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domingo, 18 de novembro de 2012

Buda alquimista?


Quando alguns buscadores foram para o oriente e voltaram criando escolas iniciáticas, alguns trataram da arte da alquimia. Haviam distintas alquimias, de acordo com o que eles encontraram lá. E dessas ainda surgiram muitas derivações no ocidente. Com o passar do tempo surgiram dois tipos radicais de interpretação dos segredos alquímicos, um tipo materialista ou fisiologista que fala de transformações físicas, energias, construção de corpos, etc.; outra que fala de transformações psicológicas, realizações metais, imateriais. Há um meio termo... O sincero buscador que não se contentar com o ouvir dizer e buscar as fontes originais estará mais próximo de uma interpretação real do que os novos praticantes das derivações atuais. Aqui apresentamos a nossa vertente, Buda também usa o simbolismo do ouro e de sua obtenção para descrever o processo de purificação e Iluminação. O texto do cânone pali registra um discurso do Buda, que podemos entender como sua alquimia espiritual e os resultados que ela proporciona.

A ALQUIMIA DE BUDA

      Anguttara Nikkaya III.100
Parisudhovaka Sutta
Purificação
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“Bhikkhus, misturado com as pepitas de ouro há impurezas grosseiras tais como a terra e a areia, cascalho e brita. Então, o ourives ou o seu aprendiz primeiro coloca o ouro numa peneira e o lava, enxagua e limpa completamente. Tendo feito isso ainda permanecem misturadas com o ouro impurezas médias tais como brita fina e areia grossa. Então, o ourives ou o seu aprendiz novamente lava e enxagua o ouro. Tendo feito isso ainda permanecem misturadas com o ouro impurezas minúsculas, tais como areia fina e pó negro. Então, o ourives ou seu aprendiz repete a lavagem e depois apenas restam as pepitas de ouro.
“Ele então coloca o ouro num cadinho, derrete e funde o ouro. Mas ele ainda não derrama o cadinho pois as escórias ainda não foram completamente removidas e devido a isso o ouro nem é maleável, nem manuseável e tampouco luminoso, mas quebradiço e sem as condições apropriadas para ser trabalhado. Mas haverá um momento no qual o ourives ou o seu aprendiz repetindo o derretimento e fundição do ouro remove completamente as escórias. O ouro agora estará maleável, manuseável e luminoso, e com as condições apropriadas para ser trabalhado. Qualquer ornamento que o ourives queira fazer, quer seja uma diadema, brincos, um colar ou uma corrente, o ouro poderá agora ser usado para esse fim.
“De modo semelhante, bhikkhus, ocorre com um bhikkhu dedicado ao treinamento da mente superior: há nele impurezas grosseiras, isto é, conduta imprópria com o corpo, conduta imprópria com a linguagem e conduta imprópria com a mente. Essa conduta é abandonada, dissipada, eliminada e abolida por um bhikkhu que é ardente e capaz.
“Tendo abandonado isso, ainda há impurezas médias apegadas a ele, isto é, pensamentos de sensualidade, pensamentos de má vontade, pensamentos de crueldade. Esses pensamentos são abandonados, dissipados, eliminados e abolidos por um bhikkhu que é ardente e capaz. [1]
“Tendo abandonado isso, ainda há impurezas minúsculas apegadas a ele, isto é, pensamentos sobre a sua família e parentes, a sua terra natal e a sua reputação. Esses pensamentos são abandonados, dissipados, eliminados e abolidos por um bhikkhu que é ardente e capaz.
“Tendo abandonado isso, permanecem os pensamentos sobre o dhamma. [2] A concentração não é ainda pacífica e sublime, a completa tranqüilidade não foi alcançada, nem a completa unificação da mente foi alcançada; a concentração é mantida através da supressão laboriosa das contaminações.
“Mas haverá um momento no qual a mente dele se firma no interior, se estabiliza e se torna concentrada e unificada. Essa concentração é calma e refinada, alcançando a completa tranqüilidade e realizando a unificação mental; essa concentração não é mantida através da supressão laboriosa das contaminações.
Então, ele dirige a sua mente para qualquer estado que possa ser compreendido através do conhecimento direto, ele obtém a capacidade de compreender esse estado através do conhecimento direto, sempre que as condições necessárias estiverem presentes.[ 3]
Se ele desejar: “Que eu exerça os vários tipos de poderes supra-humanos: tendo sido um, me torne vários; tendo sido vários, me torne um; apareça e desapareça; cruze sem nenhum problema uma parede, um cercado, uma montanha ou através do espaço; mergulhe e saia da terra como se fosse água; caminhe sobre a água sem afundar como se fosse terra; sentado de pernas cruzadas cruze o espaço como se fosse um pássaro; com a minha mão toque e acaricie a lua e o sol tão forte e poderoso; exerça poderes corporais até mesmo nos distantes mundos de Brahma,” ele obtém a capacidade de compreender esse estado através do conhecimento direto, sempre que as condições necessárias estiverem presentes.
Se ele desejar: “Com o elemento do ouvido divino, que é purificado e ultrapassa o humano, que eu ouça ambos tipos de sons, os divinos e os humanos, aqueles distantes bem como os próximos,” ele obtém a capacidade de compreender esse estado através do conhecimento direto, sempre que as condições necessárias estiverem presentes.
Se ele desejar: “Que eu compreenda as mentes de outros seres, de outras pessoas, abarcando-as com a minha própria mente. Ele compreende uma mente afetada pelo desejo como afetada pelo desejo e uma mente não afetada pelo desejo como não afetada pelo desejo; Ele compreende uma mente afetada pela raiva como afetada pela raiva e uma mente não afetada pela raiva como não afetada pela raiva; Ele compreende uma mente afetada pela delusão como afetada pela delusão e uma mente não afetada pela delusão como não afetada pela delusão; Ele compreende uma mente contraída como contraída e uma mente distraída como distraída; Ele compreende uma mente transcendente como transcendente e uma mente não transcendente como não transcendente; Ele compreende uma mente superável como superável e uma mente não superável como não superável; Ele compreende uma mente concentrada como concentrada e uma mente não concentrada como não concentrada; Ele compreende uma mente libertada como libertada e uma mente não libertada como não libertada,” ele obtém a capacidade de compreender esse estado através do conhecimento direto, sempre que as condições necessárias estiverem presentes.
Se ele desejar: “Que eu me recorde das suas muitas vidas passadas, isto é, um nascimento, dois nascimentos, três nascimentos, quatro, cinco, dez, vinte, trinta, quarenta, cinqüenta, cem, mil, cem mil, muitos ciclos cósmicos de contração, muitos ciclos cósmicos de expansão, muitos ciclos cósmicos de contração e expansão, ‘Lá eu tinha tal nome, pertencia a tal clã, tinha tal aparência. Assim era o meu alimento, assim era a minha experiência de prazer e dor, assim foi o fim da minha vida. Falecendo daquele estado, eu ressurgi ali. Ali eu também tinha tal nome, pertencia a tal clã, tinha tal aparência. Assim era o meu alimento, assim era a minha experiência de prazer e dor, assim foi o fim da minha vida. Falecendo daquele estado, eu ressurgi aqui.’ Assim ele se recorda das suas muitas vidas passadas nos seus modos e detalhes,” ele obtém a capacidade de compreender esse estado através do conhecimento direto, sempre que as condições necessárias estiverem presentes.
Se ele desejar: “Que eu, por meio do olho divino, que é purificado e ultrapassa o humano, veja seres falecendo e renascendo, inferiores e superiores, bonitos e feios, afortunados e desafortunados. Ele compreende como os seres prosseguem de acordo com as suas ações desta forma: ‘Esses seres – dotados de má conduta com o corpo, linguagem e mente, que insultam os nobres, com o entendimento incorreto e realizando ações sob a influência do entendimento incorreto – com a dissolução do corpo, após a morte, renasceram no plano de privação, um destino ruim, os planos inferiores, no inferno. Porém estes seres - dotados de boa conduta com o corpo, linguagem e mente, que não insultam os nobres, com o entendimento correto e realizando ações sob a influência do entendimento correto – com a dissolução do corpo, após a morte, renasceram num destino feliz, no paraíso.’ Dessa forma - por meio do olho divino, que é purificado e ultrapassa o humano, ele vê seres falecendo e renascendo, inferiores e superiores, bonitos e feios, afortunados e desafortunados, e ele compreende como os seres prosseguem de acordo com as suas ações,” ele obtém a capacidade de compreender esse estado através do conhecimento direto, sempre que as condições necessárias estiverem presentes.
Se ele desejar: “Que eu, realizando por mim mesmo através do conhecimento direto aqui e agora, entre e permaneça na libertação da mente e libertação através da sabedoria que são imaculadas com a destruição de todas as impurezas,” ele obtém a capacidade de compreender esse estado através do conhecimento direto, sempre que as condições necessárias estiverem presentes.



Notas:
[1] Kamavitakka, byapadavitakka, vihimsavitakka. Os três tipos de pensamento prejudicial que podem ser superados através dos dois elementos do nobre caminho óctuplo: pensamento correto e esforço correto. [Retorna]
[2] Dhammavitakka De acordo com AA isto se refere às dez corrupções do insight descritas no Vsm XX, 105-28. É possível no entanto entender dhammavitakka simplesmente como a investigação dos fenômenos. [Retorna]
[3] Ajaan Brahmavamso no seu livro Mindfulness, Bliss, and Beyond diz o seguinte: O estado que imediatamente antecede o primeiro jhana é chamado de concentração de acesso, upacara samadhi. Esse estado é experimentado como a habilidade para permanecer sem esforço durante muito tempo com o belo e tranqüilo sinal da meditação, (nimitta). Nessa situação os cinco obstáculos foram suprimidos. No entanto, o upacara samadhi que antecede os jhanas é notoriamente mais instável do que aquele que ocorre depois da experiência dos jhanas. É uma situação na qual os obstáculos podem com facilidade voltar à tona, porque eles foram suprimidos apenas recentemente e ligeiramente. Se o meditador tentar contemplar o Dhamma nesse momento, o upacara samadhi será perdido e os obstáculos irão retornar. Por isso que o Buda disse neste sutta que contemplar o Dhamma nesse momento é um obstáculo e isso não deve ser feito. A contemplação do Dhamma deve ocorrer após emergir dos jhanas quando upacara samadhi é mais estável e duradouro. Veja também o MN 68. As “condições necessárias” mencionadas no sutta se referem à maestria do quarto jhana. [Retorna]
Veja também o AN III.101.

http://www.acessoaoinsight.net/sutta/ANIII.100.php

sábado, 20 de outubro de 2012

CONCENTRAÇÃO, ESFORÇO, EQUANIMIDADE...


Anguttara Nikaya III.101
Nimitta Sutta
Sinais
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“Um bhikkhu dedicado ao treinamento da mente superior, no momento apropriado, deve dar atenção a três sinais. Ele deve no momento apropriado dar atenção ao sinal da concentração, no momento apropriado dar atenção ao sinal do esforço energético, no momento apropriado dar atenção ao sinal da equanimidade.
“Se um bhikkhu dedicado ao treinamento da mente superior der exclusiva atenção ao sinal da concentração, é possível que a mente dele seja capturada pela indolência. [1] Se ele der exclusiva atenção ao sinal do esforço energético, é possível que a mente dele seja capturada pela inquietação. Se ele der exclusiva atenção ao sinal da equanimidade, é possível que a mente dele não fique bem concentrada para a destruição das impurezas.
“Mas, se no momento apropriado, ele der atenção para cada um desses três sinais, então a mente dele estará maleável, manuseável e luminosa, e ela estará bem concentrada para a destruição das impurezas.
Suponha que um ourives habilidoso ou seu aprendiz preparasse uma fornalha, aquecesse um cadinho, e tomando ouro com um par de tenazes, o colocasse no cadinho. Ele sopraria periodicamente, borrifaria água periodicamente, examinaria periodicamente. Se o ourives soprasse continuamente a fornalha poderia se aquecer em demasia. Se ele borrifasse água continuamente a fornalha poderia se esfriar em demasia. Se ele apenas examinasse, o ouro não ficaria perfeitamente purificado. Mas, se no momento apropriado o ourives realiza cada uma dessas três funções, o ouro estará maleável, manuseável e luminoso, e com as condições apropriadas para ser trabalhado. Qualquer ornamento que o ourives queira fazer, quer seja uma diadema, brincos, um colar ou uma corrente, o ouro poderá agora ser usado para esse fim.
De modo semelhante, há esses três sinais aos quais um bhikkhu dedicado ao treinamento da mente superior deve dar atenção no momento apropriado, isto é, o sinal da concentração, o sinal do esforço energético e o sinal da equanimidade. Se ele der atenção a esses sinais com regularidade então a mente dele estará maleável, manuseável e luminosa, e ela estará bem concentrada para a destruição das impurezas.
Então, ele dirige a sua mente para qualquer estado que possa ser compreendido através do conhecimento direto, ele obtém a capacidade de compreender esse estado através do conhecimento direto, sempre que as condições necessárias estiverem presentes.


Notas:
[1] Samadhi é costumeiramente traduzido como concentração tanto no Português como no Inglês. Alguns mestres no entanto, como por exemplo Ajaan Brahmavamso, Ajaan Pasanno e Ajaan Sucitto, consideram que essa é uma tradução inadequada e preferem interpretar samadhi como aquietar, tranquilizar, sossegar, acalmar a mente. Nesse sentido fica mais fácil entender porque o sutta alerta para a questão da indolência ao dar atenção para o sinal da quietude (concentração, samadhi). [Retorna]
Veja também o AN III.100

sábado, 13 de outubro de 2012

O que é a iluminação?

No budismo iluminação significa o despertar supremo. Desse despertar não há retorno, ou seja, não é uma experiência mística da qual se volta após um período de meditação e continua sendo a mesma pessoa, mas uma completa reviravolta no modo de ver e de viver que não pode ser descrita de nenhuma maneira, por isso mesmo costuma ser descrita negativamente, ou seja, em comparação ao que não é a iluminação. Porém algumas escolas do budismo descrevem-na como a onisciência, outras simplesmente como a liberação do samsara, ou ciclo de sofrimentos, entre outras descrições. De qualquer forma, além desse despertar supremo que é a libertação da ilusão, a erradicação da ignorância, da cobiça e da raiva, todo aquele que atinge a iluminação está também liberto de todas as contaminações ou impurezas e do ciclo de renascimentos. Com isso ele atinge uma realização meditativa chamada de fruição da realização do estado de arahant, ou  buda, que significa o modo de fruição da mente iluminada, liberta, desperta, descrita  como a libertação inabalável da mente, a libertação imensurável da mente, etc. Portanto, no budismo, a iluminação pode ser caracterizada de um  certo modo peculiar pela completa superação da ignorância e destruição de todas as impurezas e suas raízes, inclusive as raízes principais de tudo o que é prejudicial que são (a) a cobiça ou apego, (b) o ódio ou aversão e (c) a delusão ou ignorância. Essa libertação da delusão contém a completa compreensão das três marcas da existência, insatisfatoriedade, impermanência e ausência de um eu ou substância  inerente; a completa compreensão das quatro nobres verdades e do caminho óctuplo; a compreensão da lei de kamma e de renascimento. Existem ainda outras realizações alcançados pelos iluminados, mas estas são as que todos devem alcançar, ou seja, certos conhecimentos e poderes podem ser resultados da iluminação ou do processo até ela, não consistindo esses de características necessárias da iluminação. No budismo não existe iluminação sem a erradicação dos grilhões da existência, das impurezas, essa é uma característica bem peculiar no budismo.  Alcançar o Nibbana final também é sinônimo de alcançar a iluminação. Nibbana é o estado de incondicionalidade. Nibbana também é descrito como satisfação, contentamento, felicidade suprema, o imperecível, o incondicionado, o eterno; um estado de contentamento e felicidade constante. O incondicionado é descrito como o não-causado, não-nascido, não-formado, não-tornado. Buda sempre ressalta a necessidade da experiência direta, de conhecer diretamente, conhecer por si mesmo, conhecer completamente, vivenciar por si mesmo, assim devemos encarar todos os ensinamentos, não tomá-los como verdades teóricas e nos conformarmos com elas, mas buscar vivenciá-los comprovando-os através da meditação e de nossa própria experiência, isso também não exclui a necessidade do estudo aprofundado. Muitos na época de Buda alcançaram algum nível de libertação ou mesmo a suprema compreensão, a iluminação, apenas por ouvir suas explicações.

domingo, 7 de outubro de 2012

 Quem é Buda?

A palavra Buda literalmente significa desperto, aquele que acordou, também comumente traduzido como o iluminado. Pode se referir tanto ao primeiro Buda, Siddhattha Gotama, como também a todos aqueles que alcançaram a iluminação. Siddhattha foi um príncipe nascido na Índia há cerca de 2600 anos que tendo vivido o extremo do luxo e da indulgência como príncipe e depois o extremo da austeridade e da mortificação como asceta, abandona ambos quando descobre “o caminho do meio”, pelo qual atinge a iluminação então passa o resto de sua vida ensinado tudo que havia descoberto e o caminho para alcançar o despertar.

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Os Fundamentos da Atenção Plena


Um comentário sobre o modo budista de meditação

Um dos principais objetivos da meditação budista é o treinamento da atenção plena e da presença mental momento a momento que nos capacitará a ver as coisas como realmente são. Não se trata de obter o “êxtase inefável” ou a visita a “dimensões superiores” embora isso possa acontecer como “efeito colateral”, não devendo, entretanto, o meditante buscar nem se apegar a isso, porém aproveitá-lo no sentido do conhecimento da realidade (mesmo que de “outras” realidades), da mente e de si mesmo. Nem é tampouco o objetivo da meditação ficar calmo e passivo achando tudo maravilhoso e vendo um mundo cor de rosa, muito pelo contrário, a meditação vai mostrar a dura realidade da vida neste mundo, caracterizada pela inevitabilidade da insatisfatoriedade e do sofrimento, insubstancialidade e transitoriedade, mas também o meio de libertar-se dessas condições; mostrar que viemos num mundo de sonhos, apegados na maioria das vezes a coisas e sentimentos vãos; ainda como se nunca fossemos sofrer, adoecer, envelhecer e morrer deixando tudo isso para trás.
Essa visão nos desencanta da ilusão desse mundo e mostra que temos que fazer algo concreto para mudar nossa situação de sonhadores inconsequentes. Assim vamos deixando de buscar ardentemente coisas transitórias e passamos a buscar mais e mais o imperecível, o incondicionado.
Além do budismo não ser uma religião proselitista, não é uma crença que se pode aceitar e estar tudo resolvido, mas uma prática para todo instante da vida que exige esforço e estudo, talvez por isso se espalhe tão devagar. Entretanto os resultados dessa prática são tão claros e definitivos que hoje o budismo é praticado por mais de um quarto da população do planeta. Realmente não é uma prática fácil ou para qualquer um, penso até que são muito poucos os que têm a força, a determinação, a disposição e a disciplina que a vivência budista exige, mas todos podem com o estudo e com o treinamento obter gradativamente algum proveito nesse sentido.
Há quem pense que o meditante está sempre num estado de paz e tranquilidade, mas nem sempre é assim... O ocidente costuma associar a meditação com passividade ou no mínimo como uma atividade maçante, e isso ocorre devido à ignorância do que se faz na meditação. Na verdade o meditante budista, em geral, tem muita atividade, muito o que fazer durante uma sessão de meditação. Contando só os procedimentos poderíamos ter uma idéia do quanto de atividade física e mental envolve a meditação budista. O sutta a seguir dá exatamente essa idéia ao descrever o que devemos fazer e como devemos proceder com cada parte do que iremos observar; também dá uma idéia do porque da meditação budista ser aprendida por partes, começando com um procedimento mais simples e básico ao qual se vai com o tempo de prática acrescentando mais elementos.
Neste sutta estão presentes os principais métodos de meditação ensinados pelo Buda. Os suttas foram escritos originalmente em pali e Buda provavelmente não falou tudo exatamente com essas palavras nem dessa maneira, esta é uma tradução e no pali existem muitas palavras que não existem nos idiomas ocidentais por isso a leitura das notas não deve ser de forma alguma deixada de lado, pois elas vão trazer explicação de termos em pali entre os quais alguns não têm correspondente em nossa língua, além de esclarecimentos fundamentais da doutrina budista.
Os textos budistas têm uma estética própria da cultura da época na índia e da própria sangha dos bhikkhus. Essa maneira é caracterizada especialmente por muitas repetições de frases e de partes das frases, ou fórmulas, ou sentenças que servem de esqueleto onde se encaixam algumas palavras variáveis. Um dos motivos disso foi para facilitar a memorização por parte dos praticantes. Nada melhor para entender a meditação budista do que os suttas, as palavras do Buda.
Nesse resumo foram suprimidas muitas dessas repetições que tornariam o texto mais longo, mas algumas foram deixadas para não prejudicar o sentido, nem perder o foco, a estética nem o contexto da sentença. Nele também existem seções que já estão resumidas originalmente, e que são temas extremamente essenciais no budismo e extensamente explorados em outros suttas, temas como os cinco agregados, os cinco obstáculos, as seis bases, os sete fatores da iluminação e as quatro nobres verdades.
Aqui apresentaremos este sutta em duas partes: a primeira parte trata dos quatro fundamentos da atenção plena em seus detalhes e subfatores; a segunda parte trata dos sete fatores da iluminação e das quatro nobres verdades. Desejo que o conhecimento do Damma possa ser absorvido da melhor forma e proporcione os melhores benefícios possíveis ao leitor e penso que não há nada mais preciso e acertado que as palavras do próprio Buda para cumprir esse papel, ninguém mais capacitado para explicar o Damma do Buda que o próprio Buda. Que esse privilégio já que foi relativamente de poucos, dadas as dificuldades do passado e hoje se torna mais e mais ao alcance, possa ser devidamente apreciado levando a inspiração necessária a todos.
Antonio F. Gonzaga

Digha Nikaya 22 Mahasatipatthana Sutta

Os Fundamentos da Atenção Plena

Este sutta foi condensado a partir da tradução completa do Digha Nikaya; Os suttas foram traduzidos do Pali para o inglês por Thanissaro Bhikkhu, Maurice Walsh, Bhikkhu Boddhi, Narada Thera e T. W. Rhys Davis; a tradução do inglês é de Michael Beisert e pode ser encontrada no www.acessoaoinsight.net .

Para distribuição gratuita como um presente do Dhamma

1. Assim ouvi.[1] Certa ocasião, estava o Abençoado entre os Kurus numa cidade denominada Kammasadhamma.[2] Lá ele se dirigiu aos monges desta forma: “Bhikkhus.” – “Venerável Senhor,” eles responderam. O Abençoado disse o seguinte:
2. “Bhikkhus, este é o caminho direto[3] para a purificação dos seres, para superar a tristeza e a lamentação, para o desaparecimento da dor e da angústia, [3a] para alcançar o caminho verdadeiro, para a realização de Nibbana – isto é, os quatro fundamentos da atenção plena.[4]
3. “Quais são os quatro? Aqui, bhikkhus, um bhikkhu[5] permanece contemplando o corpo como um corpo, (a) ardente, (b) plenamente consciente e (c) com atenção plena, (d) tendo colocado de lado a cobiça e o desprazer pelo mundo.[6] Ele permanece [do mesmo modo] contemplando as sensações como sensações, (...) ele permanece contemplando a mente como mente, (...) ele permanece contemplando os objetos mentais como objetos mentais (...).[7]
( Contemplação do Corpo )
( 1. Atenção Plena na Respiração )
4. “E como, bhikkhus, um bhikkhu permanece contemplando o corpo como um corpo? Aqui um bhikkhu, dirigindo-se à floresta ou à sombra de uma árvore ou a um local isolado; senta-se com as pernas cruzadas, mantém o corpo ereto e estabelecendo a plena atenção à sua frente, [7a] ele inspira com atenção plena justa, ele expira com atenção plena justa.[7b] Inspirando longo, ele compreende : ‘Eu inspiro longo’; ou expirando longo, ele compreende: ‘Eu expiro longo.’ Inspirando curto, ele compreende: ‘Eu inspiro curto’; ou expirando curto, ele compreende: ‘Eu expiro curto.’[8] Ele treina dessa forma: (a)‘Eu inspiro experienciando todo o corpo [da respiração]’; (...) ‘Eu expiro experienciando todo o corpo [da respiração].’[9] (...) (b)‘Eu inspiro tranqüilizando a formação do corpo [da respiração]’ (...) ‘ Eu expiro tranqüilizando a formação do corpo [da respiração].’[10] Da mesma forma como um torneiro habilidoso ou seu aprendiz, quando faz uma volta longa, compreende: ‘Eu faço uma volta longa’; ou, quando faz uma volta curta, compreende (...) ele treina dessa forma: ‘Eu devo expirar tranqüilizando a formação do corpo.’
(Insight)
5. “Dessa forma ele permanece contemplando o corpo como um corpo internamente, ou (...) externamente, ou (...) tanto interna como externamente.[11] Ou então, ele permanece contemplando fenômenos que surgem no corpo, ou (...) fenômenos que desaparecem no corpo, ou (...) ambos (...). [12] Ou então, a atenção plena de que ‘existe um corpo’ se estabelece somente na medida necessária para o conhecimento e para a atenção.[13] E ele permanece independente, sem nenhum apego a qualquer coisa mundana. Assim é como um bhikkhu permanece contemplando o corpo como um corpo.
( 2. As Quatro Posturas )
6. “Novamente, bhikkhus, quando caminhando, um bhikkhu compreende: ‘Eu estou caminhando’; quando em pé, ele compreende: ‘Eu estou em pé’; quando sentado, ele compreende: ‘Eu estou sentado’; quando deitado, ele compreende: ‘Eu estou deitado’; ou ele compreende a postura do corpo conforme for o caso.[14]
7. “Dessa forma ele permanece contemplando o corpo como um corpo internamente, externamente, tanto interna como externamente (...) E ele permanece independente, sem nenhum apego a qualquer coisa mundana. Assim também é como um bhikkhu se estabelece contemplando o corpo como um corpo.
( Plena Consciência [das ações] )
8. “Novamente, bhikkhus, um bhikkhu age com plena consciência ao ir para a frente e retornar;[15] (...) ao olhar para frente e desviar o olhar; (...) ao dobrar e estender os membros; (...) ao carregar o manto externo, o manto superior, a tigela; (...) ao comer, beber, mastigar e saborear; (...) ao urinar e defecar; age com plena consciência ao caminhar, ficar em pé, sentar, dormir, acordar, falar e permanecer em silêncio.
9. (...) “E ele se estabelece independente, sem nenhum apego a qualquer coisa mundana. Assim também é como um bhikkhu se estabelece contemplando o corpo como um corpo.
( 4. Impurezas – As Partes do Corpo )
10. “Novamente, bhikkhus, um bhikkhu examina esse mesmo corpo para cima, a partir da sola dos pés e para baixo, a partir do topo da cabeça, limitado pela pele e repleto de muitos tipos de impurezas, portanto: ‘Neste corpo existem cabelos, pêlos do corpo, unhas, dentes, pele, carne, tendões, ossos, tutano, rins, coração, fígado, diafragma, baço, pulmões, intestino grosso, intestino delgado, conteúdo do estômago, fezes, bílis, fleuma, pus, sangue, suor, gordura, lágrimas, saliva, muco, líquido sinovial e urina.’[16] Como se houvesse um saco com uma abertura em uma extremidade cheio de vários tipos de grãos, como arroz sequilho, arroz vermelho, feijões, ervilhas, milhete e arroz branco, e um homem com vista boa o abrisse e examinasse: ‘Isto é arroz sequilho, arroz vermelho, feijões, ervilhas, milhete e arroz branco’; da mesma forma, um bhikkhu examina esse mesmo corpo (...).
11. “Dessa maneira, ele permanece contemplando o corpo como um corpo internamente, externamente, tanto interna como externamente (...) E ele se estabelece independente, sem nenhum apego a qualquer coisa mundana. Assim também é como um bhikkhu se estabelece contemplando o corpo como um corpo.
( 5. Elementos )
12. “Novamente, bhikkhus, um bhikkhu examina esse mesmo corpo que, não importando a sua posição ou postura, consiste de elementos da seguinte forma: ‘Neste corpo há o elemento terra, o elemento água, o elemento fogo, e o elemento ar.’[17] Do mesmo modo, como se um açougueiro habilidoso ou seu aprendiz tivesse matado uma vaca e estivesse sentado numa encruzilhada com a vaca em pedaços; assim também um bhikkhu examina esse mesmo corpo (...).
13. “Dessa forma ele permanece contemplando (...) E ele permanece independente, sem nenhum apego a qualquer coisa mundana. Assim também é como um bhikkhu se estabelece contemplando o corpo como um corpo.
( 6 – 14 As Nove Contemplações do Cemitério )
14. “Novamente, bhikkhus, (1) como se ele visse um cadáver jogado em um cemitério,[17a] um, dois, ou três dias depois de morto, inchado, lívido e esvaindo matéria, um bhikkhu compara seu corpo com ele: ‘Este corpo também tem a mesma natureza, se tornará igual, não está isento desse destino.’[18]
15. “Dessa forma ele permanece contemplando o corpo (...) E ele permanece independente, sem nenhum apego a qualquer coisa mundana. Assim também é como um bhikkhu se estabelece contemplando o corpo como um corpo.
16. “Novamente, (2) como se ele visse um cadáver jogado num cemitério, sendo devorado por corvos, gaviões, abutres, cães, chacais ou vários tipos de vermes, um bhikkhu compara seu mesmo corpo com ele: ‘Este corpo também tem a mesma natureza, se tornará igual, não está isento desse destino.’
17. (...) “Assim também é como um bhikkhu se estabelece contemplando o corpo como um corpo.
18-24. “Novamente, bhikkhus, (3) como se ele visse um cadáver jogado num cemitério, um esqueleto com carne e sangue, que se mantém unido por tendões (...) (4) um esqueleto descarnado lambuzado de sangue, que se mantém unido por tendões (...) (5) um esqueleto descarnado e sem sangue, que se mantém unido por tendões (...) (6) ossos desconectados espalhados em todas as direções – aqui um osso da mão, ali um osso do pé, aqui um osso da perna, ali um osso da coxa, aqui um osso da bacia, ali um osso da coluna vertebral, aqui uma costela, ali um osso do peito, aqui um osso do braço, ali um osso do ombro, aqui um osso do pescoço, ali um osso da mandíbula, aqui um dente, ali um crânio - um Bhikkhu compara seu corpo com ele, portanto: ‘Este corpo também tem a mesma natureza, se tornará igual, não está isento desse destino.’[19]
25. (...) “Assim também é como um bhikkhu permanece contemplando o corpo como um corpo.
26-30. “Novamente, bhikkhus, (7) como se ele visse um cadáver jogado num cemitério, os ossos brancos desbotados, a cor de conchas (...) (8) ossos amontoados, com mais de um ano (...) (9) ossos apodrecidos e esfarelados convertidos em pó, um bhikkhu compara seu corpo com ele, portanto: ‘ Este corpo também tem a mesma natureza, se tornará igual, não está isento desse destino.’
(Insight)
31. (...) “E ele permanece independente, sem nenhum apego a qualquer coisa mundana. Assim é como um Bhikkhu se estabelece contemplando o corpo no corpo.
( Contemplação das Sensações [três tipos de sensações e duas categorias])
32. “E como, bhikkhus, um bhikkhu permanece contemplando sensações como sensações?[20] Aqui, sentindo uma (1) sensação prazerosa, um bhikkhu compreende: ‘Eu sinto uma sensação prazerosa’[20a]; quando sente uma (2) sensação dolorosa, ele compreende: ‘Eu sinto uma sensação dolorosa’[20b]; quando sente uma (3) sensação nem prazerosa, nem dolorosa, ele compreende: ‘Eu sinto uma sensação nem prazerosa, nem dolorosa’.[20c] Quando sente uma (1.a) sensação prazerosa mundana, ele compreende: ‘Eu sinto uma sensação prazerosa mundana’; quando sente uma (1.b) sensação prazerosa não mundana, ele compreende: ‘Eu sinto uma sensação prazerosa não mundana’; quando sente uma (2.a) sensação dolorosa mundana, ele compreende: ‘Eu sinto uma sensação dolorosa mundana’; quando sente uma (2.b) sensação dolorosa não mundana, ele compreende: ‘Eu sinto uma sensação dolorosa não mundana’; quando sente uma sensação (3.a) nem prazerosa, nem dolorosa mundana, ele compreende: ‘Eu sinto uma sensação nem prazerosa, nem dolorosa mundana’; quando sente uma (3.) sensação nem prazerosa, nem dolorosa não mundana, ele compreende: ‘Eu sinto uma sensação nem prazerosa, nem dolorosa não mundana’
(Insight)
33. “(...) E ele permanece independente, sem nenhum apego a qualquer coisa mundana. Assim é como um bhikkhu permanece contemplando sensações como sensações.
(Contemplação da Mente [oito estados de mente de duas maneiras])
34. “E como, bhikkhus, um bhikkhu se estabelece contemplando a mente como mente?[22] Aqui um bhikkhu compreende a (1.a) mente afetada pelo desejo como mente afetada pelo desejo e a (1.b) mente não afetada pelo desejo como mente não afetada pelo desejo. Ele compreende a (2.a) mente afetada pela raiva como mente afetada pela raiva e a (2.b) mente não afetada pela raiva como mente não afetada pela raiva. Ele compreende a (3.a) mente afetada pela delusão como mente afetada pela delusão e a (3.b) mente não afetada pela delusão como mente não afetada pela delusão. Ele compreende a (4.a) mente contraída como mente contraída e a (4.b) mente distraída como mente distraída. Ele compreende a (5.a) mente transcendente como mente transcendente e a (5.b) mente não transcendente como mente não transcendente. Ele compreende a mente superável como (6.a) mente superável e a (6.b) mente não superável como mente não superável. Ele compreende a (7.a) mente concentrada como mente concentrada e a (7.b) mente não concentrada como mente não concentrada. Ele compreende a (8.a) mente libertada como mente libertada e a (8.b) mente não libertada como mente não libertada.[23]
(Insight)
35. “Dessa forma ele permanece contemplando a mente como mente internamente ou (...) como mente externamente, ou ele permanece contemplando a mente como mente tanto interna como externamente. Ou então, ele permanece contemplando fenômenos que surgem na mente, ou (...) que desaparecem na mente, ou ele permanece contemplando tanto os fenômenos que surgem como os fenômenos que desaparecem na mente.[24] Ou então, a atenção plena ‘de que existe a mente’ se estabelece somente na medida necessária para promover o conhecimento e a atenção. E ele permanece independente, sem nenhum apego a qualquer coisa mundana. Assim é como um bhikkhu permanece contemplando a mente como mente.
( Contemplação dos Objetos Mentais )
( 1. Os Cinco Obstáculos )
36. “E como, bhikkhus, um bhikkhu se estabelece contemplando os objetos mentais como objetos mentais? [25] Aqui um bhikkhu permanece contemplando os objetos mentais (1) como objetos mentais referentes aos cinco obstáculos.[26] (...) havendo nele (1.1) desejo sensual, um bhikkhu compreende: ‘Existe em mim desejo sensual’; ou não havendo nele desejo sensual, ele compreende: ‘Não existe em mim desejo sensual’; e ele também compreende (a) como se despertam os desejos sensuais que ainda não despertaram e (b) como acontece o abandono de desejos sensuais despertos e (c) como acontece para que desejos sensuais abandonados não despertem no futuro.[26a]
“[Da mesma forma (a, b e c) ele procede] (1.2) Havendo nele má vontade (...) (1.3) havendo nele preguiça e torpor (...) (1.4) havendo nele inquietação e ansiedade (...) (1.5) havendo nele dúvida (...).
(Insight)
37. “Dessa forma ele permanece contemplando (...). E ele permanece independente, sem nenhum apego a qualquer coisa mundana. Assim é como um bhikkhu permanece contemplando os objetos mentais como objetos mentais.
( 2. Os Cinco Agregados )
38. “Novamente, bhikkhus, um bhikkhu permanece contemplando os objetos mentais (2) como objetos mentais referentes aos cinco agregados influenciados pelo apego.[27] E como um bhikkhu permanece contemplando os objetos mentais como objetos mentais referentes aos cinco agregados influenciados pelo apego? Aqui um bhikkhu compreende: ‘Assim é a (2.1) forma material, assim é a sua origem, assim é a sua cessação; assim é a (2.2) sensação, assim é a sua origem, assim é a sua cessação; assim é a (2.3) percepção, assim é a sua origem, assim é a sua cessação; assim são as (2.4) formações, assim é a sua origem, assim é a sua cessação; assim é a (2.5) consciência, assim é a sua origem, assim é a sua cessação.’
39. “Dessa forma ele permanece contemplando (...) E ele permanece independente, sem nenhum apego a qualquer coisa mundana. (...)
( 3. As Seis Bases )
40. “Novamente, bhikkhus, um bhikkhu permanece contemplando os objetos mentais (3) como objetos mentais referentes às seis bases internas e externas.[28] E como um bhikkhu permanece contemplando os objetos mentais como objetos mentais referentes às seis bases internas e externas? Aqui um bhikkhu compreende o (3.1) olho, ele compreende as formas e ele compreende o grilhão que surge na dependência de ambos; ele também compreende (a) como surge o grilhão que ainda não surgiu, (b) como se abandona o grilhão que já surgiu e (c) como o grilhão abandonado não surgirá no futuro.
“(3.2) [Da mesma forma] Ele compreende o (3.2) ouvido, ele compreende os sons e ele compreende o grilhão (...) (3.3) o nariz (...) os aromas (...) (3.4) a língua (...) os sabores (...) (3.5) o corpo (...) os tangíveis (...) (3.6) a mente (...) os objetos mentais (...).
41. “Dessa forma ele permanece contemplando (...) E ele permanece independente, sem nenhum apego a qualquer coisa mundana. (...)
Notas:
[ 1 ] Este é um dos suttas mais importantes no Cânone em Pali, contendo a explicação mais completa do caminho mais direto para alcançar o objetivo Budista. Um sutta praticamente idêntico é encontrado no MN 10, que no entanto apresenta uma análise mais resumida das Quatro Nobres Verdades. [Retorna]
[ 2 ] Alguns estudiosos afirmam que essa cidade se localizava nas proximidades de Deli. [Retorna]
[ 3 ] O texto em Pali diz ekayano ayam bhikkhave maggo, praticamente todos tradutores entendem que esta é uma declaração que sustenta que satipatthana é um caminho único. Dessa forma ele o Venerável Soma diz: ‘’Este é o único caminho (only way), Bhikhus,’’ e o Venerável Nyanaponika: ‘’Este é o único caminho (sole way), Bhikkhus’’. O Bhikkhu Nãnamoli no entanto destaca que ekayana magga no MN 12.37-42 tem o significado contextual preciso de “ um caminho que leva a uma única direção”, assim, ele também utilizou essa interpretação neste trecho. A expressão utilizada aqui, “o caminho direto”, tem como objetivo preservar o mesmo significado utilizando uma expressão mais resumida. MA explica ekayana magga como um só caminho, não como um caminho dividido; como um caminho que cada um deve trilhar, sem um companheiro; e como um caminho que leva a um objetivo somente, Nibbana. Embora o Cânone ou os Comentários não suportem esta opinião, pode ser sustentado que satipatthana é denominado ekayana magga, o caminho direto, para distinguí-lo da prática meditativa que passa pelos jhanas ou brahmaviharas. Embora estes últimos possam levar a Nibbana, não é o que necessariamente ocorre, podendo resultar em desvios do objetivo, enquanto que satipatthana conduz invariavelmente ao objetivo final. [Retorna]
[3a] Domanassa, que também pode ser interpretado como tristeza, desprazer; uma sensação de dor mental. [Retorna]
[ 4 ] A palavra satipatthana é um termo composto. A primeira parte, sati, originalmente significava ‘memória’, porém nos textos Buddhistas em Pali o significado mais freqüente é a qualidade da atenção dirigida ao momento presente - daí o termo ‘atenção plena’. A segunda parte é explicada de duas maneiras: ou como uma abreviação de upatthana, significando “preparando” ou “estabelecendo” (a atenção plena ); ou como patthana, significando “domínio” ou “fundamento” (novamente da atenção plena). Dessa forma ele os quatro satipatthanas podem ser entendidos ou como as quatro formas de estabelecer a atenção plena, ou como os quatro domínios da atenção plena, o que será elaborado em mais detalhe no restante do sutta. A primeira interpretação parece ser a derivação etimológica mais correta (confirmado pelo Sanskrito sm tyupasthana), porém os Comentaristas em Pali, embora aceitando ambas as interpretações, tiveram uma predileção pela última. [Retorna]
[ 5 ] MA define que neste contexto, “bhikkhu” é um termo que indica a pessoa que se dedica com  seriedade à prática dos ensinamentos: “Quem quer que empreenda esta prática…está incluído sob o termo ‘bhikkhu’”. [Retorna]
[ 6 ] A repetição na frase “contemplando o corpo como um corpo” ( kaye kayanupassi ), de acordo com MA, tem o propósito de determinar com precisão o objeto de contemplação e isolá-lo de outros com os quais possa ser confundido. Assim, na prática, o corpo deve ser observado como corpo e não as sensações, idéias ou sentimentos ligados ao corpo. A frase também significa que o corpo deve ser contemplado simplesmente como um corpo e não como um homem, uma mulher, um eu, ou um ser humano. As mesmas considerações se aplicam às demais repetições no caso dos outros três fundamentos da atenção plena. MA diz que “cobiça e desprazer” significam o desejo sensual e a má vontade que são os principais obstáculos, descritos mais abaixo no sutta, que precisam ser superados para que a prática seja bem sucedida.  [Retorna]
[ 7 ] A estrutura deste sutta é relativamente simples. Em seguida ao preâmbulo, o corpo do discurso se divide em quatro partes seguindo os quatro fundamentos da atenção plena:
                                 I.            Contemplação do corpo, que compreende catorze exercícios: atenção plena na respiração; contemplação das quatro posturas; plena consciência; reflexão acerca das impurezas do corpo; reflexão acerca dos elementos; e nove contemplações do "cemitério" - refletindo sobre corpos em diferentes estados de decomposição.
                                II.            Contemplação das sensações, considerado como um exercício.
                              III.            Contemplação da mente, também um exercício.
                              IV.            Contemplação dos objetos mentais, que possui cinco subdivisões - os cinco obstáculos; os cinco agregados; as seis bases dos sentidos; os sete fatores de iluminação; e as Quatro Nobres Verdades.
Dessa forma ele o sutta expõe no total vinte um exercícios de contemplação. Cada exercício por sua vez possui dois aspectos: o exercício básico, explicado primeiro, e uma seção complementar à respeito do insight (que é essencialmente a mesma para todos os exercícios), que indica como a contemplação deve ser desenvolvida para aprofundar o entendimento do fenômeno que está sendo investigado. Finalmente, o sutta conclui com um comentário do próprio Buddha em que ele assegura a eficácia do método declarando que o fruto colhido da prática será o estado de arahant ou de não retorno. [Retorna]
[7a] Isto é, na respiração à sua frente. [Retorna]
[ 8 ] A prática da atenção plena na respiração, (anapanasati), não envolve um esforço deliberado para controlar a respiração, como no hatha yoga, mas um esforço sustentado de manter a atenção na respiração enquanto ela se move para dentro e para fora, no seu ritmo natural. A atenção plena é dirigida às narinas ou ao lábio superior, aonde o impacto da respiração é sentido de maneira mais distinta; a extensão da respiração é compreendida porém não conscientemente controlada. O desenvolvimento completo deste método de meditação está exposto no MN 118. Para uma coletânea dos textos acerca deste assunto, veja Bhikkhu Nãnamoli - Mindfulness of Breathing. Veja também Visuddhimagga VIII, 145-244. [Retorna]
[ 9 ] MA: a frase “vivenciando todo o corpo [da respiração]”, (sabba-kãyapatisamvedi), siginifica que o meditador está consciente de cada inspiração e expiração subdivididas em suas três fases de começo, meio e fim. [Retorna]
[ 10 ] A “formação do corpo”, (kayasankhara), é definido no MN 44.13 como a inspiração e a expiração em si. Portanto, como explicado no MA, com o desenvolvimento adequado desta prática, a respiração do meditador se tornará cada vez mais calma, tranqüila e pacífica. [Retorna]
[ 11 ] MA: “Internamente”: contemplando a respiração no seu próprio corpo. “Externamente”: contemplando a respiração que ocorre no corpo de outra pessoa. “Internamente e externamente”: contemplando a respiração no seu próprio corpo e no corpo de outra pessoa alternadamente, sem interrupção da atenção. Uma explicação similar se aplica ao refrão que segue a cada uma das demais seções, exceto que na contemplação das sensações, mente e objetos mentais a contemplação externa, excetuando aqueles que possuem poderes supra-humanos, terá de ser inferida. [Retorna]
[ 12 ] MA: Os “fenômenos que surgem”, (samudayadhamma), são as condições pelas quais surgiu o corpo - isto é, ignorância, desejo, kamma e alimento - juntamente com o fato concreto do surgimento a cada momento de fenômenos materiais no corpo. No caso da atenção plena na respiração, um fator adicional de surgimento mencionado nos comentários é o aparelho fisiológico da respiração. Os “fenômenos que desaparecem”, (vayadhamma),  são a cessação das condições pelas quais surgiu o corpo e os demais fenômenos materiais no corpo. [Retorna]
[ 13 ] MA: Com o propósito de um conhecimento, (ñana), e atenção cada vez mais amplos e profundos. A palavra corpo, (kaya), ocorre com frequência neste sutta e deve ser interpretada de acordo com o seu contexto. Neste caso trata-se da seção da respiração. Portanto, a palavra corpo neste caso significa corpo da respiração. [Retorna]
[ 14 ] O entendimento das posturas do corpo, mencionado neste exercício, não se refere ao nosso conhecimento ordinário das atividades do corpo, mas à atenção minuciosa, constante e cuidadosa do corpo em qualquer posição, combinado com um exame analítico com a intenção de dissipar a delusão de um eu como o agente do movimento corporal. [Retorna]
[ 15 ] Sampajanna, traduzido como plena consciência ou clara compreensão. Os comentários analisam quatro tipos: (1) plena consciência do propósito, discernir um propósito benéfico na ação intencionada; (2) plena consciência da adequação dos meios utilizados, discernir que os meios utilizados para alcançar os objetivos são adequados; (3) plena consciência  do domínio, não abandonar o objeto da meditação durante a rotina diária; (4) plena consciência como não delusão, discernir que as próprias ações são processos condicionados desprovidos de um eu substancial. Veja The Way of Mindfulness, pág. 60-100; The Heart of Buddhist Meditation, pág.46-55; The Four Foundations of Mindfulness pág.50-59. [Retorna]
[ 16 ] Em obras em Pali posteriores o cérebro é adicionado a essa lista para formar as trinta e duas partes. Os detalhes dessa prática meditativa são explicados no Visuddhimagga VIII, 42-114. [Retorna]
[ 17 ] Esses quatro elementos são explicados na tradição Budista como os atributos primários da matéria - solidez, coesão, calor e distensão. A explicação detalhada é encontrada no Visuddhimagga XI, 27-117. [Retorna]
[17a] Cemitério neste caso se refere a um local onde os cadáveres são descartados, sem que sejam enterrados ou cremados. [Retorna]
[ 18 ] A frase “como se”, (seyyathapi), sugere que esta meditação e as demais a seguir, não necessitam tomar por base um corpo no estado de decomposição descrito mas, que podem ser realizadas como um exercício da imaginação. “Este corpo” se refere logicamente ao corpo do próprio meditador. [Retorna]
[ 19 ] Cada um dos quatro tipos de corpos mencionados aqui e os três tipos abaixo, podem ser tomados como uma meditação separada e independente; ou todo o conjunto pode ser usado progressivamente para imprimir na mente a idéia da impermanência e insubstancialidade do corpo. [Retorna]
[ 20 ] Sensações, (vedana), significam a qualidade emocional das experiências,  físicas e mentais, quer sejam prazerosas, dolorosas ou nem prazerosas nem dolorosas. Exemplos de sensações “mundanas” e “não mundanas” são encontrados no MN 137.9-15 sob o tópico dos seis tipos de alegria, tristeza e equanimidade baseados respectivamente na vida leiga e na vida santa. [Retorna]
[20a] Sukham vedanam: pode ser corporal ou mental. [Retorna]
[20b] Dukkham vedanam: também pode ser corporal ou mental. [Retorna]
[20c] Adukkhamasukham vedanam: apenas mental. [Retorna]
[20d] O meditador infere, ou sabe por meio da telepatia, as sensações dos outros. [Retorna]
[ 21 ] Os fenômenos que surgem e desaparecem nas sensações são os mesmos do corpo, (veja nota 12), exceto que o alimento é substituído pelo contato já que contato é a condição necessária para as sensações ( veja MN 9.42 ). [Retorna]
[ 22 ] A mente, (citta), como objeto de contemplação refere-se ao estado e nível geral da consciência. Já que a consciência propriamente dita, em sua natureza, é o simples conhecimento ou cognição de um objeto,  a qualidade de um estado mental é determinada pelos fatores mentais associados como desejo, raiva e delusão ou os seus opostos como mencionado no sutta. [Retorna]
[ 23 ] Os pares de exemplos de citta mencionados nesta passagem contrastam estados mentais benéficos e prejudiciais ou desenvolvidos e não desenvolvidos. Todavia uma exceção é o par “contraída” e “distraída”, em que ambos são prejudiciais, o primeiro devido à preguiça e ao torpor e o último devido à inquietação e ansiedade. MA explica que “mente transcendente” e “mente não superável” refere-se à mente no estado meditativo dos jhanas e das realizações ou jhanas imateriais; “mente não transcendente” e "mente superável” como a mente relativa à esfera da mente sensorial; “mente libertada” deve ser entendida como a mente que está parcialmente ou temporariamente livre das impurezas respectivamente através do insight ou dos jhanas. Já que a prática de satipatthana se refere à fase preliminar do caminho que tem por objetivo os caminhos supramundanos da libertação, esta última categoria não deve ser entendida como a mente libertada através do atingimento dos caminhos supramundanos. [Retorna]
[ 24 ] Os fenômenos que surgem e desaparecem na mente são os mesmos do corpo (nota 12) exceto que o alimento é substituído por mentalidade-materialidade, já que esta é a condição necessária para a consciência ( veja DN 15.22). [Retorna]
[ 25 ] A palavra aqui interpretada como “objetos mentais” é a polimorfa dhamma. Neste contexto dhamma pode ser entendido como todos os fenômenos classificados sob as categorias do Dhamma, os ensinamentos do Buddha acerca da realidade. Esta contemplação atinge o seu clímax com a compreensão completa do ensinamento que é o coração do Dhamma - as Quatro Nobres Verdades. [Retorna]
[ 26 ] Os cinco obstáculos, (pancanivarana), são o pricipal impedimento interno para o desenvolvimento da concentração e do insight. O desejo sensual surge ao dar atenção sem sabedoria a objetos atraentes e é abandonado pela meditação acerca das impurezas (como no verso10 e no verso 14-30); a má-vontade surge ao dar atenção sem sabedoria a um objeto que causa aversão, e  é abandonada com a meditação do amor-bondade; preguiça e torpor surgem através da submissão ao tédio e à preguiça, e são abandonados com o despertar da energia; inquietação e ansiedade surgem ao dar atenção sem sabedoria a pensamentos perturbadores, e são abandonados com a atenção com sabedoria para a tranqüilidade; a dúvida surge ao dar atenção sem sabedoria a assuntos suspeitos e é abandonada através do estudo, investigação e inquérito. Os obstáculos só serão totalmente erradicados com os caminhos supramundanos. Para um tratamento completo veja The Way of Mindfulness, pag. 119-130; Nyanaponika Thera, The Five Mental Hindrances; The Four foundations of Mindfulness pág. 96-111 e também MN 27.18 e MN 39.13-14. [Retorna]
[26a] DA identifica seis métodos para eliminar a o desejo sensual: (1) refletir sobre um objeto repulsivo (asubha); (2) desenvolver os jhanas visto que estes suprimem os obstáculos entre os quais está o desejo sensual; (3) Guardar as portas dos sentidos; (4) moderação ao comer; (5) o apoio de amigos admiráveis; (6) conversação apropriada. [Retorna]
[ 27 ] Os cinco agregados influenciados pelo apego, (panc’upadanakkhandha), são os cinco grupos de fatores que compõem a identidade de um indivíduo. Os agregados são analisados e explicados em relação à sua origem e desaparecimento no MN 109.9. [Retorna]
[ 28 ] As bases internas são, como foi mostrado, as seis faculdades sensoriais; as bases externas são os seus respectivos objetos. A cadeia que surge entre cada um dos pares pode ser entendida como atração, (desejo), aversão, (raiva) e delusão subjacente. [Retorna]