Pesquisar este blog

quarta-feira, 17 de maio de 2023

A ILUMINAÇÃO DE BUDA OU A IGNORÂNCIA DE BUDA

Não vês que de nada adianta conhecer mundos e todo universo e tudo que aconteceu e vai acontecer?

De que adianta conhecer todo o universo e todas as dimensões e todos os fenômenos do princípio ao fim? Em que isto liberta? Como isto poderia te libertar? Não pode.

Continuas preso no si mesmo, em tua perspectiva, em tua prisão limitada da egoidade. Continuas sentindo a incompletude, a insatisfação humana, mais que nunca agora sabes da transitoriedade.

De que adianta conhecer planetas e civilizações e dimensões? São como manchas numa tela abstrata. Em que isto te liberta? Por que esta beleza te atrai? Foste capturado por tão simples armadilha?

De que adianta conhecer toda a história do princípio ao fim, e o que vai acontecer ao mundo todo amanhã? Ainda estás preso no tempo, nas tuas percepções limitadas, em seu próprio modo condicionado de ver.

Não conheces teu princípio, nem tua finalidade, apenas julgas que está aqui para dizer isto aos ignorantes? Te sentes especial, um alienado cheio de conhecimentos inúteis?

Não consegues nem sumir daqui e aparecer lá, estás preso num lugar pequeno e no tempo, que sabes da eternidade, preso nesse corpúsculo com uma mente animalesca? De que te adianta ver todas as estrelas e galáxias, que beleza há nisso, tão fugaz?

Todo o tempo do universo não passa de uma faísca na eternidade, se fosse possível comparar e você está preocupado  que lembrança deixará nesse mundo, ou que grande ensinamento trouxeste para alguns desse tempo?

Não vês que já és um buda na eternidade? Não vês que apenas ignoras tua real e completa condição? Abraças o seu tempo e esse o entorpece e mergulha na escuridão, como se agarrasse uma grande maromba rumo a escuridão de profundo oceano.

Ainda pensas mesmo que esta é a tua viagem? Larga a maromba, larga o fardo. Esta é a ignorância de buda. Quando de fato não existe ignorância nem iluminação. Poderias estar aqui comigo agora?

Fra. J.




quarta-feira, 14 de setembro de 2022

A Sabedoria de Fra. L.A.

Apresentação

Fra. L.A. retirou-se no silêncio, antes disso ele nos disse que tinha nos ensinado tudo já, todo o necessário e tudo que ele sabe, no caminho da iluminação, e nos autorizou a ensinar, disponibilizar e transmitir todos os ensinamentos públicos, dos quais temos anotações tanto textuais como resumos e gravações (as quais também transcreveremos). 

Seu nome de iniciado será mantido aqui a não ser que recebamos solicitação direta de que sua identidade no mundo seja revelada, à qual ele não dava a mínima importância, mas pelo contrário dizia "nunca nasci, nunca morri, sou consciência", pois conhece a realidade para muito além da personalidade (personalidade que ele considera uma das maiores prisões do ser humano, porque, em vez de usá-la como ferramenta, nos aferramos a ela, nos identificando com ela, criando um falso eu). Esse tempo que tivemos aprendendo com ele foi bastante precioso, mas ele nos preveniu de sua partida deste mundo muitas vezes antes de entrar em silêncio e nos deixou avisados de quando seria. Por outro lado nós ficamos aguardando que nos desse novamente o presente de sua presença antes disso.

Digo aqui ensinos "públicos" porque ele nos instruiu também com duas espécies de ensinos particulares:

a) aqueles que não devem ser dados a pessoas sem a devida preparação (instrução e experiência), pois levarão fatalmente a interpretação errada, incompreensão e confusão devido ao não domínio correto dos significados das palavras nem a devida experiência correspondente ao seu significado e

b) aqueles dirigidos especialmente a cada um individualmente, ensinamentos, práticas, meios, válidos apenas para cada pessoa ou determinada situação que estava passando.

Para ter acesso a esse segundo tipo de ensino é preciso estar nos estudos preliminares, que ele descreveu como "estar sob a árvore". Assim, só as pessoas sob acompanhamento, que já dominam o significado de certas palavras e com uma mínima experiência, poderiam receber estes outros poucos e definitivos. Depois disso a pessoa deveria "sair de debaixo da árvore" e percorrer seu próprio caminho. Estes ensinos mais particulares nós disponibilizamos nos grupos entre participantes assíduos.

Os públicos, preliminares e essenciais vamos procurar expô-los todos aqui por escrito na medida do possível. Eles são universais, servem para budistas ou não budistas, agnósticos ou cristãos, cegos ou com pouca poeira nos olhos, pois devem levar a pessoa a ver por si mesmo e a constatar por suas próprias investigações, meditações e experiências, e diante disso fazer suas próprias escolhas e interpretações dos fatos. Estes não são apenas básicos, mas também a essência, o miolo, os fundamentos amplos sem os quais não se pode de modo algum chegar aos mais avançados. Eles são mais numerosos e os particulares são os mais preciosos.



Num primeiro momento Fra. L.A. conversou conosco sobre assuntos gerais e de nossas experiências, num segundo momento ele nos transmitiu o ensino particular do Mahamudra, estudando três vezes seguidas, cada uma por uma ou mais traduções devido a não existirem boas traduções nem em português nem em inglês, das duas versões mais antigas existentes, em sânscrito e tibetano. Durante esse período, ele nos falava de cada frase, em seu sentido ordinário e prático e nos sentidos para estudantes e para amadurecidos. Conversávamos, fazíamos perguntas, e formulávamos também maneiras de dizer aquilo para outros de uma forma que todos pudessem compreender (apesar de em muitos casos ele lamentava tanto por não haverem muitas pessoas no mundo capazes de ter esse tipo de conversa quanto por ele mesmo não ter como expressar suas experiências que ainda não compartilhávamos).

Num terceiro momento voltamos a todos os tipos de tema incluindo também o Mahamudra, e especialmente os ensinamentos e leis herméticas, os ensinamentos do Tao e o caminho da "não-ação", e também sobre os ensinos dos santos, a Filocalia, e textos cristãos (canônicos, doutrinários e apócrifos), assim como secundariamente sobre muitas outras coisas como os destinos políticos da humanidade, as ideologias e seus malefícios, as questões sobre a liberdade individual e a libertação final, os estados para além da mente ou puramente espirituais, os condicionamentos e os problemas da psicologia comum, o legado da filosofia antiga e os problemas de como se entende a filosofia na atualidade, etc.. 

Falo secundariamente, porque apesar de se dedicar com o mesmo afinco a essas questões ele já havia dito serem diferentes da realidade última e que é realmente importante e eterna, em contraste com o que é passageiro, algo momentâneo e desse mundo. E também porque apesar desses conhecimentos todos falava-nos como uma pessoa muito simples e se dizia estar agora analfabeto. Era como se classificasse suas falas internamente em coisas da personalidade e coisas da iluminação, mas nós é que teríamos que fazer a separação. 

Da mesma forma trataremos as anotações aqui, elas não obedecerão ordem nem cronológica nem por tópicos e nem por esses três momentos, cabendo a cada um arrumar em si; e assim fazer as ligações e relações, pois acredito que só assim a pessoa se apossa do assunto, ou seja, torna aquele conhecimento realmente seu, em vez de mera repetição de informações previamente organizadas didaticamente.

A didática de Fra. L.A. consiste precisamente nisso, não ter nada a dizer, nada preparado nem organizado, mas fluir como um rio de sabedoria, estreito, pois em poucas palavras e com falas curtas ele disse tudo que é necessário nesse veículo. Ele preferia ficar em silêncio e ouvir ou que fizéssemos perguntas e nos disse que o silêncio é o melhor professor. Com esse exemplo também nos instruiu sobre o que chegou muitas vezes a dizer: que sem atingir o silêncio interior não podemos de fato conhecer nada.

"Você vê uma flor [fazia a imitação de uma flor com a mão], se pensar que ela é bonita, já foi, já entrou o julgamento".

Por Fra. I.L.I.V.



sexta-feira, 9 de julho de 2021

Em poucas palavras o que é o Daimoru

P. O que é daimoru?

R. (Por Ryokan Hiroshi)

Já falei sobre a compreensão e a minha compreensão. Agora vou falar em terapia. Primeiro é o que se pode chamar "cortar pela raíz".

Existem raízes principais e os rizóides, existem uns grossos outros finos. O normal é combater raíz por raíz. Isso pode ser muito improdutivo. Porque enqunto você corta rizóides de um lado outros crescem do outro sem que veja. Mas combater raíz por raíz é bom também, desde que dedique mais tempo em cortar a principal. E leva tempo, muito tempo.

Outra coisa é cortar pela raíz. Você vai demorar, mas quando começa a atacar a raíz principal, as menosres comecam a morrer. É assim no zen, no Tao, com o wo wei ["não ação"], você ataca a raíz principal e destrói toda a árvore do mal.

Dizem aqui que a principal raiz é o orgulho, outros que é a soberba, não deixa de ser certo. O que fez Adão comer o fruto perigoso? Aí outros dizem que o pecado original é o sexo: quando não conhece a religião que professa dá nisso. A raiz principal é isso, é a presunção do eu como Buda chama. É a soberba do eu. O confiar no eu e querer ser igual a Deus, seu eu de inexiste a superestimado, foi o que fez Adão comer a fruta. Sim! Nao foi satã, ele teve a escolha.


E se você escolher agora cortar essa raiz? "Negue-se as si mesmo", Jesus disse. Cortar a presunção do eu demora, mas enquanto faz isso as demais raízes que depedem dessa, a principal, vão enfraquecendo, se extinguindo.

E o que é uma terapia baseada nisso? Este é o segundo aspecto! O mais importante no encontro terapêutico. É triturar. Esmagar e triturar é fazer em pedaços, em pedaços pequenos, tudo fica claro e desfeito, sem a força daquela unidade, daquele bolo alimentar. Não dá mais para emendar e as raízes cortadas morrem.

Na terapia uma parte é ensinar como se faz isso. E enquanto a libertação total não acontece vai ensinando a estar consciente e conhecer o funcionamento de todo o resto e dos problemas como realmente são, e quais suas reais causas, e como lidar com eles e se libertar deles enquanto a libertação plena ainda não acontece. E isso vai liberando o caminho. Vai levando à libertação final mais cedo!

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2021

Da Ilusão do Eu e da Consciência



Do livro O Caminho para Cristo 

JACOB BOEHME

Jesus disse: “Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me”. -

Mt. 16,24; Mc. 8,34; Lc. 9,23; Jo.12,26.

Pedro disse a Jesus: “Eis que nós deixamos tudo e te seguimos”. - Mt. 19,27; Mc. 10,28; Lc. 

18,28.

A VERDADEIRA RESIGNAÇÃO

CAPÍTULO I

Lúcifer e Adão, o primeiro homem, constituem um claro exemplo do que o eu é capaz quando toma a luz da natureza como sendo sua, passando a caminhar preocupado com o seu próprio domínio. Da mesma forma, pode-se observar os expertos das artes e ciências: quando adquirem a luz deste mundo ou natureza exterior, como posse da razão, nada resulta disto senão orgulho próprio. Ainda assim, todo o mundo busca e deseja veementemente esta luz, como se fosse o melhor tesouro; de fato, este é o melhor tesouro que este mundo pode oferecer, se usado corretamente.

2. Porém, enquanto o eu ou a razão estiver cativo e firmemente limitado a uma prisão sólida e cerrada, ou seja, na cólera de Deus e na materialidade, torna-se muito perigoso para um homem fazer uso da luz do conhecimento no eu, como se ela estivesse em sua posse.

3. Pois, a ira do eterno e da natureza temporal logo irão tomar o gosto por isto, então o eu e a própria razão do homem irão surgir no orgulho, deixando de lado a verdadeira humildade resignada para com Deus; não mais irão comer da fruta do paraíso, mas da propriedade do eu, ou seja, daquele domínio da vida onde o bem e o mal estão misturados, como fizeram Lúcifer e Adão. Ambos adentraram, novamente o original, de onde surgiram todas as criaturas, com o desejo do eu. Lúcifer no centro e na natureza colérica, na matriz ou ventre de onde surge o fogo; Adão, na natureza terrestre, na matriz do mundo exterior, ou seja, na cobiça do bem e do mal.

4. Isto se passou, porque eles tinham a luz da compreensão brilhando no eu; assim, puderam olhar para si mesmo, o espírito do eu pôde adentrar a imaginação (num desejo de conseguir o centro), puderam se exaltar na potência, força e conhecimento. Lúcifer buscou a mãe do fogo em seu centro, pensando reinar ali sobre o amor de Deus e de todos os anjos; Adão também desejou experimentar na essência, o que era a mãe ou a raiz, de onde surgiu o bem e o mal, colocando ali seu desejo, propositalmente, a fim de se tornar instruído e cheio de entendimento. Mas, com estes atos, ambos foram capturados em seu desejo falso ou mal, na mãe, separando-se da resignação proveniente de Deus, com isto foram apanhados pelo espírito da vontade, através do desejo na mãe. Este desejo tomou o domínio na natureza, imediatamente; o resultado foi que Lúcifer se fixou na colérica fonte do fogo e que o fogo se manifestou no espírito de sua vontade, com isto a criatura com seu desejo se tornou um inimigo do amor e da suavidade de Deus.

5. Adão, da mesma forma, foi imediatamente capturado pela mãe terrestre, que é o bem e o mal, criado da cólera e do amor de Deus, compactados numa mesma substância. Com isto, a propriedade terrestre dominou Adão instantaneamente; o resultado foi que a partir de então, o calor e o frio, a inveja e a cólera, e toda a malícia e contrariedade de Deus se manifestou, dominando o homem.

6. Mas, se eles não tivessem trazido a luz do conhecimento para o eu, então o espelho do conhecimento do centro e do original da criatura, ou seja, do poder que tinha em si mesmo, não teria se manifestado, não dando surgimento à imaginação e à cobiça.

7. Vemos que freqüentemente, nos dias de hoje, o mesmo erro traz o perigo sobre os iluminados filhos de Deus; quando o sol da grande presença da santidade de Deus brilha neles, fazendo com que a vida triunfe, a razão se enxerga como que num espelho, a vontade invade o eu, buscando a si mesma, experimenta o que é o centro, de onde brilha a luz; a vontade com seu próprio movimento e força se lança neste centro, de onde surge o abominável orgulho e o amor próprio; esta é então a razão própria da criatura, não é senão um espelho da Sabedoria eterna, julgando-se maior do que realmente é; depois disto, o que quer que faça, pensa ser a vontade de Deus que faz através dela e nela, continuando com seu desejo próprio; esse desejo próprio surge, prontamente, no centro da natureza, adentrando aquele falso desejo do eu contra Deus; a vontade entra então num auto-conceito e exaltação.

8. Com isto, o demônio sutil se insinua na criatura, separando o centro da natureza, trazendo o mal ou falsos desejos para dentro dela, fazendo com que o homem fique como que bêbado no eu; e ainda o convence de que está sendo guiado por Deus; com isto o bom princípio, onde a luz divina brilha na natureza, começa a se deteriorar e a luz de Deus deixa o homem.

9. Apesar disto, a luz exterior da natureza exterior ainda permanece brilhando na criatura. Pois, seu próprio eu se lança nela, acreditando ser a primeira luz de Deus; mas não é bem assim. Nesta auto exaltação na luz de sua razão exterior, o mal se pronuncia novamente (embora na primeira luz, que era divina, ele foi forçado a partir), retornando com um desejo setenário, do qual o Cristo falou dizendo: “Quando o espírito impuro deixa um homem, ele vagueia por lugares secos, buscando o repouso, mas nada encontra; então toma para si sete espíritos piores do que ele, retornando para sua primeira casa; encontrando a casa limpa e adorada, ali faz sua morada, sendo pior para o homem do que antes”.

10. Esta casa que está tão limpa e adornada, é a luz da razão no eu. Pois, se um homem traz seu desejo e vontade para Deus, fazendo abstinência desta vida fraca, desejando em seu coração o amor de Deus, esse amor irá, certamente se manifestar ao homem, com seu mais doce e amigável semblante, pelo qual a luz exterior também é acesa. Pois, onde a luz de Deus é acesa, lá haverá luz; ali o mal não pode ficar, deve partir; então ele busca através da mãe original da vida, ou seja, o centro, mas este se tornou um lugar seco e débil. Pois, a cólera de Deus, ou o centro da natureza, em sua própria propriedade se encontra débil, estéril e seca, não podendo dominar em seu próprio princípio colérico. Satã procurou encontrar nestes lugares, uma porta aberta, a fim de entrar com seu desejo e assim separar a alma, exaltando-se a si mesmo.

11. Se o espírito da vontade da criatura lançar a si mesmo, com a luz da razão, no centro, ou no eu, num processo de auto exaltação, deixará novamente a luz de Deus, abrindo uma porta para que o mal entre numa bela casa para habitar a luz da razão. Então o mal toma para si as sete formas da propriedade da vida no eu, ou seja, as exaltações que abandonaram a Deus e se encontram no eu: Ali ele entra, coloca seu desejo na luxúria do eu e das más imaginações, onde o espírito da vontade vê a si mesmo nas formas das propriedades da vida na luz exterior, então o homem se afunda em si mesmo, como se estivesse bêbado, as estrelas se apegam a ele, trazendo suas fortes influências (na Razão exterior) a fim de que ele ali possa buscar e manifestar as maravilhas de Deus. Pois, todas as criaturas suspiram e almejam a Deus, e ainda que as estrelas não possam apreender o espírito de Deus, é preferível ter um lugar de luz onde possam se regozijarem, do que uma casa fechada onde não possam ter descanso.

12. Assim caminha o homem, como se estivesse bêbado, na luz da razão exterior, chamada de estrelas, apreendendo grandes e maravilhosas coisas, contando com uma orientação contínua. O mal, presente, observa se alguma porta permanece aberta para ele, através da qual pode acender o centro da vida, para que o espírito da vontade possa atingir o topo do orgulho, do alto conceito ou da cobiça (de onde surge a arrogância, a vontade da razão desejando ser honrada); pois se supõe ter atingido toda a felicidade, ao adquirir a luz da razão, podendo julgar a casa dos mistérios ocultos que está fechada; a qual Deus pode facilmente abrir. O homem iludido, acredita ter alcançado o marco, que a honra se deve a ele, pois ele adquiriu a compreensão da razão, não passa pela sua cabeça que o mal o fez casar com seu desejo nas sete formas da vida do centro da natureza, nem que cometeu um erro abominável.

13. Desta compreensão da razão surgiu uma falsa Babel na Igreja Cristã, onde os homens ensinam e criam regras baseados em conclusões da razão, colocando a criança, embriagada em seu próprio orgulho e auto-desejo, como uma virgem sobre o trono.

14. Mas o mal penetrou suas sete formas de vida do centro, ou seja, em sua própria razão auto-concebida, trazendo seu desejo continuamente para o interior desta virgem, recebida pelas estrelas. Ele é sua besta, na qual se movimenta, bem adornado com os próprios poderes da vida, como observamos no Apocalipse de São João. Desta forma, a criança é entregue em poder do olhar exterior da santidade divina, ou seja, a luz da razão, pretendendo ser a justa criança da casa, embora o mal aí tenha seu abrigo o tempo todo.

15. O mesmo acontece com todos aqueles que já foram, alguma vez, iluminados por Deus e que mais uma vez abandonaram a verdadeira resignação, desmamando, deixando o puro leite de suas mães, ou a verdadeira humildade.

domingo, 14 de junho de 2020

O que ensinamos?

Por Ryokan Hiroshi


Olá, amigos, estudantes, interessados, sejam bem vindos. Vocês estão aqui para mais uma vez, ou primeira vez, ter uma introdução sobre nossos assuntos, nossa prática, nosso significado. E já, como sempre, todo o básico já, para ir desenvolvendo. O que ensinamos?

Primeiro vou dizer o que é que dizemos, para dizer o fazemos e porque fazemos e então o que ensinamos. É uma perspectiva bem melhor assim, porque não é dogmática, é prática. Estou aqui para apresentar a perspectiva da psicologia do Buda, sua abordagem ou suas abordagens, melhor dizendo. E antes de apresentar o que diz a psicologia de Buda é preciso saber o que diz Buda e o que diz a tradição e porque...

O que dizemos?


Dizemos que todos os seres estão aqui sujeitos ao sofrimento e ao prazer, assim como estão também ignorantes de muitas coisas. Entre elas o principal, o que sou eu? Como é que eu funciono?  Onde estou? Para onde vou?

Estas questões não são só minhas. Mas dizem há também outras. Outras perguntas para nós não tem importância primária, mas vou dizê-las porque vocês aqui sempre dizem, "de onde eu vim?", "quem eu sou". Uma pergunta sem muito propósito e outra errada. Para que você quer saber de onde veio? De que serve essa informação? Ou, o que você vai fazer com ela? Primeiro você precisa saber porque está perguntando isso. Saber sua origem pode ajudar a descobrir O QUE é você... Não tão mal! Agora essa pergunta ganhou um propósito.

Mas quem é você? Essa [é uma] pergunta errada. Atrapalha tudo. "Quem" é uma coisa que muda, no tempo, de ponto de vista, mas pior é: "quem" é o que? O que você quer dizer com quem? Uma pessoa? A personalidade? Sua mente? A consciência? Uma certa parte de uma delas? Todo o conjunto do seu ser? O eu?...

Então uma coisa que Buda perguntaria é "que eu?". E Buda diz que não há "eu"...

Me mostre o "eu" primeiro e então eu digo quem você não é!

(Você não vai conseguir me mostrar eu algum. Eu gosto do zen, eu uso o zen porque é a melhor linguagem para mim, por muitos anos eu fui zen. Todo mundo nota...) Eu vou lhe fazer uma pergunta: o que nós dizemos para você?

[Silêncio e olhares, ele olha para cada um em particular]

Nós dizemos que você não tem manual de instruções sobre você, nem sobre esse mundo, nem sobre a vida... Nós dizemos que você não sabe o que é você e nem como você funciona. Nós dizemos que você não sabe para onde vai. Este é o que queremos dizer, esse é nosso significado, de estar aqui, para transmitir... E nós dizemos que isso não está certo, não é correto. Vamos estudar essa "deficiência psicológica"?

Então trazemos esse ensinamento que é chamado dharma. Dharma (ensinamento) é medicina para esse estado de existir e de saber. Só isso. Muitos dizem "ah, budismo, uma religião...". Budismo não é uma religião. É uma palavra inventada, no ocidente, para "ensinamento de Buda" [(Budha dharma)]. E "Buda" que é isso? É uma palavra para dizer "aquele que despertou". É o que levou o carimbo: "curado".

[Ele explica isso escrevendo as palavras e os conceitos na lousa]

Curado de que? Da cegueira (ignorância dessas coisas), da cobiça e da aversão; e do efeito disso; foi aquele que se curou do sofrimento... dizem... Canonicamente falando isso é apenas uma dedução, pois quando ele saiu sem despertar ainda foi à procura disso. Perdoem minha abordagem, mas não é bem assim, essas palavras não são bem traduzidas, adequadas, esqueçam tudo o que ouviram baseado nelas.

Nesse aspecto é mais que o "ser uma religião" porque é uma metodologia detalhada para resolver um certo problema, bem específico. O fato é que o que dizemos é que é uma abordagem, o ensinamento é uma terapia, para esse tipo de cura. Tudo que foi resumido numa palavra, dukka, insatisfação, insatisfatoriedade, que gostam de dizer "sofrimento". Essa foi a busca de Sidharta, antes de se tornar o Buda, resolver esse problema, mas ele encontrou outras coisas também no caminho.

Curar dukkha... Dukkha é nascimento, dor, adoecer, separar-se do que se ama, estar ligado ao que se tem aversão, é decadência, envelhecimento, morte... Assim ele definiu, vejam, não sou eu que estou dizendo. E a causa disso tudo é a ignorância. Seria muito dificil mostrar descrever as cores para cegos de nascença, ou ensinar as notas [musicais] para os surdos de nascimento, então Buda criou uma abordagem especial.

Mas o dharma também não é uma filosofia, e há um problema e algo a ser feito. É também um "o que fazer com isso agora".

Então o primeiro ponto é que dizemos que temos essa herança, essa tradição, desse tipo de medicina para as dores da alma, vamos dizer em linguagem do ocidente, sofrimento, insatisfatoriedade. Mas não é sobre isso só que é o dharma, é sobre paz, comportamento, pureza, conhecimento, relações... São muitas coisas a serem feitas e ou alcançadas. É bem pragmático se gostarem da palavra (eu não gosto, mas não encontro outra).

Então, primeiro ponto, bem aberto, bem amplo, há o budha dharma, o ensinamento de Buda.

Que primeiro é uma medicina. Terapia. Ele nasce assim.

Podemos dizer que na prática é um método, e um modo de viver.

Então isso gera uma filosofia, uma filosofia de vida. E um "modo de ver".

Enfim temos as tradições.

Que depois, se pode dizer, "foi tomada", como religião. Mas são as escolas de pensamento e método, são as escolas diferentes de filosofia. Muito mais certo dizermos que a tradição se dividiu em diversas escolas. Então em um último estágio nós temos essa visão de escolas em diferentes tradições (depois posso dar exemplo). E nelas entram definições próprias também tanto adotadas de concílios gerais quanto de seus próprios concílios...

Ok, o que dizemos... Nós estamos com uma visão embassada.

Então nós dizemos que estamos doentes, e que essa doença tem uma causa, e que, é difícil, mas se eliminarmos essa causa ela desaparece. Mas existe uma terapia que leva à cura!

Ei, eu sei que todos aqui já conhecem as quatro nobres verdades, que parafrasiei agora, não vou ter que repetir. Mas para os novos... Vamos?

Há...
Dukkha
Mas dukkha tem uma causa...
Ignorância-cobiça-aversão é a causa
Mas existe a cessação de dukkha
A cessação da ignorância-cobiça-aversão
E existe um caminho para a cessação de dukkha
O nobre caminho octuplo

E isso é o fazemos, percorremos esse caminho óctuplo. Nós fazemos o caminho óctuplo para nos libertarmos da ignorância-cobiça-aversão e sua s consequências. Conscientes disso até aqui...

O que fazemos


Ok, budismo não é religião, religião é religação, retorno, budismo, que também não existe, qual é nome certo? Isso, dharma do Buddha. Porque não se liga a nenhum deus, nem ser, nem retorna a nenhum lugar, não se religa.

Só que se pensarmos que esse procedimento nos leva a nossa verdadeira natureza pura antes da queda, antes da ignorância; então se ela é a verdadeira nós já tínhamos! Estão religa. A questão é antes existia um nós? E se existia esse estava ligado à natureza original? Buda diz que não, não havia esse nós, esse eu separado, ele é uma ilusão. Mas vamos com calma, chegaremos já nesse ponto. Porque aqui chegamos num nó desse dhamma [(palavra pali para o sânscrito "dharma")]. E dharma não é uma filosofia, isso foi um método usado por Buda para a pessoa largar o falso e poder encontrar o verdadeiro.

O dharma é tratamento psicólogico. Uma terapia. Uma medicina. Hoje nós poderíamos bem colocar ali no meio da "medicina oriental". "Ah, uma é medicina chinesa, hum, uma é tai-chi, outra é yoga, outra é ayuvédica, ah, tem outra, dharma do Buda". Buda se disse médico. Por que?

Porque estamos doentes, a cegueira e a doença,  ignorância das perguntas que eu fiz é a doenca: que sou, como funciono, onde estou, para onde vou? Só que essa cegueira ou ignorância no dharma não é pela ausência de um saber, mas pela presença de um obstáculo que impede de ver. É como uma névoa que nos turva e nos esconde a realidade.

A causa é um vírus, uma estrutura alienígena à nossa natureza original e essa estrutura é composta de dois opostos: cobiça, desejo, apego, ganância de um lado, e do outro lado ódio, aversão, ressentimento, rancor.

[Indo à lousa para escrever algo] (Vocês estão notando que eu gosto do número quatro não é? Por isso vou colocar ele em dobro agora...)

Mas existe cura para isso. E Buda ensinou um jeito! Se chama "nobre caminho óctuplo". É o que fazemos sobre isso.

[Desenhou uma roda do dharma e escreveu em ordem:]

  1. Compreensão Correta(Samyag-drsti);       
  2. Pensamento Correto(Samyak-samkalpa);
  3. Fala Correta (Samyag-vac);        
  4. Ação Correta (Samyak-karmanta);
  5. Meio de Vida Correto (Samyag-ajiva);      
  6. Esforço Correto (Samyak-vyayama);
  7. Atenção Correta (Samyak-smrti);      
  8. Concentração Correta(Samyak-samadhi).

Isto é o que ensinamos, a realizar esse caminho, basicamente é isso. Porque é isso que fazemos. Pessoas aqui de todas as culturas, de todas as etinias, de todas as religiões ou sem religião, não importa. Essa [é a]  terapia para tratar esse problema humano.

O que ensinamos?


Então ensinamos isso. Vamos ver passo a passo cada ensinamento desse caminho óctuplo. Mas não é só isso, temos outro lado do ensinamento, que veremos após esse, como os paramitas, por exemplo. Vamos comecar pelo primeiro, "reta compreensao". Outra forma melhor de dizer o primeiro é "visão correta" ou "consciência correta". O primeiro é o ponto de partida. Como ensinamos a ver corretamente nessa tradição?

Você precisa ver as coisas como elas são para que seu "apego-aversão" diminua. Apego não é simplesmente gostar, querer, é "apego sedento" que estamos falando, que dá uma falsa sensação de posse, ou que busca possuir, e de identidade-identificação com a coisa possuída, aparentemente possuída ou desejada. Chama-se "desejo-apego". "Aversão" é mais fácil de ser entendido, pois é o que é, aversão, repulsa, ódio, intolerância...

Primeiro ensinamento prático


Como é que praticamos a consciência correta? Primeiramente é percebendo que toda coisa e fenômeno nessa natureza tem três características: tudo é impermanente, insubstancial e consequentemente insatisfatório. Insubstancial é não ter existência nem realidade em si mesmo nem por si mesmo, ser definido por conjuntos, agregados, de condições, causas e relações, dependente, portanto não-eterno e não-eu, ou seja disprovido de um ser real em si, condicionado. E nós e todos os que amamos estamos incluídos nessas três características, portanto não temos um eu próprio, em si mesmo, mas agregados mentais condicionados fruto das mesmas causas, condições e relações, portanto impermanente, portanto insatisfatório.

Sim, nós não somos um eu, segundo Buda, nós temos um eu impermanente, insubstancial, insatisfatório, nem sempre presente, chamado eu convencional... No zen falamos que o objetivo é conhecer o verdadeiro eu. E uns perguntam se o verdadeiro eu é o não eu. Que pergunta mais zen! Mas não. O verdadeiro eu é o que é eterno em nós, é isso que precisamos encontrar e conhecer nessa etapa, chamado em todo mahayana (inclusive no nosso bodhisatvayana) de "nossa verdadeira natureza" ou natureza verdadeira da mente ou da consciência, ou também chamada de consciência-apenas na escola zen (apesar que existe outra visão de outra escola aí, que diz que não há eu algum nem mente alguma nem  consciência, mas está errada, e Buda nunca ensinou isso, é invenção; e outra diz que anatta ou anatma é não-alma em vez de não eu, todos sabemos que Buda nunca disse que não tínhamos alma, mente, de jeito nenhum [a palavra alma vem do latim anima que é a tradução do termo grego psique, mente, Buda nunca falou que não tínhamos mente]). Essas são as três características da existência, se você observar vai vê-las em tudo e em todos.

Pronto, primeira lição. Vejam isso...

Isso é o que ensinamos a entender e a fazer.

Para esta manhã é isso que temos, mais tarde continuamos, com a segunda lição.

Mas por agora eu preciso de suas perguntas...
As coisas mais importantes eu falo nas respostas às perguntas geralmente...

Perguntas


P. O senhor falou que budismo não é uma religião então porque alguns se dizem da religião budista e como é que eu faço para me tornar um budista sem ser da religião budista?

R. Boa pergunta. Duas perguntas, na verdade. Respondendo a primeira. Por que uns se dizem da religião budista? Porque ainda não despertam...

Quando você despertar deixará de ser budista, zen, ou qualquer coisa referida a isso, isto é uma ferramenta, como uma chave de mecânico. Depois que você faz o reparo que precisa com ela você sai por aí dizendo "agora eu sou um chaveiro", ou "agora eu sou mecânico"? Espero que não.

Eles aprenderam assim. Eu ensino de outro jeito logo no começo porque eu fui budista de várias escolas, terra pura, a da minha familia, tientai, soto, rinzai, tendai, theravada, shin, sanbo kyodan... Outras passei por elas também, mas como a primeira sem muito aprofundamento, e só pude me aprofundar no shin [terra pura] quando me aprofundei no bodhisatvayana, quando estava fora dela, quando você se identifica com algo isso gera obstáculo, apego, atrapalha, você cria um novo "eu budista", um novo muro em sua prisão.

Então não é preciso se tornar budista de modo algum, isso pode até atrapalhar. Você pode fazer melhor se tornando um praticante, isto é, praticante do ensinamento. É assim que falamos. Isto é o que deve fazer tanto o que quer ser "budista" quanto o que não quer ser "budista", quer apenas usufruir do treinamento...

A palavra religião nem existia no budismo por séculos. E até hoje, apesar de menos, você verá, pessoas de outras religiões na China, Coréia, Japão, Tailândia sendo assíduos praticantes do budismo, especialmente no sanbo zen você tem até monges, padres, sacerdotes de outros sistemas...

Se a pessoa segue uma religião é melhor que continue, descobrirá muito mais coisas sobre si mesma se não tomar a prática como uma religiosidade. A religiosidade é apenas um desencargo de consciência, para as pessoas que só seguem a si mesmas, que não se adaptam a verdades, regras, disciplinas que não sejam as suas próprias, que não querem ir nem um pouco além de suas margens de conforto, nem tem compromisso com a verdade, só unicamente com o prazer. Religião é algo bem mais sério. Não algo para ficar quicando de uma para outra ou para tomar apenas parcialmente. Nós aqui na ordem não brincamos com a religião dos outros.

Por isso a sua segunda pergunda é muito importante. A maioria das escolas exigem que se tenha um professor ou mesmo uma iniciação para se tornar praticante. Mas isso parece brincadeira. Quer dizer que não posso praticar isso se me fizer bem? Eu não penso assim. Buda disse que um bhikshu ou um brahmane é todo o que ouve o ensinamento e pratica, não disse que é todo que tem um professor ou iniciação.

E existem os sutras. Existem iniciações e permissões especiais para os mais avançados, mas para ser um praticante o principal é seguir os cinco preceitos, não quatro, não três, cinco. É o começo de tudo. Gostam de chamar aqui de treinamentos, isso é uma confusão, são preceitos, não treinamentos. Ouvir o dharma e aplicar o ensinamento, e para se considerar um praticante a condição é tomar os cinco preceitos, a diciplina moral. Sem isso não adianta nada, esqueça.

São três coisas que você precisa fazer. A primeira é essa. Tem que tomar os preceitos, adotá-los como lei. A outra é o tríplice treinamento:

1. Sila, virtude;
2. Samadhi, concentração e
3. Panna, ou prajna, sabedoria

Agora sim, treinamentos. Esses são os treinamentos.

 E tem que seguir os três fundamentos (sila, virtude; dana, generosidade e bhavana desenvolvimento da mente). Fundamentos, ou seja, sem isso deixa de ser o dharma.

Observe que é um método que tem a purificação da mente como ferramenta, mas também como objetivo e resultado. "Fazer o bem, evitar o mal e purificar a mente, estes são os ensinamentos de todos os budas". Você tem essa sentença também na Bíblia duas vezes, uma na Antiga Aliança e outra na Nova Aliança. E agora? Se os médicos passam para você um remédio que tem três substâncias ativas porque só as três juntas curam, você vai na farmácia e compra um que tenha apenas uma das substâncias ou duas porque o remédio é caro ou alguma substância é amarga e o que acontece? Você vai morrer! Não adianta.

[Risos]

Quem me procurar querendo aprender a meditar eu vou ver primeiro se a pessoa quer purificar a mente, se ela quer ser boa, amorosa. Se não, eu a enxoto. Meditar não serve para nada. O remédio só faz efeito com os preceitos, fundamentos e treinamentos, e estes você ainda vai ter que aprofundar depois em sua recuperação, com mais treinos, os paramitas e o voto do bodhisatva são o ápice da virtude, complementam o treinamento.

Os preceitos e treinamentos sozinhos fariam ainda bem melhor efeito que a concentração sozinha. Seria melhor que ele me procurasse para que eu ensinasse a ser uma pessoa boa, inofensiva ou generosa ou que me pedisse para tomar só os preceitos. Eu fico muito triste se numa turma algum confessa que está só interessado em "aprender a meditar". Tais pessoas são más, egoístas, e não sabem disso, se sentem zen, trancendentais, e não querem nem ouvir o outro, não há interesse pelo outro, são materialistas, querem se sentir bem, só isso.

Quase todas as escolas falam sobre tomada de refúgio como prerrogativa, mas algumas poucas escolas não, outras ainda pelo menos não fazem disso uma exigência. Isso é uma tradição que surgiu depois de alguns concílios, especialmente os ecumênicos, como exigência para os monges. Era uma tradição da Índia antiga, se chama tomar refúgio no mestre, no professor, aquele passa a ser o cuidador, o defensor, tudo, como um pai para um filho, o pai entregava o filho àquele, que seria um pai para ele e os outros como sua família. Os samanas podiam ser individualmente um refúgio para seus discípulos, pois esses abandonavam as velhas crenças, os sacrifícios em troca da proteção dos devas, os deuses da Índia, nesse caso haveria um líder e responsável pelos outros, que seria professor e eles o obedeceriam... No budismo passou a haver as três jóias como refúgio. Foi um remédio. Mas o verdadeiro refúgio era apenas na verdade (também chamada dharma). Se você obriga a pessoa a tomar refúgio no Buda, novamente temos uma religiosidade, a pessoa mal conhece o que Buda ensinou e já o toma como um deus da verdade e um protetor pessoal. Nós não devemos fazer tais exigências de uma fé cega.

P. No budismo mahayana ainda existe o refúgio no guru sempre?

R. Muitas escolas mahayanas continuaram com esse costume, mas também adicionaram ao refúgio nas três joias ainda o refúgio no guru e nos três reais refúgios, ou joias internas, a natureza búdica interior, a verdade transcendente, e aos iluminados do passado. Angumas escolas do vajrayana extendem isso ainda a outros níveis de refúgio ou de entendimento. Eu prefiro encarar como níveis de penetração no entendimento de um refúgio real do que como três tipos de triplo refúgio literais.

Isso tudo foi para satisfazer o culto a ancestrais que havia em  algumas regiões, ou às divindades que passaram a ser vistas agora como budas ou emanações do Buda Eterno em outra. Eu não recomendo essa prática e nós não exigimos nenhum tipo de refúgio. Buda disse [que] seja cada um refúgio para si mesmo. Parece duro, mas existem alguns aspectos bem duros no ensinamento. Buda disse, quando eu me for vocês têm o dharma... Ele não disse que ia nos guiar de um outro mundo. Nem disse que ia nos ajudar. O religioso budista tem seu refúgio no dharma. Isso não é uma regra nova, nem geral. Como recebi transmito. Se colocar isso como condição o dharma se fecha. Como o dharma é uma yoga não pode ser exclusivista, pois é uma ciência antiga. O dharma do taoísmo e do budismo e da yoga são dharmas "não-exclusivistas". Existem outros dharmas exclusivistas, não é problema, faz parte de sua condição, aqui não há essa condição, mas a condição de tomar os preceitos existe. Você não pode de jeito nenhum se dizer um praticante e sair se embriagando, mentindo, roubando. Não!

Existem ainda como eu disse o ensinamento das 6 perfeicoes para os iniciantes e 10 (12 ou 14, depende). Usamos 14 porque existem sutras em que não coincidem os dez resultando em acréscimos, mas podem também ser incluídos como aspectos dos 10.

E por última condição você precisa assimir o compromisso consigo mesmo de praticar as três únicas práticas que tornam você um praticante: a diciplina que inclui os preceitos e a prática moral, o ser generoso, dar sempre, se colocar sempre em último lugar, servir (especialmente no bodhisatvayana) e por último a concentração, que chamam de meditação, mas inclui consciência correta, atenção correta e concentração correta.

Recapitulando: preceitos, fundamentos e compromisso (esse compromisso pode ser com um professor, ou através de uma iniciação ou consigo mesmo em sinceridade). Daí você recebe os treinamentos e vai praticando, aprofundando e recebendo mais, e assim por diante.

Basicamente é isso todo o necessário para ser um praticante.

P. Mas não existe uma dimensão de fé, que pode ser entendida como religiosa?

R. Até podemos admitir alguns aspectos, como a fé, a confiança no professor. Mas você precisa dessa fé de qualquer modo para qualquer coisa. Se estuda medicina vai ter confiar, em alguma medida pelo menos, no professor, nos livros nos sinais que foi instruido a interpretar como sendo isso e aquilo. Se vai a uma cidade desconhecida você compra um mapa. Porque você confia no mapa? Pura fé. Você pode dizer "mas aí é diferente", você já estudou ciências sociais ou humanas? Para nós, é tudo baseado em fé. Aa! Não acredita? É porque você nao teve que estudar psicologia como eu!

Como eu disse antes o que define religião é a questão de religar-se a algo, geralmente um ser supremo, um estado anterior, um local. Não é se há fé ou não há fé. Muita coisa na vida é pura crença e não é religião. No budismo existem escolas até que falam de uma terra pura, mas não de um retorno, outras falam de um Buda Eterno, mas você não estava antes com ele. A questão do refúgio pode ser uma questão de fé, ou de religião, mas a origem desta prática, é totalmente diferente, o objetivo é outro.

Você pode ter a religião que quiser, isso aqui não interfere, isso interfere como um psicólogo, um psicanalista e um psiquiatra, trabalhando juntos, para você deixar de ser escravo de certos pesadelos que levarão sua vida a um colapso!

Fui bem exagerado agora, não? Não, eu penso assim mesmo. Não sei como se pode viver sem saber para onde vai, seja depois da morte ou daqui a alguns anos, nem em que tipo de pessoa vou me transformar, ou se vou estar em paz ou em conflitos e sofrimentos. Então eu não posso mais ser zen, não é verdade?

[RISOS]

P. Eu sou cristão e tenho um amigo da religião afro... Ele tem suas obrigações com orixás. De mim não posso ter outro refúgio que não seja Jesus Cristo, que não seja Deus triuno... Mas digamos que vou ser um praticante 100% do que é ensinado numa tradição por meu interesse na cultura se eu fosse dessa cultura, vamos supor, ou interesse no aspecto psicológico. Como conciliar? Isto seria possível? Porque parece possível da forma como o senhor apresenta.

R. Não tem problema. Você só vai precisar encontrar uma escola que aceite isso caso você queira oficialmente seguir tudo dentro da tradição. Mas não ha necessidade disso.

Em algumas tradições ou escolas sim, porque algumas você tem que receber uma iniciação, vão exigir isto, noutras você tem que prometer fidelidade e exclusividade, noutras a obrigação da tomada de refúgio. Essas escolos podem incluir tudo isso junto, são a maioria. Você teria que encontrar uma escola, como a sanbo zen por exemplo ou alguma do budismo primordial, ou algumas zen que não veja problema, por exemplo.

Mas o mais adequado nesse caso pode ser participar de uma ou duas escolas e estudar várias e se dedicar àquilo que você quer, se psicologia psicologia, se tradição tradição. Você pode ter problemas se a tradição for esotérica, pois provavelmente você não vai penetrar ou se deixarem você penetrar não vão mostrar tudo, sempre vão ver você como de outra tradição ou religião ou cultura ou mesmo como infiltrado, pode causar suspeita, de espião.

No geral, é porque aqui no ocidente o budismo é muito diferente do oriente, aqui se destaca muito a tradição, a oralidade, e se diz que lá é assim. Mas na maioria das escolas o mais valorizado são os sutras. Depois da partida do buda o mais referenciado é o dharma. Os sutras são a expressão mais completa do dharma, para a maioria das escolas. Em muitas deve ser lido o mesmo sutra em todas as reuniões, numas cantando as sílabas e muitas ate na língua original. A autoridade maior depois do Buda é o sutra. E você tem também em muitas o refúgio no guru ou professor que dificulta.

Mas apesar disso o mais importante nas tradições originalmente é seguir o ensino. E o ensino está nos sutras. Você pode ser um praticante solitário em qualquer lugar (existem até tradições de monges completamente solitários). Buda disse isso, essa é a herança e a autoridade. Está acima de professor e linhagens. Você pode se dedicar a qualquer coisa, o todo, ou partes, qualquer aspecto que queira aprender, ou ser um budista completo ou mesmo fundar uma sangha, só a partir dos sutras se você tem estudo suficiente ou se você quer formar uma justamente para estudarem juntos. Foi o próprio Buda que ensinou que seria dessa maneira. O que você não pode é se dizer um praticante e não praticar os preceitos e os fundamentos.

É claro que muitas tradições vão colocar outras coisas, como listas de linhagens que realmente não chegam ao Buda, ou mistérios ocultos nos textos. Eu fui de escola esotérica, sei disso. Mas ao contrário, os sutras são muito claros, muito bem explicados, não há dificuldade. A dificuldade só pode estar em sua mente se não entende. Então precisa buscar alguém ou uma escola.

O que podenacontecer é que em alguma religião possa haver fundamentos contraditórios aos fundamentos do dharma. Por exemplo se a religião tem como obrigações matar ou mandar matar, sacrifícios. O preceito do dharma de não matar de não matar se refere a todos os seres. Esse exemplo é bem claro. Mas podem haver outros fundamentos que não estejam tão claros, a pessoa deve ter uma boa orientação.

Mas se não há contradição siga com as obrigações de sua religião e evite o que vai contra ela, só isso basta para consciliar. Aqui nessa ordem muitos fazem isso, uns querem ir além da  psicologia budista e penetrar mais na tradição e fazem isso ainda. Nao é empecilho ao resultado como muitos dizem. Isso é uma superstição. Que sem refúgio ou sem exclusividade não se chega aos resultados é falso. Quando ouvir isso de algum professor duvide. Quando você não pratica [é que] você não chega a resultados!

P. Eu sou de outra religião não poderia tomar refúgio porque isso seria contrário a ela. É bom saber isso. Mas se tiver práticas ou alguma coisa que fira minha religião posso expor isso e posso não praticar?

R. É só não praticar isso. Ninguém precisa saber. Mas se quiser expor ou discitir isso não tem problema. Você só não pode ser praticante e fazer coisas que vão contra os princípios que já falei. Por exemplo, você não pode matar amimais, nem ser um açougueiro ou ladrão ou lobista. Não deixe sua religião a não ser que veja que ela é prejudicial a você ou aos seres, por exemplo causando sofrimento, matando, enganando, como prática...

P. Pelo que eu entendi eu não posso praticar apenas uma coisa, por exemplo, meditação, mas deixar os preceitos de lado...

R. Pode. Mas para que? Vai ser inútil e até prejudicial. A purificação é uma condição para que alcance alguma coisa na meditação por exemplo, ser generoso também é. Alguém que quer meditar e matar, roubar, mentir, falar palavras baixas ou ofensivas, ter relações sexuais impróprias ou se embriagar é só um egoísta mimado que quer aparecer ou fugir da culpa ou do sofrimento. Ele vai para o inferno. Meditar para que?

Existem escolas que não exigem nada. No zen não é assim. Se você não cumprir as exigências ao entrar nem pode sentar. É assim na vida. No shingon existem rituais a serem feitos cheios de rigor, se a pessoa detesta rituais obterá muito pouco ali.

Umas [escolas] vão deixando a pessoa ir testando os preceitos, gostam da tradução "treinamento" em vez de preceito, porque não os cobra responsabilidades. Se eu ver um aluno meu chingando ou falando palavrão ele só entra na sala se pedir perdão e se mostrar arrependido. Se roubar alguém eu o expluso. Se você chutar o sofá porque tropeçou na quina e ainda chingá-lo, vai ter que examiná-lo, se quebrou, e consertar, e pedir desculpas a ele calma e sinceramente, isto sim é treinamento, não agredir é preceito. Entendeu agora?

Tem que cumprir os três pré-requisitos. Mas chegará o momento de falar mais dessa parte. Alguma pergunta dento do tema exposto?

P. [Do próprio Hiroshi] Sabendo que estamos tratando de algo prático, o que vocês aprenderam hoje? Quem resume numa frase?

R. [De Davi Allen] Devemos procurar ver assim: tudo que nós experienciamos e chamamos de existente é passageiro e desprovido de realidade própria em si mesmo e por isso insatisfatório.

Hiroshi: Ótimo.


...

GASSHÔ






quinta-feira, 31 de outubro de 2019

Vigência do Dharma por Buda

A Profecia sobre a Redução da Vigência do Dharma por Buda

por Octavio da Cunha Botelho
74883_464839106940_263212646940_5350177_3749270_n
Gravura reproduzindo o momento em que Pajapati Gotami insiste com Buda para ser ordenada a primeira monja budista.
            Quando lemos livros ou artigos escritos por adeptos ou por simpatizantes budistas, é possível encontrar estes autores se vangloriando do fato de Buda ter sido o primeiro, na história das religiões, a ordenar mulheres como monjas, elogiando assim o seu caráter tolerante com as mulheres. Entretanto, com base em uma investigação história imparcial e rigorosa, esta vanglória poderá ser infundada. Pelo que é possível verificar a partir dos textos religiosos, das inscrições e das descobertas da arqueologia, os dois primeiros líderes religiosos a ordenarem mulheres como monjas foram Mahavira, reformador do Jainismo, e Buda, fundador do Budismo. Ambos foram conterrâneos e contemporâneos, nos séculos VI e V a.e.c., sendo que o primeiro foi um pouco mais velho. Os dados não são abundantes e tampouco muito específicos, mas, tal como algumas passagens dos textos budistas deixam entrever, a ordem das monjas jainistas (sadhwis) foi fundada primeiro que a ordem das monjas budistas (bhikkhunis), ao mencionarem a existência de outras seitas que admitiam mulheres como ascetas, cujas referências podem ser às comunidades monásticas dos jainistas. O Kalpa Sutra, um dos mais importantes textos jainistas, informa que na época de Mahavira existiam 36 mil monjas (Jacobi, 1994: 267). Certamente, o número é exagerado, mas é capaz de, pelo menos, confirmar que já existiam monjas jainistas quando Buda ordenou a primeira monja budista, a sua tia e mãe de leite, Pajapati Gotami (a mãe de Buda, a rainha Maya, faleceu logo após seu nascimento, portanto ele foi amamentado e criado pela sua tia Pajapati Gotami), tal como uma passagem do Cullavagga menciona, mais especificadamente, no trecho onde são relatados os fatos que cercaram a ordenação desta devota budista.
Demora no registro escrito
            Na antiguidade indiana, época quando e local onde surgiu o Budismo, era comum os textos religiosos serem memorizados e transmitidos apenas oralmente durante muitas gerações, práticas que não foram diferentes com a tradição budista. As datas mais sugeridas para o nascimento e a morte de Buda são: 563 a.e.c. e 483 a.e.c. respectivamente, porém estas datas são controvertidas, a maioria dos autores coloca a data da morte (paranirvana) entre os anos 487 e 480 a.e.c. Após seu falecimento, os textos budistas foram conservados na memória dos monges e transmitidos apenas oralmente por cerca de quatro séculos até a passagem para a forma escrita no século I a.e.c., durante o Quarto Concílio Budista, convocado pelo rei cingalês Vattagamani no Sri Lanka (Hazra, 1982: 50 e Winternitz: vol. II, 1993: 10 e 21). A tradição cingalesa afirma que cerca de quinhentos monges trabalharam na tarefa de recitar e de copiar os textos durante este evento.
            Transcorrido tão longo tempo de transmissão oral e tanta demora até o registro escrito, é difícil acreditar na intocável originalidade do conteúdo. Akira Hirakawa denuncia: “Durante este tempo, os cânones mantidos pelas várias escolas foram expandidos e alterados”. E explica mais adiante: “Uma vez que um longo período transcorreu entre a época das compilações originais doSutra Pitaka e do Vinaya Pitaka e a época quando eles vieram a existir na forma atual, eles não podem ser restaurados em suas formas originais. Trechos mais antigos e mais novos dos textos foram misturados nos cânones em uso atualmente” (Hirakawa, 1990: 70). Então, em virtude desta demora na compilação escrita e a multiplicação de seitas logo nos primeiros anos, é comum encontrarmos um mesmo texto budista com conteúdos diferentes, quando comparadas as redações de distintas correntes. Portanto, esta ocorrência não é diferente com os textos do Vinaya Pitaka (coleção de textos budistas sobre as regras monásticas).
1108737475_3463
Monjas (bhikkhunis) budistas em oração no Nepal
O tanto que estes textos foram alterados, durante os quatro séculos de transmissão oral, não é possível se saber com exatidão agora, apenas conseguimos obter uma pista quando comparamos as diferenças na redação, de um mesmo texto compilado das versões anteriormente memorizadas por diferentes correntes. Esta demora na fixação por escrito e a multiplicação de seitas budistas nos primeiros séculos, com cânones distintos e redações diferentes, levou Edward Conze a desconfiar da originalidade: “Das palavras verdadeiras do Buda nada foi deixado” (…) “a seleção do que foi preservado é devido mais ao acaso do que às considerações de antiguidade e de mérito intrínseco” (…) “O ‘evangelho original’ está além de nosso alcance agora” (Conze, 1996: 08-9). E ainda mais: “O historiador que quiser determinar o que foi realmente a doutrina de Buda, se encontra literalmente diante de milhares de obras, que afirmam todas elas virem diretamente de Buda, e que, no entanto, contém os ensinamentos mais diversos e conflitantes”. (…) “O certo é que só se pode chegar ao extrato mais antigo das escrituras existentes através de inferências e de conjecturas”. (…) “Todas estas intenções de reconstruir um budismo ‘original’ só têm uma coisa em comum. Todas estão de acordo em que a doutrina de Buda não era o que os budistas entenderam o que ela era” (Conze, 1997: 34).
Tripitaka (Tipitaka)
            Trata-se do nome das três coleções (pitakas) de textos do Budismo mais antigo. Elas divergem conforme a corrente, portanto abaixo será usada a classificação da versão páli, por ser a que será utilizada na análise da profecia de Buda mais abaixo, cuja divisão é a seguinte:
A) Vinaya Pitaka (Coleção de Regras Monásticas), formada pelos textos:
  1. Patimokka
  2. Suttavibhanga
  3. Mahavagga
  4. Cullavagga
  5. Parivara
B) Sutta Pitaka (Coleção de Sermões de Buda), formada pelos textos:
  1. Digha Nikaya
  2. Majjhima Nikaya
  3. Samyutta Nikaya
  4. Anguttara Nikaya
  5. Khuddaka Nikaya
C) Abhidhamma Pitaka (Coleção de Textos Especulativos) formada por:
  1. Dhammasangani
  2. Vibhanga
  3. Dhatukatha
  4. Puggalapannatti
  5. Kathavatthu
  6. Yamaka
  7. Tika-patthana e
  8. Duka-patthana
A coleção de textos Vinaya
A Coleção de Regras Monásticas (Vinaya Pitaka) sobreviveu em sete cânones, cujos nomes das correntes vinayas, com a língua original e a língua na qual o texto sobreviveu entre parênteses, são enumerados abaixo (Prebish, 1994: passim e Sujato, 2012: 21):
A) da tradição Mahasanghika:
  1. Mahasanghika (Sânscrito, sobreviveu em tradução chinesa)
  2. Lokuttaravada (Sânscrito, sem tradução)
B) da tradição Sthavira:
  1. Mahaviharavasin (Páli, sobreviveu na língua original)
  2. Dharmaguptaka (Gandhari, sobreviveu em tradução chinesa)
  3. Mahisasaka (Sânscrito, sobreviveu em tradução chinesa)
  4. Sarvastivada (Sânscrito, sobreviveu em tradução chinesa)
  5. Mulasarvastivada (Sânscrito, sobreviveu nas traduções chinesa e tibetana).
A ordenação da primeira monja budista
14_-__Kanakprabhaji___Nuns_in_Morning_Prayer_02
Diferente de como muitos budistas se vangloriam, a ordem das monjas (sadhwis) jainistas foi fundada antes da ordem budista de monjas (bhikkhunis).
            Dos textos que formam a coleçãoVinaya (Regras Monásticas), interessa-nos aqui o capítulo X do Cullavagga, onde é relatada a história da ordenação da primeira monja por Buda, sua tia e mãe de leite, Pajapati Gotami. Este relato diverge em alguns detalhes quando comparamos as redações dos diferentes cânones doVinaya, de maneira que aqui será utilizada a versão páli do cânone Mahaviharavasin, seguida pela corrente Theravada (Rhys-Davids, 1989: 320s; Warren, 1995: 441-7 e Horner, 2001: 352s). Esta recensão relata que, depois de insistir por três vezes com Buda, para que as mulheres pudessem abandonar seus lares e entrarem para a vida monástica no SanghaPajapati Gotamise dirigiu para Vesali, onde se encontrava Buda, para então tentar mais uma vez. Chegando lá, acompanhada de cerca de quinhentas mulheres da região de Sakhya, com a cabeça raspada, com os pés descalços, com os membros empoeirados, com o rosto coberto de lágrimas, se colocou do lado de fora do pórtico do portão de entrada. Ao vê-la assim, Ananda, o discípulo e assistente de Buda, perguntou-lhe o motivo daquela aparência e daquele choro. Ela respondeu que estava assim porque Buda não lhe permitiu entrar para a vida monástica. Então, Ananda, decidiu interferir e se dirigiu ao local onde estava Buda para tentar mais uma vez, informando que sua tia, madrasta e mãe de leite, a grande Pajapati Gotami, estava no portão chorando porque desejava se tornar monja, mas não lhe foi permitida a entrada na ordem monástica. Daí, Ananda fez a solicitação da entrada deGotami na ordem por mais três vezes, o que o Buda recusou novamente. Enfim, Ananda fez então uma solicitação eloquente e comovente, o que finalmente resultou na aceitação do Buda, porém na condição de que Pajapati Gotami aceitasse previamente as Oito Regras Importantes (Atthagarudhammas).
            Estas regras para as monjas são seguidas até hoje nos países onde se conserva a ordem das monjas budistas (bhikkhunis), porém elas são bombardeadas por críticas das feministas que as consideram carregadas de sentimentos discriminatórios, depreciativos e preconceituosos com relação à mulher. Das oito regras, bastarão mencionar aqui apenas as duas mais discriminatórias e subjugadoras:
Regra 1: “Uma monja, que foi ordenada mesmo que seja por um século, deve reverenciar respeitosamente, levantar-se do seu assento, saudar com as mãos juntas, realizar a devida homenagem a um monge ordenado, mesmo que seja naquele mesmo dia. Esta regra deve ser honrada, respeitada, reverenciada, venerada, nunca ser transgredida durante sua vida” (Horner, 2001: 354 e Sujato, 2012: 47).
Regra 8: “De hoje em diante, advertência de monges pelas monjas é proibida, (enquanto) advertência de monjas pelos monges não é proibida” (Horner, 2001: 355).
            Obviamente, nem todos percebem estas regras acima com olhos aprovadores. Janice D. Willis, as avalia da seguinte maneira: “Estas oito regras especiais para mulheres servia para deixar claro o status separado e inferior das monjas comparado ao dos monges” (Willis, 1985: 62). Mais adiante, comentado sobre a oitava regra, ela acrescenta: “Claramente, tal regra pretendeu solidificar para sempre o lugar subordinado das mulheres dentro da Ordem Budista. Ainda mais, além de um período probatório de dois anos para as monjas, havia mais regras estabelecidas para elas do que para os monges. Também, frequentemente acontecia que os monges incorriam em menos punições que as monjas, por uma espécie idêntica de ofensa (Willis, 1985: 80).
A profecia da redução da vigência do Dharma
buddha 3
Buda profetizou que, com a entrada das mulheres na ordem monástica, a duração do Dharma seria reduzida em 500 anos.
            Após aceitar as ordenações dePajapati Gotami e das suas companheiras, Buda se dirigiu ao seu discípulo Ananda e proferiu a seguinte profecia preconceituosa de que: “se as mulheres não tivessem deixado suas casas e se tornado monjas, o verdadeiro dhammateria durado por mil anos. Agora, uma vez que as mulheres deixaram suas casas e se tornaram monjas, a verdadeira religião (dhamma) não durará muito tempo, durará somente quinhentos anos” (Rhys-Davids, 1989: 325; Warren, 1995: 447 e Horner, 2001: 356). Em outras palavras, as mulheres são o motivo para o encurtamento da duração da verdadeira religião em quinhentos anos, ao invés de durar mil anos, durará apenas quinhentos anos, em virtude da entrada das mulheres na ordem monástica. Uma curiosidade é que esta profecia só aparece com esta redação, onde é especificado o número de anos da redução da vigência do Dharma (verdadeira religião), na versão páli do cânone dos Mahavaharavasins, enquanto que, nos textos dos outros cânones não aparece assim. Por exemplo, na versão sânscrita do cânoneMulasarvastivada, a redação deste trecho é mais enxuta e aparece assim: “Exatamente, ó Ananda, o domínio do Dharma, se as mulheres abandonarem suas casas para se tornarem monjas, não continuará por muito tempo” (Paul, 1985: 84).
            Esta profecia pode ter tido efeitos em alguns países orientais de predominância budista, pois nalguns deles a ordem monástica das monjas (bhikkhunis) foi extinta há alguns séculos, tais como na Tailândia, no Sri Lanka e em Mianmar (antiga Birmânia), porém sobrevive precariamente no Tibet, na China e com um tanto mais de vigor em Taiwan. Existem alguns esforços para se restabelecer a ordem das monjas naqueles países onde foi extinta, mas as tentativas têm resultado em vão, sendo assim, as aspirantes precisam viajar para outros países para serem ordenadas.
            Acusar as mulheres pelo motivo do declínio de uma religião soa absurdo nos dias de hoje, quando as mulheres têm demonstrado grande capacidade e habilidade nas tarefas externas, enquanto que no passado só cumpriam, quase exclusivamente, tarefas domésticas, sendo que, muitas delas ocupam hoje alguns dos mais importantes cargos de liderança no mundo, fato inimaginável na época de Buda.
            Agora, se acreditarmos nesta profecia preconceituosa, ela deixa duas conclusões. Se Buda pretendeu dizer que a verdadeira religião (Dharma) é o mesmo que Budismo e que iria durar no máximo quinhentos anos, seu fim não aconteceu no prazo por ele apontado, uma vez que a religião budista existe há cerca de 2.500 anos e ainda é florescente em muitas partes do mundo, inclusive passou a ser objeto de crescente interesse no Ocidente a partir do século XX. Se ele, por outro lado, pretendeu dizer que, depois dos primeiros quinhentos anos, o Budismo não seria mais uma verdadeira religião, resta então investigar o que é enfim este Budismo atual, pois sem uma explicação convincente para esta última hipótese, parecerá que é uma religião com o prazo de validade vencido.
Obras consultadas
CONZE, Edward. A Short History of Buddhism. Oxford: Oneworld Publications, 1996.
______________ El Budismo: Su Essencia y su Desarrollo. México: Fondo de Cultura Económica, 1997.
HAZRA, Kanai Lal. History of Theravada Buddhism in South-East Asia: with Special Reference to India and Ceylon. New Delhi: Munshiram Manoharlal Publishers, 1982.
HIRAKAWA, Akira. A History of Indian Buddhism: from Sakyamuni to Early Mahayana. Honolulu: University of Hawaii Press, 1990.
HORNER, I. B. Women Under Primitive Buddhism. London: George Routledge and Sons, 1930.
___________ (tr.) The Book of the Discipline (Vinaya Pitaka), vol. V (Cullavagga). Oxford: The Pali Text Society, 2001.
JACOBI, Hermann (tr.). Jaina Sutras, Sacred Books of the East, vol. 22. Delhi: Motilal Banarsidass Publishers, 1994.
PAUL, Diana Y. Women in Buddhism: Images of the Feminine in Mahayana Tradition. Berkeley: University of California Press, 1985, p. 77-94.
PREBISH, Charles S. A Survey of Vinaya Literature. Taipei: Jin Luen Publishing House, 1994.
RHYS-DAVIDS, T. W. and H. Oldenberg (trs.). Vinaya Texts, part III (Sacred Books of the East, vol. 20). Delhi: Motilal Banarsidass, 1989, p. 320s.
SUJATO, Bhikkhu. Bhikkhuni Vinaya Studies: Research & reflections on monastic discipline for Buddhist nuns. Santipada, 2012.
WARREN, Henry Clarke. Buddhsim in Translations. Delhi: Motilal Banarsidass Publishers, 1995.
WILLIS, Janice D. Nuns and Benefectresses: The Real Role of Women in the Development of Buddhism em Women, Religion and Social Change. Yvonne Y. Haddad (ed.). Albany: State University of New York Press, 1985, p. 59-85.
WINTERNITZ, Maurice. A History of Indian Literature, vol. II. Delhi: Motilal Banarsidass Publishers, 1990.