O professor Dr. Uttara Nyana nos recomendou veementemente
que praticássemos metta todos os dias. As vantagens de praticar metta são
surpreendentes, não apenas para o praticante, mas também por beneficiar todos
os seres, de tantas maneiras que é difícil imaginar todas. Metta pode ser praticado
em forma de meditação e recitação. Já publiquei aqui uma tradução do Karaniya Metta
Sutta com uma introdução estou trazendo novamente essa tradução e a introdução
atualizada com novos elementos que espero que ajudem na compreensão, primeiramente,
do que é metta. Depois desta também trarei outros suttas sobre o tema, instruções
de professores e as recitações propriamente ditas que constituem parte da
prática.
Muitos hoje se aproximam do budismo por ser uma
religião mais racional e prática, enxuta e pragmática em sua moralidade que
contempla uma vasta gama de condutas com poucos treinamentos ou “preceitos”,
sem nenhum aspecto metafísico a ser aceito ou crido de antemão e, embora talvez
a religião mais extensa em seus livros sagrados, não possui uma sabedoria
dogmática, possui quase nenhuma mitologia e mesmo em sua simbologia é clara e
objetiva, na grande maioria das vezes explicadas imediatamente pelo próprio
Buda, o que dificulta a diversidade de interpretações causadoras de celeumas
como temos em relação a outros livros sagrados a exemplo da bíblia e do Vedanta.
Isso também foi o que me aproximou do budismo, além
de alguns outros fatores. Entre eles sempre destaco, dentro dessa temática, a
quase singularidade de não ser uma religião revelada (isto é, ditada por algum
ser invisível) e de oferecer um método para ver por si mesmo, Buda diz “seja
seu próprio mestre” e “não acredite só porque alguém disse ou porque eu estou
dizendo”. O “faça você mesmo” e o “venha e veja”, são dois aspectos que o
budismo oferece e, no meu entendimento, satisfaz qualquer pessoa que se
aproxime dele e sinceramente experimente praticá-lo (isto não importando de
início se a pessoa se considere budista, nem se continue com sua religião ou
crenças anteriores).
Quer dizer, o Buda não dá uma série de informações
nas quais você deva acreditar ou aceitar ou ver se está de acordo com o que
você pensa; ele não se diz o dono da verdade nem que você estará salvo se
acreditar nele e condenado se duvidar. Ele nos convida a experimentarmos, em
nossas vidas, a prática de uma forma de moral e de uma forma de meditação que
nos levará gradualmente à felicidade e à libertação da ignorância, do medo, do
sofrimento, etc.; e ele oferece um método eficaz para isso, o qual
comprovaremos por nós mesmos, sem ter que acreditar cegamente, mas sim fazendo
por nós mesmos, comprovando sua eficácia e experimentando os seus resultados.
Ele também não oferece uma sabedoria axiomática ou decorada com regras de ouro
e explicações fabulosas; ele nos oferece um modo de ver e de viver, uma
sabedoria elevada em seus resultados, que deve ser estudada, compreendida, mas
que só poderá ser comprovada em seus mais elevados objetivos se levamo-la à
prática. Ele não diz “isto é assim, acredite porque eu sou Buda e vi por mim
mesmo”, ele diz “venha e veja”, veja você mesmo, você deve ver o que ele vê e
não simplesmente crer.
Entretanto, muitas vezes um pouco tarde, vamos notar
que o aspecto moral e da boa vontade é um aspecto primordial, ou seja, que deve
vir primeiro no treinamento gradual, que este é também uma prática e é a
primeira prática a ser experimentada. Sem a “purificação da mente” não há
budismo, e para que haja a purificação da mente devemos experimentar na prática
a receita da virtude ética e moral do senhor Buda, experimentá-la a fim de
comprovarmos seus resultados em nossas vidas, mas não só isso, também para
conhecermos e colhermos os frutos dessa conduta.
Sem uma forma de comportamento adequado não
alcançaremos o que é traduzido geralmente como moradas divinas (Brahma-vihara),
que são os “estados excelentes”. Devemos desenvolver também qualidades
excelentes que para avançar no caminho (amor, compaixão, alegria altruísta e
equanimidade), e assim podermos colher os melhores frutos, se não até o ver por
si mesmo também poderá permanecer muito limitado.
Nós não temos essas características ou capacidades
desenvolvidas, é preciso aprendê-las e treiná-las, pois a verdadeira e
definitiva purificação mental só é atingida através da meditação avançada,
quando já se pode ver e compreender por si mesmo. Buda ensina um método para
desenvolver essas qualidades, treinando-as, pois são a conduta correta em relação aos
seres vivos, o que evitará o conflito, o sofrimento, a carência, a insegurança,
etc. na vida no mundo; além de serem considerados estados sublimes nos quais se
pode obter os reais benefícios das práticas e da meditação. Aquele que
desenvolver esses estados mentais, através da conduta e da meditação, obterá a
felicidade. Esse sutta trata em forma de verso do primeiro desses estados
(metta, amorosidade, também traduzido como amor-bondade, amistosidade ou
simplesmente amor), de como cultivá-lo e de suas vantagens.
A
palavra pali “metta” tem sido traduzido como amor-bondade e amorosidade entre
outras. Especialistas, entretanto, têm apontado que não existe no inglês (nem
no português) uma palavra só que traduza o significado dessa palavra. Segundo Christopher Titmuss, escritor e
monge budista na Tailândia e Índia, “bondade
amorosa” é também é uma tradução inadequada. Ele aponta para o significado dado
pelo respeitado Pali-English Dictionary que traduz como “amor” e explica que “metta
expressa amor incondicional, amizade profunda e bondade ilimitada, aberta e sem
amarras”. Ora, tal significado o encontramos no grego “ágape”. Ágape significa
um amor universal, incondicional, e é esse o significado de metta, amor
incondicional, como o amor de Buda por nós.
Sutta Nipata I.8
Karaniya
Metta Sutta
Amor
Bondade
Somente para
distribuição gratuita.
Este trabalho pode ser impresso para distribuição gratuita.
Este trabalho pode ser re-formatado e distribuído para uso em computadores e redes de computadores
contanto que nenhum custo seja cobrado pela distribuição ou uso.
De outra forma todos os direitos estão reservados.
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contanto que nenhum custo seja cobrado pela distribuição ou uso.
De outra forma todos os direitos estão reservados.
Quem é hábil no que
é benéfico, desejando alcançar
aquele estado de paz, age assim:
capaz, correto, honrado,
com a linguagem nobre, gentil e sem arrogância,
aquele estado de paz, age assim:
capaz, correto, honrado,
com a linguagem nobre, gentil e sem arrogância,
Satisfeito e fácil
de sustentar,
sem ser exigente por natureza, frugal no seu modo de vida,
os sentidos acalmados, sábio,
moderado, sem cobiçar ganhos.
sem ser exigente por natureza, frugal no seu modo de vida,
os sentidos acalmados, sábio,
moderado, sem cobiçar ganhos.
Não faz nada, mesmo
que trivial,
que seja condenado pelos sábios.[1]
Pense: felizes, seguros,
que todos os seres tenham os corações plenos de bem-aventurança.
que seja condenado pelos sábios.[1]
Pense: felizes, seguros,
que todos os seres tenham os corações plenos de bem-aventurança.
Todos os seres
vivos que existem,
fracos ou fortes, [2] sem exceção,
compridos, grandes,
médios, curtos,
sutis, grosseiros,
fracos ou fortes, [2] sem exceção,
compridos, grandes,
médios, curtos,
sutis, grosseiros,
Visíveis e
invisíveis,
próximos e distantes,
nascidos e por nascer:
que todos os seres tenham os corações plenos de bem-aventurança.
próximos e distantes,
nascidos e por nascer:
que todos os seres tenham os corações plenos de bem-aventurança.
Que ninguém engane
ou despreze outrem, em nenhum lugar,
ou devido à raiva ou má vontade
deseje que alguém sofra. [3]
ou despreze outrem, em nenhum lugar,
ou devido à raiva ou má vontade
deseje que alguém sofra. [3]
Tal qual uma mãe,
colocando em risco a própria vida,
ama e protege o seu filho, o seu único filho,
da mesma forma, abraçando todos os seres,
cultive um coração sem limites.
ama e protege o seu filho, o seu único filho,
da mesma forma, abraçando todos os seres,
cultive um coração sem limites.
Com amor bondade
para todo o universo,
cultive um coração sem limites:
Acima, abaixo e em toda a volta,
desobstruído, livre da raiva e da má vontade.
cultive um coração sem limites:
Acima, abaixo e em toda a volta,
desobstruído, livre da raiva e da má vontade.
Quer seja parado,
andando,
sentado, ou deitado,
sempre que estiver desperto,
cultive essa atenção plena:
a isto se denomina uma morada divina
no aqui e agora.[4]
sentado, ou deitado,
sempre que estiver desperto,
cultive essa atenção plena:
a isto se denomina uma morada divina
no aqui e agora.[4]
Sem estar
aprisionado pelas idéias,
virtuoso e com a visão consumada,
tendo subjugado o desejo pelo prazer sensual,
ele não mais renascerá.[5]
virtuoso e com a visão consumada,
tendo subjugado o desejo pelo prazer sensual,
ele não mais renascerá.[5]
Notas:
[1] Como pode ser
observado, os temas do sutta não correspondem exatamente às estrofes do poema.
O primeiro tema – virtude ou disciplina moral – compreende
do primeiro verso até a primeira metade do terceiro verso. A virtude, (sila),
proporciona o sólido fundamento ético no qual se baseia o desenvolvimento da
mente. As primeiras duas linhas dizem que essa base ética é tanto uma
estratégia para alcançar o objetivo da iluminação bem
como uma expressão do caráter da pessoa. É aceito como verdadeiro que todos os
seres aspiram pela própria felicidade, todos querem ser felizes, e este sutta
tem a intenção de ajudar as pessoas a alcançarem esse objetivo ensinando quais
as qualidades de caráter benéficas que devem ser desenvolvidas com habilidade.
Tudo que segue no sutta é uma série de descrições sobre como uma pessoa sábia e
hábil, ou uma pessoa que deseja progredir na direção do objetivo, deveria se
comportar no mundo. Uma lista de virtudes específicas é apresentada – gentil,
não arrogante, moderado, etc. – seguida por um enunciado geral (“Não faz nada
...”) que engloba todas as demais virtudes que não foram especificadas em
detalhe.
[2] Tasa va
thavara, literalmente “em
movimento” ou “estável”, mas o seu significado vai além do sentido literal. O
que está implícito é que alguns seres estão em movimento porque estão agitados,
insatisfeitos ou impulsionados pelo desejo e isso no contexto Budista
compreende a noção de fragilidade ou fraqueza. De modo semelhante, quando
alguém está firmemente estabelecido, tranqüilo e quieto, isso expressa uma
condição de maior força e estabilidade. O amor bondade para com o primeiro
tende para a compaixão pelo bem-estar dos mais fracos, enquanto que para com o
último tende para a alegria altruísta pela capacidade dos fortes.
[3] Na metade do
terceiro verso, a voz dos verbos muda para refletir a transição para a prática
meditativa. Os verbos no imperativo, (“pense ...”), são usados para guiar a
intenção no momento presente para a geração de amor bondade ou boa vontade.
Enquanto que as virtudes no primeiro tema são apresentadas como conceitos,
(“Ser capaz, correto ...”), a uma certa distância, aqui a linguagem é imediata
e aponta diretamente para o cultivo do estado de boa vontade para com todos os
seres. Isto alinha o poema com a prática de metta bhavana, ou meditação
de amor bondade, e essas frases podem ser empregadas como guia para essa
prática.
A geração de intenção é essencial na
prática da meditação de metta, onde ela desenvolve o papel de moldar a
qualidade da mente no momento presente. Ao invés de pensar em algo ou se
recordar do passado, ou planejar o futuro, a pessoa adota naquele exato momento
a qualidade mental de desejar o bem estar dos outros. Por conseguinte estamos
passando da virtude geral para a meditação específica, para o cultivo
deliberado de certos estados mentais e a intenção de manter presente um certo
objeto na mente. Neste caso o objeto é o pensamento com respeito a todos os
seres, enquanto que o estado mental com relação a esse objeto é a intenção ou
desejo que todos os seres tenham felicidade e segurança.
A mudança de voz no sexto verso indica a
descrição de algumas das diretrizes para a prática de ações benéficas.
[4] A meditação de metta
é caracterizada como um dos quatro brahma viharas ou moradas divinas.
Várias nuances de amor maternal são também empregadas para descrever os outros
três brahma viharas ou qualidades divinas do coração: compaixão (tal
qual uma mãe em relação a um filho doente), alegria altruísta (tal qual uma mãe
em relação a um filho que vai em busca do seu lugar no mundo), e equanimidade
(tal qual uma mãe ao ouvir sobre os eventos da vida de um filho adulto).
O nono verso estabelece uma relação crucial
entre a meditação de metta e a meditação vipassana, (insight),
através da clássica ênfase na atenção plena.
[5] O último verso
do sutta desloca a ênfase da meditação para a realização da sabedoria – o plano
mais elevado na aspiração Budista. Esse é o cume do caminho, a destinação que é
alcançada quando a prática diligente de meditação é desenvolvida sobre uma base
sólida de virtude. A ênfase é colocada na purificação da visão, a habilidade
para ver com clareza. Menciona a eliminação do desejo como um elemento das
experiências e nomeia a emancipação do renascimento como o fruto da iluminação.
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