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quarta-feira, 19 de setembro de 2018

Uma Sessão de Perguntas - parte 2


Uma sessão de perguntas feitas pelos estudantes a Ryokan Hiroshi

2. Qual a contribuição mais importante do estudo do budismo, no geral, para a sua vida e que o senhor poderia dizer que é universal e possa nos ajudar, a nós e à humanidade como um todo?

Eu quero acrecentar à resposta anterior, o que vai responder essa pergunta. A grande contribuição do budismo é o voto de bodhisatva. No budismo mahayana, muitas escolas, elas tem o voto de bodhisatva. Eu fiz o voto de Bodhisatva, sozinho, em minha casa, no jardim, eu me comprometi em atingir o conhecimento supremo para ajudar a todos os seres a atingir o mesmo, para ajudar todos os seres a atingir a libertação, para ajudar todos os seres a encontrar a verdade, Nirvana, ou fosse lá o que fosse isso. Isso me deu um impulso imenso, em minha visão, em minha prática, nos resultados. Eu não estava procurando a verdade como dizemos aqui, para mim, para meu ego, para minha satisfação, mas pelo bem de todos os seres. E isso me impulsionou muito. E isso é uma visão universal, útil, para qualquer um, de qualquer religião, como se pratica aqui, isso vem do voto do bodhisatva!

Então a maior contribuição entre tantas, na minha vida, do budismo, foi o voto de bodhisatva. E é isso que eu recomendo ter como meta, essa é a motivação, a melhor delas. Porque é para o bem dos seres, e não é qualquer bem, é a libertação, salvação, iluminação, purificação, desobstrução. Não é para uma liberdade nem uma felicidade idiota, egoista. Aqui no Brasil temos o exemplo de certos cristãos. Por que eles vão tentando levar a pessoa a se converterem? Por que eles são tão chatos? É simples, porque eles querem salvar a todos. Embora a salvação deles, na doutrina cristã,  não tenha nada a ver com a sua, nem com levar pessoas a conversão, eles insistem nisso muito, por quê? Porque eles se preocupam em salvar os outros. Isso devia ser uma lição para vocês. Isso tem um significado profundo. Isso mostra como pessoas em ordens são muitas muito egoístas e arrogantes. Falta humildade para compreenderem isso, compreenderem que lhes falta amor, compaixão, que são egoístas. Essas são as principais características do bodhisatva, amor e compaixão. Eu não vi muita coisa aqui assim no meio budista nem no meio das ordens. 

Eu diria que isso é a principal contribuição para o mundo, mas como você pode ver, não é exclusividade dos budistas, pessoas de outras religiões muitas vezes são muito mais dedicadas do que os budistas. Na escola dhyana no geral esse tema não é muito falado, porque não existe muito como ensinar uma pessoa a amar os outros, a ser compassiva, não existem os treinos, rituais e simulações dos vajrayanas, mas tem como ensinar a ser menos egoísta, a ver melhor a interdependência... Então quando a pessoa está pronta faz o voto de bodhisatva, não é algo programado, que vai acontecer num certo estágio, não, é uma consequência, tem que ser sincero, de coração. Mas na escola dhyana também não existe a busca da iluminação, o que existe são os meios hábeis de ser iluminado aqui agora para o bem dos seres, não pode ser para si, não adianta. Existem muitos trabalhos e distribuição de tarefas, é ajudar, obedecer, um servir sem fim, então ou a pessoa entende o significado. que ela é egoísta, só pensa em si, ou de que antes estava presa pelo seu próprio egoísmo e arrogância (Buda chama da presunção, a raiz do ego), ou ela se pergunta "quando é que vão me ensinar o dhyana?" e vai embora decepcionada. 

O que eu digo ser o mais importante para todos é isso, essa é a grande contribuição, viver como um bodhisatva, viver para o outro, cada ação de sua vida, está contribuindo para, você sabe que é para atingir esse fim de servir, de esclarecer, de libertar. Só que nós não fazemos isso com doutrina, é diferente. Nós simplesmente estamos presentes, estamos ali, junto, para ser luz e ponte, a pessoa tem que fazer a leitura da grande compaixão, nós temos que ser lidos como caracteres no livro da compaixão, isso é difícil, por isso deve ser praticado. As ações, os feitos, vão ensinar...

Ryotan Tokuda usa muitas comparações com os místicos e filósofos cristãos, sobre a questão de Nirvana, e outras bem profundas, isso é muito bom, abre nossa compreensão encerrada numa linguagem para outra linguagem estranha do oriente. Existe a história de Francisco e sua compaixão pelas pessoas e pelos animais. Eu comparar muitas vezes a prática, e a motivação dos cristãos, que agem como verdadeiros bodhisatvas, não ficam esperando um momento surreal que ninguém sabe como é para poder sair ensinando. Não se espera o céu se abrir e dizer "oh, estou salvo!", ele sabe que no final está salvo e vai levar isso a outro. Assim como no Norte [(América do Norte, Europa)] o cristianismo e os missionários estão esfriando houve um grande esfriamento dos bodhisatvas depois da expansão do budismo porque ele ficou preso a instituições e linhagens e votos oficiais.

Quando fiz oficialmente o voto de bodhisatva eu já estava praticando ele décadas. Existe uma resistência não só a outras religiões praticando budismo, mas principalmente aos budistas mesmo, em avançar, ensinar a avançar, como uma coisa para poucos. Isso não está restrito a monges, nem a budistas, é um caminho simples que pode se somar a qualquer caminho. O caminho do despertar, de andar desperto, de andar em espírito, na consciência. Não é preciso ler todos os livros nem passar horas sentado.

O mahayana surgiu como uma valorização da vida não monástica como meio, mas depois isso também perdeu a força. Buda instruiu também reis e aos reis como instruir todo o povo. Mas isso é esquecido e volta novemente o monopólio monástico. Bohidharma instruiu reis e gente do do povo, os pais instruiram os filhos. Mas depois no chan mesmo surgiu uma divinização do Buda, dos bodhisatvas, dos monges, e uma sacralização errada: se um novato tinha algum insight isso era atribuído a alguma divindade ou para ser aceita tinha que ser vista como revelada por um buda ou uma forma especial do Buda. O ensinamento era desprezado em sua eficácia prática e a transmissão super valorizada, então surgiram as degenerações, a aceitação dos devas de outras religiões como sendo parte de um novo panteão de divindades agora budista, de bodhisatvas. 

Mas a verdade é isso, os bodhisatvas somos nós, temos que ser. Estas pessoas na época queriam ser grandes autoridades por seus próprios interesses. Qualquer um que estuda a história do chan sabe disso. E Buda ensinou a fazer isso por compaixão dos seres. É uma grande diferença. Então eu vejo que manter essa motivação é difícil e é o principal e universal: se tornar um bodhisatva pelos outros.