão estar verdadeiramente atentos e plenamente conscientes desses movimentos.
Embora os iogues prestem bastante atenção e reduzam a velocidade, pode ser que eles não vejam todos os movimentos e estágios com clareza. Os estágios podem não estar ainda bem definidos na mente e pode parecer que eles constituam apenas um movimento contínuo. À medida que a concentração for se tornando mais firme, os iogues irão observar cada vez com mais clareza os diferentes estágios em cada passo; pelo menos os quatro estágios serão distinguidos com mais facilidade. Os iogues saberão com clareza que o movimento de levantar não está misturado com o movimento de levar adiante, e eles saberão que o movimento de levar adiante não está misturado como o movimento de levantar nem com o movimento de pressionar. Eles compreenderão todos os movimentos com clareza e nitidez. Tudo aquilo que tiver sido alvo da atenção plena e consciência estará bastante nítido nas suas mentes.
À medida que os iogues continuam com a prática, eles passarão a observar muito mais. Quando levantarem o pé, experimentarão a leveza do pé. Quando empurrarem o pé para frente, irão notar o movimento de um lugar para outro. Quando abaixarem o pé, eles sentirão o peso do pé, porque o pé fica cada vez mais pesado à medida que desce. Quando eles colocarem o pé no chão, sentirão o toque do calcanhar no chão. Então, junto com a observação de levantar, mover adiante, abaixar e pressionar o chão, os iogues também perceberão a leveza do pé sendo levantado, o movimento do pé, o peso do pé sendo baixado e depois o toque no pé, que é a suavidade ou dureza do pé no chão. Quando os iogues percebem esses processos, ele estão percebendo os quatro elementos essenciais (em Pali, dhatu). Os quatro elementos essenciais são: o elemento terra, o elemento água, o elemento fogo e o elemento ar. Ao prestar bastante atenção a esses quatro estágios da meditação andando, os quatro elementos na sua verdadeira essência são percebidos, não como meros conceitos, mas como processos verdadeiros, como realidades últimas.
Analisemos um pouco mais em detalhe as características dos elementos na meditação andando. No primeiro movimento, levantar o pé, os iogues percebem a leveza, e ao perceber a leveza eles em essência percebem o elemento fogo. Um aspecto do elemento fogo é fazer com que as coisas fiquem mais leves e quando as coisas ficam mais leves, elas sobem. Na percepção da leveza no movimento ascendente do pé, os iogues percebem a essência do elemento fogo. Mas no levantar o pé existe também, além da leveza, movimento. Movimento é um aspecto do elemento ar. Mas a leveza, o elemento fogo, é dominante, portanto podemos dizer que no estágio de levantar o pé o elemento fogo é o primário e o elemento ar, o secundário. Esses dois elementos são percebidos pelos iogues ao prestar bastante atenção ao movimento de levantar o pé.
O próximo estágio é mover o pé para a frente. Ao mover o pé para a frente, o elemento dominante é o elemento ar, porque o movimento é uma das principais características do elemento ar. Portanto, ao prestar bastante atenção ao movimento do pé para a frente na meditação andando, os iogues estão na prática percebendo a essência do elemento ar.
O próximo estágio é o movimento de abaixar o pé. Quando os iogues abaixam o pé existe uma espécie de peso no pé. Peso é uma característica do elemento água, tal como gotejar e ressumar. Quando um líquido é denso, ele ressuma. Portanto quando os iogues percebem o peso do pé, eles percebem a essência do elemento água.
Ao pressionar o pé no chão, os iogues perceberão a dureza ou suavidade do pé no chão. Isso pertence à natureza do elemento terra. Ao prestar bastante atenção à pressão do pé contra o chão, os iogues irão na prática perceber a natureza do elemento terra.
Portanto, vemos que em apenas um passo os iogues podem perceber muitos processos. Eles podem perceber os quatro elementos e a natureza dos quatro elementos. Somente aqueles que praticam podem ter a esperança de ver essas coisas.
À medida que os iogues continuam praticando a meditação andando, eles irão compreender que com cada movimento existe também a mente que registra, a consciência do movimento. Ocorre o movimento de levantar e também a mente que tem consciência desse movimento de levantar. No momento seguinte, existe o movimento para a frente e também a mente que tem consciência desse movimento. Além disso, os iogues irão compreender que ambos, o movimento e a consciência, surgem e desaparecem naquele momento. No momento seguinte, existe o movimento de abaixar e também a consciência desse movimento, e ambos surgem e desaparecem naquele momento de colocar o pé no chão. O mesmo processo ocorre com o pressionar do pé: existe o pressionar e a consciência do pressionar. Dessa forma, os iogues compreendem que junto com os movimentos do pé, também existem os momentos da consciência. Os momentos da consciência são chamados em Pali, nama, mente, e o movimento do pé é chamado rupa, matéria. Dessa forma os iogues percebem a mente e a matéria surgindo e desaparecendo em cada momento. Em um momento ocorre o levantar do pé e a consciência de levantar, e no momento seguinte existe o movimento para a frente e a consciência desse movimento e assim por diante. Eles podem ser compreendidos como um par, mente e matéria, que surgem e desaparecem a cada momento. Assim os iogues avançam para a percepção da ocorrência combinada da mente e matéria em cada momento de observação, isto é, se eles prestarem bastante atenção.
Outra coisa que os iogues irão descobrir é o papel da intenção ao efetuar cada movimento. Eles compreenderão que levantam o pé porque querem fazer isso, movem o pé para diante porque querem fazer isso, abaixam o pé porque querem fazer isso, pressionam o pé no chão porque querem fazer isso. Isto é, eles compreendem que a intenção precede cada movimento. Depois da intenção de levantar, ocorre o levantamento. Eles passam a entender a condicionalidade de todas essas ocorrências – esses movimentos nunca ocorrem por si mesmos, sem condições. Esses movimentos não são criados por alguma divindade ou autoridade e esses movimentos nunca ocorrem sem uma causa. Existe uma causa ou condição para cada movimento, e essa condição é a intenção que precede cada movimento. Essa é mais uma descoberta que os iogues realizam se prestarem bastante atenção.
Quando os iogues compreenderem a condicionalidade de todos os movimentos, e que esses movimentos não são criados por nenhuma autoridade ou deus, então eles compreenderão que os movimentos são criados pela intenção. Eles compreenderão que a intenção é a condição para que o movimento ocorra. Dessa forma a relação entre o condicionamento e o condicionado, de causa e efeito, será compreendida. Com base nessa compreensão os iogues podem remover a dúvida sobre nama e rupa ao compreender que nama e rupa não surgem sem condições. Com o claro entendimento da condicionalidade das coisas e com a transcendência da dúvida sobre nama e rupa, se diz que o iogue alcançou o estágio de um “pequeno sotapanna. "
Um sotapanna é aquele “que entrou na correnteza,” uma pessoa que alcançou o primeiro nível de iluminação. Um “pequeno sotapanna" não é um verdadeiro sotapanna mas se diz que ele tem assegurado o renascimento em um plano de existência feliz, tal como os reinos dos seres humanos e devas. Isto é, um pequeno sotapanna não renasce num dos estados miseráveis, num dos reinos animais ou do inferno. Esse estado de pequeno sotapanna pode ser alcançado através da prática da meditação andando, prestando bastante atenção aos movimentos envolvidos em um passo. Esse é o grande benefício da prática de meditação andando. Esse estágio não é fácil de ser alcançado, mas uma vez que os iogues o alcancem, eles terão a garantia de renascer em um destino feliz, exceto, é claro, se eles decaírem desse estágio.
Quando os iogues compreenderem a mente e a matéria surgindo e desaparecendo a cada momento, eles irão então compreender a impermanência do processo de levantar o pé e eles também compreenderão a impermanência da consciência desse movimento. A ocorrência do desaparecimento após o surgimento é uma marca ou característica pela qual compreendemos que algo é impermanente. Se queremos determinar se algo é impermanente ou permanente, devemos tentar ver, através do poder da meditação, se aquela coisa está ou não sujeita ao processo de vir a ser e depois desaparecer. Se a nossa meditação for suficientemente poderosa para nos permitir ver o surgimento e desaparecimento dos fenômenos, então podemos concluir que os fenômenos observados são impermanentes. Dessa forma, os iogues observam que existe o movimento de levantar e a consciência desse movimento, e depois essa seqüência desaparece dando origem ao movimento de empurrar para a frente e a consciência de empurrar para a frente. Esses movimentos simplesmente surgem e desaparecem, surgem e desaparecem, e os iogues podem compreender esse processo por si mesmos – eles não precisam aceitar isso baseados na confiança em alguma autoridade externa, nem precisam acreditar na naquilo que uma outra pessoa possa lhe dizer.
Quando os iogues compreendem que a mente e a matéria surgem e desaparecem, eles compreendem que a mente e a matéria são impermanentes. Quando eles vêm que elas são impermanentes, em seguida eles compreendem que elas são insatisfatórias porque estão sempre oprimidas pelo constante surgimento e desaparecimento. Após compreender a natureza impermanente e insatisfatória das coisas, eles observam que não é possível ter o domínio sobre essas coisas; isto, é, os iogues compreendem que não existe um eu ou alma interna que possa fazer com que elas sejam permanentes. As coisas simplesmente surgem e desaparecem de acordo com a lei da natureza. Ao compreender isso, os iogues compreendem a terceira característica dos fenômenos condicionados, a característica de anatta, a característica que mostra que as coisas não possuem um eu. Um dos significados de anatta é o não domínio – significando que nada, nenhuma entidade, nenhuma alma, nenhum poder tem domínio sobre a natureza das coisas. Assim, a esta altura, os iogues compreenderam as três características de todos os fenômenos condicionados: impermanência, sofrimento e o não eu - em Pali, anicca, dukkha, e anatta.
Os iogues podem compreender essas três características observando atentamente o mero levantar do pé e a consciência do levantamento do pé. Ao prestar bastante atenção aos movimentos eles podem ver as coisas surgindo e desaparecendo, e por conseguinte podem ver por si mesmos a natureza impermanente, insatisfatória e não eu de todos os fenômenos condicionados.
Examinemos agora em mais detalhe os movimentos da meditação andando. Suponham que se filmasse o levantamento do pé. Suponham também que o levantamento do pé demorasse um segundo e digamos que a câmera filma trinta e seis quadros por segundo. Depois de filmar, se olharmos os quadros separados, nos daremos conta que dentro do que pensávamos ser um movimento de levantar, houve na verdade trinta e seis movimentos. A imagem em cada quadro é ligeiramente distinta das imagens dos demais quadros, embora a diferença seja tão sutil que mal possa ser notada. Mas e se a câmera pudesse filmar mil quadros por segundo? Então haveriam mil movimentos em apenas um movimento de levantar, embora fosse quase impossível diferenciar os movimentos. Se a câmera pudesse filmar um milhão de quadros por segundo – que é impossível na atualidade, mas que talvez algum dia seja – então haveria um milhão de movimentos naquilo que pensávamos ser apenas um movimento.
Nosso esforço na meditação andando é de ver os nossos movimentos com a mesma precisão com a qual a câmera os vê, quadro a quadro. Também queremos observar a consciência e a intenção que precede cada movimento. Também podemos apreciar o poder da sabedoria e insight do Buda, por meio dos quais ele, na verdade, viu todos os movimentos. Quando usamos a palavra “ver” ou “observar” para nos referirmos à nossa própria situação, queremos dizer que vemos diretamente e também por inferência; talvez não sejamos capazes de ver diretamente todos os milhões de movimentos tal como o Buda.
Antes que os iogues comecem a praticar a meditação andando, eles talvez pensem que um passo é apenas um movimento. Após meditar sobre esse movimento, eles observam que existem pelo menos quatro movimentos, e se eles se aprofundarem, irão compreender que mesmo um desses quatro movimentos consiste de milhões de movimentos muito pequenos. Eles vêm nama e rupa, mente e matéria, surgindo e desaparecendo, como impermanentes. Através da nossa percepção comum, não somos capazes de ver a impermanência das coisas porque a impermanência está escondida pela ilusão da continuidade. Pensamos que vemos apenas um movimento contínuo, mas se olharmos com cuidado veremos que a ilusão da continuidade pode ser rompida. Pode ser rompida através da observação direta dos fenômenos físicos parte por parte, segmento por segmento, como eles se originam e se desintegram. O valor da meditação está na nossa habilidade em remover o manto da continuidade de forma a descobrir a verdadeira natureza da impermanência. Os iogues podem descobrir a natureza da impermanência diretamente, através do seu próprio esforço.
Depois de compreender que as coisas são compostas de segmentos, de que elas ocorrem em partes e depois de observar esses segmentos um a um, os iogues irão compreender que realmente não existe nada neste mundo a que se apegar, nada a cobiçar. Se virmos algo, que um dia consideramos belo, com falhas, decaindo e desintegrando, perderemos interesse por ele. Por exemplo, podemos ver um bela pintura numa tela. Pensamos na pintura e na tela conceitualmente como um todo, uma coisa sólida. Mas se colocássemos a pintura sob um microscópio poderoso, veríamos que a pintura não é sólida – ela possui muitos buracos e espaços. Depois de ver que a pintura está composta em grande parte por espaços, perderíamos interesse por ela e abandonaríamos o nosso apego por ela. Os físicos modernos conhecem bem essa idéia. Eles observaram, através de instrumentos poderosos, que a matéria não passa de partículas vibrando e energia em constante mutação – não existe nada de sólido nela. Compreendendo essa impermanência sem fim, os iogues compreendem que não existe realmente nada que cobiçar, nada que se apegar em todo o mundo dos fenômenos.
Agora podemos compreender as razões para a prática da meditação. Praticamos meditação porque queremos remover o apego e a cobiça pelos objetos. É compreendendo as três características da existência – impermanência, sofrimento e o não eu – que removemos a cobiça. Queremos remover a cobiça porque queremos deixar de sofrer. Enquanto existir a cobiça e o apego haverá sempre o sofrimento. Se não quisermos sofrer, precisamos remover a cobiça e o apego. Precisamos compreender que todas as coisas são apenas mente e matéria surgindo e desaparecendo, que as coisas não possuem substância. Uma vez que compreendamos isso, seremos capazes de remover o nosso apego às coisas. Enquanto não compreendermos isso, não importa quantos livros leiamos, ou palestras ouçamos, ou o quanto falemos a respeito da remoção do apego, não seremos capazes de remover o apego. É necessário ter a experiência direta de que todas as coisas condicionadas possuem as marcas das três características.
Portanto precisamos prestar bastante atenção quando estamos caminhando, igual quando estivermos sentados ou deitados. Não estou dizendo que apenas a meditação andando possa nos proporcionar a realização última e a habilidade para remover o apego completamente, mas ela é uma prática válida tal como a meditação sentada ou qualquer outro tipo de meditação vipassana (insight). A meditação andando conduz ao desenvolvimento espiritual. É tão poderosa quanto a atenção plena na respiração ou a atenção plena na expansão e contração do abdomen. É uma ferramenta eficiente para nos auxiliar na remoção das impurezas mentais. A meditação andando pode nos ajudar a obter o insight da natureza das coisas, e por isso deveríamos praticá-la com a mesma diligência com que praticamos a meditação sentada ou qualquer outro tipo de meditação.
Que vocês, através da prática da meditação vipassana em todas as posturas, incluindo andando, possam alcançar a completa purificação nesta mesma vida!


sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Instruções básicas para começar a meditar

Instruções básicas para começar a meditar
Posição
Na meditação sentada o mais importante é manter a coluna ereta sem esforço, isto é, não deve haver nenhuma tensão para mantê-la assim, ela deve estar em ponto de equilíbrio e não sustentada por contração muscular. Diz-se que suas vértebras devem estar equilibradas como uma pilha de moedas. Para isso pode-se usar a posição de lótus ou meio lótus, ou uma cadeira ou um banquinho especial, em todos com exceção do banquinho que já tem uma inclinação apropriada é importante ter um apoio que empurre o corpo para frente equilibrando exatamente a força com que as pernas o empurram para trás. É fácil conseguir isso dobrando uma almofada e colocando esta ou qualquer outro apoio confortável exatamente sob a base do sacro. As mãos podem acompanhar a posição do lótus ou simplesmente relaxar sobre as pernas numa posição que não tencione os braços nem os ombros. O importante sobre elas é que fiquem numa posição que permitam os ombros não arquearem para frente, mas sim ficarem um pouco para trás relaxados, sem contração permitindo uma respiração natural e ampla. Para isso é melhor que as palmas fiquem para cima cruzadas uma sobre a outra junto ao abdômen (tradicionalmente os budistas usam a direita sobre a esquerda e os polegares se tocando levemente).
Concentração na respiração
Podemos voltar nossa atenção para a sensação provocada pela entrada e pela saída do ar nas narinas ou um pouco abaixo delas ou mesmo no lábio superior. A respiração deve ser natural e a concentração também isto é não demais forçada, rígida, contraída, nem negligente, relaxada demais. Pode-se dizer que dividimos a força da atenção: aproximadamente 50% dela sempre na respiração, distrações vão ocorrer, assim que as percebermos nos damos conta delas e voltamos à respiração, sem conflito, angustia, nem tensão alguma; aproximadamente 25% se ocupa das funções corporais: corrigindo a postura e abandonando as tenções; notando as sensações físicas e se elas causam prazer, desprazer ou se são neutras; notando a temperatura, os movimentos, os reflexos, os batimentos do coração, etc. O restante se ocupa com o que ocorrer na mente e nas formações mentais simplesmente notando o que está acontecendo.
Vigilância do que ocorre
Geralmente correm pensamentos, emoções, lembranças, imaginação, sono ou sonhos, desejos, gostar ou desgostar, ansiedade, dispersão, etc. Mas não acompanhamos tais manifestações, simplesmente notamos seu aparecimento e observamos, se possível, seu surgimento, seu desenvolvimento e seu fim ou sua ausência, sem nos identificarmos com elas.
Atitude de não seguir, soltar e sempre retornar
Ao surgirem tais fenômenos em nossa mente devemos estar atentos à sua manifestação e observamos seu aparecimento, desenvolvimento e desaparecimento, sem agarrá-las, sem acompanhá-las, sem segui-las, mas sempre soltando, abandonando, deixando irem-se e retornando à respiração. A concentração estável na respiração é o que proporcionará ver mais claramente essas manifestações, funções e tudo que ocorrer. Por isso devemos vigiar para não desviar a maior porcentagem da atenção para elas, mas manter a atenção na respiração.

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Com o Pensamento Aplicado e Sustentado

O budismo é também um caminho de destruição?

Samyutta Nikaya XLIII.3
Savitakkasavicara Sutta
Com o Pensamento Aplicado e Sustentado
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Em Savatthi. “Bhikkhus, eu ensinarei para vocês o incondicionado e o caminho que conduz ao incondicionado. Ouçam e prestem muita atenção àquilo que eu vou dizer.” – “Sim, venerável senhor,” os bhikkhus responderam. O Abençoado disse o seguinte:
“E o que, bhikkhus, é o incondicionado? A destruição da cobiça, a destruição da raiva, a destruição da delusão: isso é chamado de incondicionado.
“E qual, bhikkhus, é o caminho que conduz ao incondicionado? Concentração com o pensamento aplicado e sustentado; concentração sem o pensamento aplicado, só o sustentado; concentração sem o pensamento aplicado e sustentado: [1] isso é chamado o caminho que conduz ao incondicionado.
“Portanto, bhikkhus, eu ensinei para vocês o incondicionado e o caminho que conduz ao incondicionado. Aquilo que por compaixão um Mestre deveria fazer para os seus discípulos, desejando o bem-estar deles, isso eu fiz por vocês, bhikkhus. Ali estão aquelas árvores, aquelas cabanas vazias. Meditem, bhikkhus, não adiem, ou então vocês se arrependerão mais tarde. Essa é a nossa instrução para vocês."

Nota:[1] Essa tríade de concentrações aparece em outros suttas nos nikayas (veja por exemplo o AN VIII.63 e MN 128). Uma concentração sem o pensamento aplicado e com o pensamento sustentado não se encaixa dentro da sequência familiar de quatro jhanas, na qual o primeiro jhana inclui ambos o pensamento aplicado e sustentado e o segundo jhana exclui ambos. Para reconciliar os dois esquemas o Abhidhamma complementa o esquema de quatro jhanas com uma sequência de cinco jhanas em que o segundo jhana não tem o pensamento aplicado apenas o sustentado e o terceiro jhana corresponde ao segundo jhana no esquema de quatro jhanas.