Um comentário sobre o modo budista de meditação
Um dos principais objetivos da meditação budista é o
treinamento da atenção plena e da presença mental momento a momento que nos
capacitará a ver as coisas como realmente são. Não se trata de obter o “êxtase
inefável” ou a visita a “dimensões superiores” embora isso possa acontecer como
“efeito colateral”, não devendo, entretanto, o meditante buscar nem se apegar a
isso, porém aproveitá-lo no sentido do conhecimento da realidade (mesmo que de “outras”
realidades), da mente e de si mesmo. Nem é tampouco o objetivo da meditação
ficar calmo e passivo achando tudo maravilhoso e vendo um mundo cor de rosa,
muito pelo contrário, a meditação vai mostrar a dura realidade da vida neste
mundo, caracterizada pela inevitabilidade da insatisfatoriedade e do sofrimento,
insubstancialidade e transitoriedade, mas também o meio de libertar-se dessas
condições; mostrar que viemos num mundo de sonhos, apegados na maioria das
vezes a coisas e sentimentos vãos; ainda como se nunca fossemos sofrer,
adoecer, envelhecer e morrer deixando tudo isso para trás.
Essa visão nos desencanta da ilusão desse mundo e
mostra que temos que fazer algo concreto para mudar nossa situação de
sonhadores inconsequentes. Assim vamos deixando de buscar ardentemente coisas
transitórias e passamos a buscar mais e mais o imperecível, o incondicionado.
Além do budismo não ser uma religião proselitista, não
é uma crença que se pode aceitar e estar tudo resolvido, mas uma prática para
todo instante da vida que exige esforço e estudo, talvez por isso se espalhe
tão devagar. Entretanto os resultados dessa prática são tão claros e
definitivos que hoje o budismo é praticado por mais de um quarto da população
do planeta. Realmente não é uma prática fácil ou para qualquer um, penso até
que são muito poucos os que têm a força, a determinação, a disposição e a
disciplina que a vivência budista exige, mas todos podem com o estudo e com o
treinamento obter gradativamente algum proveito nesse sentido.
Há quem pense que o meditante está sempre num estado
de paz e tranquilidade, mas nem sempre é assim... O ocidente costuma associar a
meditação com passividade ou no mínimo como uma atividade maçante, e isso
ocorre devido à ignorância do que se faz na meditação. Na verdade o meditante
budista, em geral, tem muita atividade, muito o que fazer durante uma sessão de
meditação. Contando só os procedimentos poderíamos ter uma idéia do quanto de
atividade física e mental envolve a meditação budista. O sutta a seguir dá
exatamente essa idéia ao descrever o que devemos fazer e como devemos proceder
com cada parte do que iremos observar; também dá uma idéia do porque da
meditação budista ser aprendida por partes, começando com um procedimento mais
simples e básico ao qual se vai com o tempo de prática acrescentando mais
elementos.
Neste sutta estão presentes os principais métodos de
meditação ensinados pelo Buda. Os suttas foram escritos originalmente em pali e
Buda provavelmente não falou tudo exatamente com essas palavras nem dessa
maneira, esta é uma tradução e no pali existem muitas palavras que não existem
nos idiomas ocidentais por isso a leitura das notas não deve ser de forma
alguma deixada de lado, pois elas vão trazer explicação de termos em pali entre
os quais alguns não têm correspondente em nossa língua, além de esclarecimentos
fundamentais da doutrina budista.
Os textos budistas têm uma estética própria da cultura
da época na índia e da própria sangha dos bhikkhus. Essa maneira é
caracterizada especialmente por muitas repetições de frases e de partes das
frases, ou fórmulas, ou sentenças que servem de esqueleto onde se encaixam algumas
palavras variáveis. Um dos motivos disso foi para facilitar a memorização por
parte dos praticantes. Nada melhor para entender a meditação budista do que os
suttas, as palavras do Buda.
Nesse resumo foram suprimidas muitas dessas repetições
que tornariam o texto mais longo, mas algumas foram deixadas para não
prejudicar o sentido, nem perder o foco, a estética nem o contexto da sentença.
Nele também existem seções que já estão resumidas originalmente, e que são
temas extremamente essenciais no budismo e extensamente explorados em outros
suttas, temas como os cinco agregados, os cinco obstáculos, as seis bases, os
sete fatores da iluminação e as quatro nobres verdades.
Aqui apresentaremos este sutta em duas partes: a
primeira parte trata dos quatro fundamentos da atenção plena em seus detalhes e
subfatores; a segunda parte trata dos sete fatores da iluminação e das quatro
nobres verdades. Desejo que o conhecimento do Damma possa ser absorvido da
melhor forma e proporcione os melhores benefícios possíveis ao leitor e penso
que não há nada mais preciso e acertado que as palavras do próprio Buda para
cumprir esse papel, ninguém mais capacitado para explicar o Damma do Buda que o
próprio Buda. Que esse privilégio já que foi relativamente de poucos, dadas as
dificuldades do passado e hoje se torna mais e mais ao alcance, possa ser
devidamente apreciado levando a inspiração necessária a todos.
Antonio F. Gonzaga
Digha
Nikaya 22 Mahasatipatthana Sutta
Os
Fundamentos da Atenção Plena
Este sutta foi condensado a
partir da tradução completa do Digha Nikaya; Os suttas foram traduzidos do Pali
para o inglês por Thanissaro Bhikkhu, Maurice Walsh, Bhikkhu Boddhi, Narada
Thera e T. W. Rhys Davis; a tradução do inglês é de Michael Beisert e pode ser
encontrada no www.acessoaoinsight.net .
Para distribuição gratuita
como um presente do Dhamma
1. Assim ouvi.[1] Certa ocasião, estava o Abençoado entre
os Kurus numa cidade denominada Kammasadhamma.[2] Lá ele se dirigiu aos monges desta
forma: “Bhikkhus.” – “Venerável Senhor,” eles responderam. O Abençoado disse o
seguinte:
2. “Bhikkhus, este é o caminho direto[3]
para a purificação dos seres, para superar a tristeza e a lamentação, para o
desaparecimento da dor e da angústia, [3a]
para alcançar o caminho verdadeiro, para a realização de Nibbana – isto é, os
quatro fundamentos da atenção plena.[4]
3. “Quais são os quatro? Aqui, bhikkhus, um bhikkhu[5]
permanece contemplando o corpo como um corpo, (a) ardente, (b) plenamente
consciente e (c) com atenção plena, (d) tendo colocado de lado a cobiça e o
desprazer pelo mundo.[6]
Ele permanece [do mesmo modo] contemplando as sensações como sensações, (...)
ele permanece contemplando a mente como mente, (...) ele permanece contemplando
os objetos mentais como objetos mentais (...).[7]
( Contemplação do Corpo )
( 1. Atenção Plena na Respiração )
4. “E como, bhikkhus, um bhikkhu permanece contemplando o corpo
como um corpo? Aqui um bhikkhu, dirigindo-se à floresta ou à sombra de uma
árvore ou a um local isolado; senta-se com as pernas cruzadas, mantém o corpo
ereto e estabelecendo a plena atenção à sua frente, [7a]
ele inspira com atenção plena justa, ele expira com atenção plena justa.[7b]
Inspirando longo, ele compreende : ‘Eu inspiro longo’; ou expirando longo, ele
compreende: ‘Eu expiro longo.’ Inspirando curto, ele compreende: ‘Eu inspiro
curto’; ou expirando curto, ele compreende: ‘Eu expiro curto.’[8]
Ele treina dessa forma: (a)‘Eu inspiro experienciando todo o corpo [da
respiração]’; (...) ‘Eu expiro experienciando todo o corpo [da respiração].’[9]
(...) (b)‘Eu inspiro tranqüilizando a formação do corpo [da respiração]’ (...)
‘ Eu expiro tranqüilizando a formação do corpo [da respiração].’[10] Da
mesma forma como um torneiro habilidoso ou seu aprendiz, quando faz uma volta
longa, compreende: ‘Eu faço uma volta longa’; ou, quando faz uma volta curta,
compreende (...) ele treina dessa forma: ‘Eu devo expirar tranqüilizando a
formação do corpo.’
(Insight)
5. “Dessa forma ele permanece contemplando o corpo como um corpo
internamente, ou (...) externamente, ou (...) tanto interna como externamente.[11] Ou
então, ele permanece contemplando fenômenos que surgem no corpo, ou (...)
fenômenos que desaparecem no corpo, ou (...) ambos (...). [12] Ou
então, a atenção plena de que ‘existe um corpo’ se estabelece somente na medida
necessária para o conhecimento e para a atenção.[13] E
ele permanece independente, sem nenhum apego a qualquer coisa mundana. Assim é
como um bhikkhu permanece contemplando o corpo como um corpo.
( 2. As Quatro Posturas )
6. “Novamente, bhikkhus, quando caminhando, um bhikkhu compreende:
‘Eu estou caminhando’; quando em pé, ele compreende: ‘Eu estou em pé’; quando
sentado, ele compreende: ‘Eu estou sentado’; quando deitado, ele compreende:
‘Eu estou deitado’; ou ele compreende a postura do corpo conforme for o caso.[14]
7. “Dessa forma ele permanece contemplando o corpo como um corpo
internamente, externamente, tanto interna como externamente (...) E ele
permanece independente, sem nenhum apego a qualquer coisa mundana. Assim também
é como um bhikkhu se estabelece contemplando o corpo como um corpo.
( Plena Consciência [das ações] )
8. “Novamente, bhikkhus, um bhikkhu age com plena consciência ao
ir para a frente e retornar;[15]
(...) ao olhar para frente e desviar o olhar; (...) ao dobrar e estender os
membros; (...) ao carregar o manto externo, o manto superior, a tigela; (...)
ao comer, beber, mastigar e saborear; (...) ao urinar e defecar; age com plena
consciência ao caminhar, ficar em pé, sentar, dormir, acordar, falar e
permanecer em silêncio.
9. (...) “E ele se estabelece independente, sem nenhum apego a
qualquer coisa mundana. Assim também é como um bhikkhu se estabelece
contemplando o corpo como um corpo.
( 4. Impurezas – As Partes do Corpo )
10. “Novamente, bhikkhus, um bhikkhu examina esse mesmo corpo para
cima, a partir da sola dos pés e para baixo, a partir do topo da cabeça,
limitado pela pele e repleto de muitos tipos de impurezas, portanto: ‘Neste
corpo existem cabelos, pêlos do corpo, unhas, dentes, pele, carne, tendões,
ossos, tutano, rins, coração, fígado, diafragma, baço, pulmões, intestino
grosso, intestino delgado, conteúdo do estômago, fezes, bílis, fleuma, pus,
sangue, suor, gordura, lágrimas, saliva, muco, líquido sinovial e urina.’[16]
Como se houvesse um saco com uma abertura em uma extremidade cheio de vários
tipos de grãos, como arroz sequilho, arroz vermelho, feijões, ervilhas, milhete
e arroz branco, e um homem com vista boa o abrisse e examinasse: ‘Isto é arroz
sequilho, arroz vermelho, feijões, ervilhas, milhete e arroz branco’; da mesma
forma, um bhikkhu examina esse mesmo corpo (...).
11. “Dessa maneira, ele permanece contemplando o corpo como um
corpo internamente, externamente, tanto interna como externamente (...) E ele
se estabelece independente, sem nenhum apego a qualquer coisa mundana. Assim
também é como um bhikkhu se estabelece contemplando o corpo como um corpo.
( 5. Elementos )
12. “Novamente, bhikkhus, um bhikkhu examina esse mesmo corpo que,
não importando a sua posição ou postura, consiste de elementos da seguinte
forma: ‘Neste corpo há o elemento terra, o elemento água, o elemento fogo, e o
elemento ar.’[17] Do
mesmo modo, como se um açougueiro habilidoso ou seu aprendiz tivesse matado uma
vaca e estivesse sentado numa encruzilhada com a vaca em pedaços; assim também
um bhikkhu examina esse mesmo corpo (...).
13. “Dessa forma ele permanece contemplando (...) E ele permanece
independente, sem nenhum apego a qualquer coisa mundana. Assim também é como um
bhikkhu se estabelece contemplando o corpo como um corpo.
( 6 – 14 As Nove Contemplações do
Cemitério )
14. “Novamente, bhikkhus, (1) como se ele visse um cadáver jogado
em um cemitério,[17a] um, dois, ou três dias depois de morto,
inchado, lívido e esvaindo matéria, um bhikkhu compara seu corpo com ele: ‘Este
corpo também tem a mesma natureza, se tornará igual, não está isento desse
destino.’[18]
15. “Dessa forma ele permanece contemplando o corpo (...) E ele
permanece independente, sem nenhum apego a qualquer coisa mundana. Assim também
é como um bhikkhu se estabelece contemplando o corpo como um corpo.
16. “Novamente, (2) como se ele visse um cadáver jogado num
cemitério, sendo devorado por corvos, gaviões, abutres, cães, chacais ou vários
tipos de vermes, um bhikkhu compara seu mesmo corpo com ele: ‘Este corpo também
tem a mesma natureza, se tornará igual, não está isento desse destino.’
17. (...) “Assim também é como um bhikkhu se estabelece
contemplando o corpo como um corpo.
18-24. “Novamente, bhikkhus, (3) como se ele visse um cadáver
jogado num cemitério, um esqueleto com carne e sangue, que se mantém unido por
tendões (...) (4) um esqueleto descarnado lambuzado de sangue, que se mantém
unido por tendões (...) (5) um esqueleto descarnado e sem sangue, que se mantém
unido por tendões (...) (6) ossos desconectados espalhados em todas as direções
– aqui um osso da mão, ali um osso do pé, aqui um osso da perna, ali um osso da
coxa, aqui um osso da bacia, ali um osso da coluna vertebral, aqui uma costela,
ali um osso do peito, aqui um osso do braço, ali um osso do ombro, aqui um osso
do pescoço, ali um osso da mandíbula, aqui um dente, ali um crânio - um Bhikkhu
compara seu corpo com ele, portanto: ‘Este corpo também tem a mesma natureza,
se tornará igual, não está isento desse destino.’[19]
25. (...) “Assim também é como um bhikkhu permanece contemplando o
corpo como um corpo.
26-30. “Novamente, bhikkhus, (7) como se ele visse um cadáver
jogado num cemitério, os ossos brancos desbotados, a cor de conchas (...) (8)
ossos amontoados, com mais de um ano (...) (9) ossos apodrecidos e esfarelados
convertidos em pó, um bhikkhu compara seu corpo com ele, portanto: ‘ Este corpo
também tem a mesma natureza, se tornará igual, não está isento desse destino.’
(Insight)
31. (...) “E ele permanece independente, sem nenhum apego a
qualquer coisa mundana. Assim é como um Bhikkhu se estabelece contemplando o
corpo no corpo.
( Contemplação das Sensações [três tipos de sensações e duas
categorias])
32. “E como, bhikkhus, um bhikkhu permanece contemplando sensações
como sensações?[20]
Aqui, sentindo uma (1) sensação prazerosa, um bhikkhu compreende: ‘Eu sinto uma
sensação prazerosa’[20a]; quando sente uma (2) sensação dolorosa,
ele compreende: ‘Eu sinto uma sensação dolorosa’[20b];
quando sente uma (3) sensação nem prazerosa, nem dolorosa, ele compreende: ‘Eu
sinto uma sensação nem prazerosa, nem dolorosa’.[20c]
Quando sente uma (1.a) sensação prazerosa mundana, ele compreende: ‘Eu sinto
uma sensação prazerosa mundana’; quando sente uma (1.b) sensação prazerosa não
mundana, ele compreende: ‘Eu sinto uma sensação prazerosa não mundana’; quando
sente uma (2.a) sensação dolorosa mundana, ele compreende: ‘Eu sinto uma
sensação dolorosa mundana’; quando sente uma (2.b) sensação dolorosa não
mundana, ele compreende: ‘Eu sinto uma sensação dolorosa não mundana’; quando
sente uma sensação (3.a) nem prazerosa, nem dolorosa mundana, ele compreende:
‘Eu sinto uma sensação nem prazerosa, nem dolorosa mundana’; quando sente uma
(3.) sensação nem prazerosa, nem dolorosa não mundana, ele compreende: ‘Eu
sinto uma sensação nem prazerosa, nem dolorosa não mundana’
(Insight)
33. “(...) E ele permanece independente, sem nenhum apego a
qualquer coisa mundana. Assim é como um bhikkhu permanece contemplando
sensações como sensações.
(Contemplação da Mente [oito estados de mente de duas maneiras])
34. “E como, bhikkhus, um bhikkhu se estabelece contemplando a
mente como mente?[22]
Aqui um bhikkhu compreende a (1.a) mente afetada pelo desejo como mente afetada
pelo desejo e a (1.b) mente não afetada pelo desejo como mente não afetada pelo
desejo. Ele compreende a (2.a) mente afetada pela raiva como mente afetada pela
raiva e a (2.b) mente não afetada pela raiva como mente não afetada pela raiva.
Ele compreende a (3.a) mente afetada pela delusão como mente afetada pela
delusão e a (3.b) mente não afetada pela delusão como mente não afetada pela
delusão. Ele compreende a (4.a) mente contraída como mente contraída e a (4.b)
mente distraída como mente distraída. Ele compreende a (5.a) mente
transcendente como mente transcendente e a (5.b) mente não transcendente como
mente não transcendente. Ele compreende a mente superável como (6.a) mente
superável e a (6.b) mente não superável como mente não superável. Ele
compreende a (7.a) mente concentrada como mente concentrada e a (7.b) mente não
concentrada como mente não concentrada. Ele compreende a (8.a) mente libertada
como mente libertada e a (8.b) mente não libertada como mente não libertada.[23]
(Insight)
35. “Dessa forma ele permanece contemplando a mente como mente
internamente ou (...) como mente externamente, ou ele permanece contemplando a
mente como mente tanto interna como externamente. Ou então, ele permanece
contemplando fenômenos que surgem na mente, ou (...) que desaparecem na mente,
ou ele permanece contemplando tanto os fenômenos que surgem como os fenômenos
que desaparecem na mente.[24] Ou
então, a atenção plena ‘de que existe a mente’ se estabelece somente na medida
necessária para promover o conhecimento e a atenção. E ele permanece
independente, sem nenhum apego a qualquer coisa mundana. Assim é como um
bhikkhu permanece contemplando a mente como mente.
( Contemplação dos Objetos Mentais )
( 1. Os Cinco Obstáculos )
36. “E como, bhikkhus, um bhikkhu se estabelece contemplando os
objetos mentais como objetos mentais? [25]
Aqui um bhikkhu permanece contemplando os objetos mentais (1) como objetos
mentais referentes aos cinco obstáculos.[26]
(...) havendo nele (1.1) desejo sensual, um bhikkhu compreende: ‘Existe em mim
desejo sensual’; ou não havendo nele desejo sensual, ele compreende: ‘Não
existe em mim desejo sensual’; e ele também compreende (a) como se despertam os
desejos sensuais que ainda não despertaram e (b) como acontece o abandono de
desejos sensuais despertos e (c) como acontece para que desejos sensuais
abandonados não despertem no futuro.[26a]
“[Da mesma forma (a, b e c) ele procede] (1.2) Havendo nele má
vontade (...) (1.3) havendo nele preguiça e torpor (...) (1.4) havendo nele
inquietação e ansiedade (...) (1.5) havendo nele dúvida (...).
(Insight)
37. “Dessa forma ele permanece contemplando (...). E ele permanece
independente, sem nenhum apego a qualquer coisa mundana. Assim é como um
bhikkhu permanece contemplando os objetos mentais como objetos mentais.
( 2. Os Cinco Agregados )
38. “Novamente, bhikkhus, um bhikkhu permanece contemplando os
objetos mentais (2) como objetos mentais referentes aos cinco agregados influenciados
pelo apego.[27] E
como um bhikkhu permanece contemplando os objetos mentais como objetos mentais
referentes aos cinco agregados influenciados pelo apego? Aqui um bhikkhu
compreende: ‘Assim é a (2.1) forma material, assim é a sua origem, assim é a
sua cessação; assim é a (2.2) sensação, assim é a sua origem, assim é a sua
cessação; assim é a (2.3) percepção, assim é a sua origem, assim é a sua
cessação; assim são as (2.4) formações, assim é a sua origem, assim é a sua
cessação; assim é a (2.5) consciência, assim é a sua origem, assim é a sua
cessação.’
39. “Dessa forma ele permanece contemplando (...) E ele permanece
independente, sem nenhum apego a qualquer coisa mundana. (...)
( 3. As Seis Bases )
40. “Novamente, bhikkhus, um bhikkhu permanece contemplando os
objetos mentais (3) como objetos mentais referentes às seis bases internas e
externas.[28] E
como um bhikkhu permanece contemplando os objetos mentais como objetos mentais
referentes às seis bases internas e externas? Aqui um bhikkhu compreende o
(3.1) olho, ele compreende as formas e ele compreende o grilhão que surge na
dependência de ambos; ele também compreende (a) como surge o grilhão que ainda
não surgiu, (b) como se abandona o grilhão que já surgiu e (c) como o grilhão
abandonado não surgirá no futuro.
“(3.2) [Da mesma forma] Ele compreende o (3.2) ouvido, ele
compreende os sons e ele compreende o grilhão (...) (3.3) o nariz (...) os
aromas (...) (3.4) a língua (...) os sabores (...) (3.5) o corpo (...) os
tangíveis (...) (3.6) a mente (...) os objetos mentais (...).
41. “Dessa forma ele permanece contemplando (...) E ele permanece
independente, sem nenhum apego a qualquer coisa mundana. (...)
Notas:
[ 1 ] Este é um dos suttas mais importantes no Cânone em Pali,
contendo a explicação mais completa do caminho mais direto para alcançar o
objetivo Budista. Um sutta praticamente idêntico é encontrado no MN
10, que no entanto apresenta uma análise mais resumida das Quatro
Nobres Verdades. [Retorna]
[ 3 ] O texto em Pali diz ekayano ayam bhikkhave maggo,
praticamente todos tradutores entendem que esta é uma declaração que sustenta
que satipatthana é um caminho único. Dessa forma ele o Venerável Soma
diz: ‘’Este é o único caminho (only way), Bhikhus,’’ e o Venerável Nyanaponika:
‘’Este é o único caminho (sole way), Bhikkhus’’. O Bhikkhu Nãnamoli no entanto
destaca que ekayana magga no MN 12.37-42 tem o significado contextual preciso
de “ um caminho que leva a uma única direção”, assim, ele também utilizou essa
interpretação neste trecho. A expressão utilizada aqui, “o caminho direto”, tem
como objetivo preservar o mesmo significado utilizando uma expressão mais
resumida. MA explica ekayana magga como um só caminho, não como um
caminho dividido; como um caminho que cada um deve trilhar, sem um companheiro;
e como um caminho que leva a um objetivo somente, Nibbana. Embora o Cânone ou
os Comentários não suportem esta opinião, pode ser sustentado que satipatthana
é denominado ekayana magga, o caminho direto, para distinguí-lo da
prática meditativa que passa pelos jhanas ou brahmaviharas. Embora estes
últimos possam levar a Nibbana, não é o que necessariamente ocorre, podendo
resultar em desvios do objetivo, enquanto que satipatthana conduz
invariavelmente ao objetivo final. [Retorna]
[3a] Domanassa, que também pode ser interpretado como
tristeza, desprazer; uma sensação de dor mental. [Retorna]
[ 4 ] A palavra satipatthana é um termo composto. A
primeira parte, sati, originalmente significava ‘memória’, porém nos
textos Buddhistas em Pali o significado mais freqüente é a qualidade da atenção
dirigida ao momento presente - daí o termo ‘atenção plena’. A segunda parte é
explicada de duas maneiras: ou como uma abreviação de upatthana,
significando “preparando” ou “estabelecendo” (a atenção plena ); ou como patthana,
significando “domínio” ou “fundamento” (novamente da atenção plena). Dessa
forma ele os quatro satipatthanas podem ser entendidos ou como as quatro
formas de estabelecer a atenção plena, ou como os quatro domínios da atenção
plena, o que será elaborado em mais detalhe no restante do sutta. A primeira
interpretação parece ser a derivação etimológica mais correta (confirmado pelo
Sanskrito sm tyupasthana), porém os Comentaristas em Pali, embora
aceitando ambas as interpretações, tiveram uma predileção pela última. [Retorna]
[ 5 ] MA define que neste contexto, “bhikkhu” é um termo que
indica a pessoa que se dedica com
seriedade à prática dos ensinamentos: “Quem quer que empreenda esta
prática…está incluído sob o termo ‘bhikkhu’”. [Retorna]
[ 6 ] A repetição na frase “contemplando o corpo como um corpo” (
kaye kayanupassi ), de acordo com MA, tem o propósito de determinar com
precisão o objeto de contemplação e isolá-lo de outros com os quais possa ser
confundido. Assim, na prática, o corpo deve ser observado como corpo e não as
sensações, idéias ou sentimentos ligados ao corpo. A frase também significa que
o corpo deve ser contemplado simplesmente como um corpo e não como um homem,
uma mulher, um eu, ou um ser humano. As mesmas considerações se aplicam às
demais repetições no caso dos outros três fundamentos da atenção plena. MA diz
que “cobiça e desprazer” significam o desejo sensual e a má vontade que são os
principais obstáculos, descritos mais abaixo no sutta, que precisam ser
superados para que a prática seja bem sucedida.
[Retorna]
[ 7 ] A estrutura deste sutta é relativamente simples. Em seguida
ao preâmbulo, o corpo do discurso se divide em quatro partes seguindo os quatro
fundamentos da atenção plena:
I.
Contemplação do corpo, que
compreende catorze exercícios: atenção plena na respiração; contemplação das
quatro posturas; plena consciência; reflexão acerca das impurezas do corpo;
reflexão acerca dos elementos; e nove contemplações do "cemitério" -
refletindo sobre corpos em diferentes estados de decomposição.
II.
Contemplação das sensações,
considerado como um exercício.
III.
Contemplação da mente, também um
exercício.
IV.
Contemplação dos objetos mentais, que
possui cinco subdivisões - os cinco obstáculos; os cinco agregados; as seis bases
dos sentidos; os sete fatores de iluminação; e as Quatro Nobres Verdades.
Dessa forma ele o sutta expõe no total vinte um exercícios de
contemplação. Cada exercício por sua vez possui dois aspectos: o exercício
básico, explicado primeiro, e uma seção complementar à respeito do insight (que
é essencialmente a mesma para todos os exercícios), que indica como a
contemplação deve ser desenvolvida para aprofundar o entendimento do fenômeno
que está sendo investigado. Finalmente, o sutta conclui com um comentário do
próprio Buddha em que ele assegura a eficácia do método declarando que o fruto
colhido da prática será o estado de arahant ou de não retorno. [Retorna]
[7a] Isto é, na respiração à sua frente. [Retorna]
[7b] Veja o SN LIV.12 – nota 2. [Retorna]
[ 8 ] A prática da atenção plena na respiração, (anapanasati),
não envolve um esforço deliberado para controlar a respiração, como no hatha
yoga, mas um esforço sustentado de manter a atenção na respiração enquanto ela
se move para dentro e para fora, no seu ritmo natural. A atenção plena é
dirigida às narinas ou ao lábio superior, aonde o impacto da respiração é
sentido de maneira mais distinta; a extensão da respiração é compreendida porém
não conscientemente controlada. O desenvolvimento completo deste método de
meditação está exposto no MN
118. Para uma coletânea dos textos acerca deste assunto, veja
Bhikkhu Nãnamoli - Mindfulness of Breathing. Veja também Visuddhimagga
VIII, 145-244. [Retorna]
[ 9 ] MA: a frase “vivenciando todo o corpo [da respiração]”, (sabba-kãyapatisamvedi),
siginifica que o meditador está consciente de cada inspiração e expiração
subdivididas em suas três fases de começo, meio e fim. [Retorna]
[ 10 ] A “formação do corpo”, (kayasankhara), é definido no
MN 44.13 como a inspiração e a expiração em si. Portanto , como
explicado no MA, com o desenvolvimento adequado desta prática, a respiração do
meditador se tornará cada vez mais calma, tranqüila e pacífica. [Retorna]
[ 11 ] MA: “Internamente”: contemplando a respiração no seu
próprio corpo. “Externamente”: contemplando a respiração que ocorre no corpo de
outra pessoa. “Internamente e externamente”: contemplando a respiração no seu
próprio corpo e no corpo de outra pessoa alternadamente, sem interrupção da
atenção. Uma explicação similar se aplica ao refrão que segue a cada uma das
demais seções, exceto que na contemplação das sensações, mente e objetos
mentais a contemplação externa, excetuando aqueles que possuem poderes
supra-humanos, terá de ser inferida. [Retorna]
[ 12 ] MA: Os “fenômenos que surgem”, (samudayadhamma), são
as condições pelas quais surgiu o corpo - isto é, ignorância, desejo, kamma e
alimento - juntamente com o fato concreto do surgimento a cada momento de
fenômenos materiais no corpo. No caso da atenção plena na respiração, um fator
adicional de surgimento mencionado nos comentários é o aparelho fisiológico da
respiração. Os “fenômenos que desaparecem”, (vayadhamma), são a cessação das condições pelas quais
surgiu o corpo e os demais fenômenos materiais no corpo. [Retorna]
[ 13 ] MA: Com o propósito de um conhecimento, (ñana), e
atenção cada vez mais amplos e profundos. A palavra corpo, (kaya),
ocorre com frequência neste sutta e deve ser interpretada de acordo com o seu
contexto. Neste caso trata-se da seção da respiração. Portanto, a palavra corpo
neste caso significa corpo da respiração. [Retorna]
[ 14 ] O entendimento das posturas do corpo, mencionado neste
exercício, não se refere ao nosso conhecimento ordinário das atividades do
corpo, mas à atenção minuciosa, constante e cuidadosa do corpo em qualquer
posição, combinado com um exame analítico com a intenção de dissipar a delusão
de um eu como o agente do movimento corporal. [Retorna]
[ 15 ] Sampajanna, traduzido como plena consciência ou
clara compreensão. Os comentários analisam quatro tipos: (1) plena consciência
do propósito, discernir um propósito benéfico na ação intencionada; (2) plena
consciência da adequação dos meios utilizados, discernir que os meios
utilizados para alcançar os objetivos são adequados; (3) plena consciência do domínio, não abandonar o objeto da
meditação durante a rotina diária; (4) plena consciência como não delusão,
discernir que as próprias ações são processos condicionados desprovidos de um
eu substancial. Veja The Way of
Mindfulness, pág. 60-100; The Heart of Buddhist Meditation,
pág.46-55; The Four Foundations of Mindfulness pág.50-59. [Retorna]
[ 16 ] Em obras em Pali posteriores o cérebro é adicionado a essa
lista para formar as trinta e duas partes. Os detalhes dessa prática meditativa
são explicados no Visuddhimagga VIII, 42-114. [Retorna]
[ 17 ] Esses quatro elementos são explicados na tradição Budista
como os atributos primários da matéria - solidez, coesão, calor e distensão. A
explicação detalhada é encontrada no Visuddhimagga XI, 27-117. [Retorna]
[17a] Cemitério neste caso se refere a um local onde os cadáveres
são descartados, sem que sejam enterrados ou cremados. [Retorna]
[ 18 ] A frase “como se”, (seyyathapi), sugere que esta
meditação e as demais a seguir, não necessitam tomar por base um corpo no
estado de decomposição descrito mas, que podem ser realizadas como um exercício
da imaginação. “Este corpo” se refere logicamente ao corpo do próprio
meditador. [Retorna]
[ 19 ] Cada um dos quatro tipos de corpos mencionados aqui e os
três tipos abaixo, podem ser tomados como uma meditação separada e
independente; ou todo o conjunto pode ser usado progressivamente para imprimir
na mente a idéia da impermanência e insubstancialidade do corpo. [Retorna]
[ 20 ] Sensações, (vedana), significam a qualidade
emocional das experiências, físicas e
mentais, quer sejam prazerosas, dolorosas ou nem prazerosas nem dolorosas.
Exemplos de sensações “mundanas” e “não mundanas” são encontrados no MN 137.9-15 sob o tópico dos seis tipos de alegria,
tristeza e equanimidade baseados respectivamente na vida leiga e na vida santa.
[Retorna]
[20a] Sukham vedanam: pode ser corporal ou mental. [Retorna]
[20b] Dukkham vedanam: também pode ser corporal ou mental. [Retorna]
[20c] Adukkhamasukham vedanam: apenas mental. [Retorna]
[20d] O meditador infere, ou sabe por meio da telepatia, as
sensações dos outros. [Retorna]
[ 21 ] Os fenômenos que surgem e desaparecem nas sensações são os
mesmos do corpo, (veja nota 12), exceto que o alimento é substituído pelo
contato já que contato é a condição necessária para as sensações ( veja MN 9.42 ). [Retorna]
[ 22 ] A mente, (citta), como objeto de contemplação
refere-se ao estado e nível geral da consciência. Já que a consciência
propriamente dita, em sua natureza, é o simples conhecimento ou cognição de um
objeto, a qualidade de um estado mental
é determinada pelos fatores mentais associados como desejo, raiva e delusão ou
os seus opostos como mencionado no sutta. [Retorna]
[ 23 ] Os pares de exemplos de citta mencionados nesta
passagem contrastam estados mentais benéficos e prejudiciais ou desenvolvidos e
não desenvolvidos. Todavia uma exceção é o par “contraída” e “distraída”, em
que ambos são prejudiciais, o primeiro devido à preguiça e ao torpor e o último
devido à inquietação e ansiedade. MA explica que “mente transcendente” e “mente
não superável” refere-se à mente no estado meditativo dos jhanas e das
realizações ou jhanas imateriais; “mente não transcendente” e "mente
superável” como a mente relativa à esfera da mente sensorial; “mente libertada”
deve ser entendida como a mente que está parcialmente ou temporariamente livre
das impurezas respectivamente através do insight ou dos jhanas. Já que a
prática de satipatthana se refere à fase preliminar do caminho que tem
por objetivo os caminhos supramundanos da libertação, esta última categoria não
deve ser entendida como a mente libertada através do atingimento dos caminhos
supramundanos. [Retorna]
[ 24 ] Os fenômenos que surgem e desaparecem na mente são os
mesmos do corpo (nota 12) exceto que o alimento é substituído por
mentalidade-materialidade, já que esta é a condição necessária para a
consciência ( veja DN 15.22). [Retorna]
[ 25 ] A palavra aqui interpretada como “objetos mentais” é a
polimorfa dhamma. Neste contexto dhamma pode ser entendido como
todos os fenômenos classificados sob as categorias do Dhamma, os ensinamentos
do Buddha acerca da realidade. Esta contemplação atinge o seu clímax com a
compreensão completa do ensinamento que é o coração do Dhamma - as Quatro
Nobres Verdades. [Retorna]
[ 26 ] Os cinco obstáculos, (pancanivarana), são o pricipal
impedimento interno para o desenvolvimento da concentração e do insight. O
desejo sensual surge ao dar atenção sem sabedoria a objetos atraentes e é abandonado
pela meditação acerca das impurezas (como no verso10 e no verso 14-30); a
má-vontade surge ao dar atenção sem sabedoria a um objeto que causa aversão,
e é abandonada com a meditação do
amor-bondade; preguiça e torpor surgem através da submissão ao tédio e à
preguiça, e são abandonados com o despertar da energia; inquietação e ansiedade
surgem ao dar atenção sem sabedoria a pensamentos perturbadores, e são
abandonados com a atenção com sabedoria para a tranqüilidade; a dúvida surge ao
dar atenção sem sabedoria a assuntos suspeitos e é abandonada através do
estudo, investigação e inquérito. Os obstáculos só serão totalmente erradicados
com os caminhos supramundanos. Para um
tratamento completo veja The Way of Mindfulness, pag. 119-130;
Nyanaponika Thera, The Five Mental Hindrances; The Four foundations of
Mindfulness pág. 96-111 e também MN 27.18 e MN 39.13-14. [Retorna]
[26a] DA identifica seis métodos para eliminar a o desejo sensual:
(1) refletir sobre um objeto repulsivo (asubha); (2) desenvolver os
jhanas visto que estes suprimem os obstáculos entre os quais está o desejo
sensual; (3) Guardar as portas dos sentidos; (4) moderação ao comer; (5) o
apoio de amigos admiráveis; (6) conversação apropriada. [Retorna]
[ 27 ] Os cinco agregados influenciados pelo apego, (panc’upadanakkhandha),
são os cinco grupos de fatores que compõem a identidade de um indivíduo. Os
agregados são analisados e explicados em relação à sua origem e desaparecimento
no MN 109.9. [Retorna]
[ 28 ] As bases internas são, como foi mostrado, as seis
faculdades sensoriais; as bases externas são os seus respectivos objetos. A
cadeia que surge entre cada um dos pares pode ser entendida como atração,
(desejo), aversão, (raiva) e delusão subjacente. [Retorna]
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