Traduzido do
sânscrito para o chinês por uma pessoa desconhecida. Traduzido do
chinês para o português pelo Upasaka
Pundarikakarna no verão de 2014.
Assim ouvi.
Naquele momento o Buda estava em Kuśinagara e faltavam apenas três meses
para seu
Parinirvāṇa. Junto com ele estavam monges e bodhisattvas. Muitos vieram até o
local
onde o Buda
estava e curvaram suas cabeças aos seus pés. Porém o Honrado Pelo Mundo
permaneceu
imóvel, não proferiu nenhum ensinamento e sua radiância luminosa não mais era
emitida.
O Venerável
Ānanda então curvou-se em reverência e dirigiu-se ao Buda dizendo,
"Honrado
Pelo Mundo,
antes e depois de ensinar o Dharma uma poderosa ema nação luminosa era
sempre
vista, mas agora a Grande Assembleia não mais vê tal manifestação. Por que isso
acontece?
Deve haver uma razão!"
O Buda,
porém, permaneceu em silêncio. Apenas após ser questionado pela terceira vez o
Buda
dirigiu-se a Ānanda [e disse], "Após o meu nirvāṇa, chegará o tempo em que
o Dharma
será
aniquilado e extinto. As Cinco Faltas Mortais (1) tornarão o mundo turvo (2) e
o Reino de Māra
prosperará.
Demônios se tornarão monges para deteriorar meu caminho e torná -lo confuso.
[Esses monges]
serão apegados a roupas comuns e vão deleitar -se com kaṣāyas de cinco
cores. (3)
Eles beberão
álcool e comerão carne, tirando vidas pela ganância de seu sabor. Neles
não haverá
[verdadeira] compaixão e serão odiosos e invejosos uns com os outros. Contudo,
naquele
tempo também haverá bodhisattvas, praticantes solitários e arhats que se
esforçarão
no cultivo
de méritos, em tudo sendo respeitosos e pacientes e as pessoas que se
submeterem
à disciplina
serão guiadas [por eles] sem distinção. Terão piedade dos men os favorecidos e
se
lembrarão
dos mais velhos, ajudando a erguer os que sofrem de suas adversidades. Eles
sempre
orientarão as pessoas a honrarem os sutras e as imagens. Farão votos de gerar
méritos
de virtude e
bondade. Não causarão dano aos seres humanos , renunciando a si próprios em
prol dos
outros seres vivos. Não serão orgulhosos nem pouparão esforços sendo pacientes
e
gentis,
agindo assim com todas as pessoas.
"Mas os
monges servos de Māra, cheios de inveja, arquitetarão maldades para cal
uniá-los,
expulsando-os
de onde estiverem, não permitindo que fiquem em um único lugar. Nenhum
desses
monges vai dar seguimento às práticas das virtudes budistas. Os templos
budistas serão
como
mausoléus (4) abandonados e nunca mais se recuperarão dos danos s ofridos.
Somente
preocupados
em acumular bens e posses, [esses monges] não incentivarão a prática de atos
meritórios. Negociarão
bens, terão escravos
e serviçais que
lhes cultivarão os
campos,
[garantindo-lhes
o sustento sem esforço]. Vão atear fogo nas mo ntanhas e florestas(5) ferindo
os seres
vivos, sendo completamente desprovidos de compaixão. Seus escravos serão
aqueles
que querem
se tornar monges e suas serviçais serão aquelas que querem ser monjas. Não
cultivando as
virtudes budistas, serão
depravados e indisciplinados, não distinguindo os
homens das
mulheres (6). Dessa maneira farão com que o Budismo se torne inconsistente e
insípido
para todos [que queiram aprender].
Alguns, para
evitar a condenação de alguém, o farão tornar-se monge. Vão se considerar
Śrāvakas,
mas sem praticar a disciplina e as regras da moralidade. A cada período lunar
eles
repetirão os
votos dos Preceitos, mas vão agir com indolência e não desejarão ouvir o
Dharma.
Eles vão
omitir partes dos sutras, desconsiderando aqui e al i, não querendo ensinar o
texto
inteiro, nem
terão o hábito de recitar os sutras. Ainda assim, mesmo que alguém os leia, nem
sequer uma
palavra ou frase será entendida. Haverá aqueles de palavras fortes e
consistentes,
mas [os
monges de Māra] não consultarão os mais esclarecidos por serem orgulhosos e só
buscarem
fama [ao invés do Dharma]. Não serão objetivos [em suas falas], mas terão
trejeitos
suaves e
elegantes, pois querem ser homenageados e receber oferendas.
Quando
chegarem ao fim de suas vidas, os monges servos de Māra afundarão no Inferno
Avici
por terem
cometido as Cinco Faltas Mortais, renascerão como Fantasmas Famintos e Animais
sofrendo
tudo que causaram por uma quantidade de kalpas iguais a
quantidade de grãos de
areia do
Ganges. E no dia em que suas faltas se
esgotarem eles renascerão em terras distantes
onde os Três
Tesouros não existam.
Quando cessar
o desejo pelo
Dharma, as mulheres
farão esforços constantes para gerar
Méritos(7),
mas os homens serão indolentes e não dando
ouvidos ao Dharma. Vão considerar os
monges como
a escória do mundo e serão incapazes de ter uma mente capaz de confiar.
Quando o
desejo pelo Dharma declinar chegará o momento em que todos os Reinos Celestiais
chorarão. O
período das secas(8) será
descontrolado e os
Cinco Tipos de
Grãos(9) não
amadurecerão.
Vapores mortíferos se espalharão [pelo ar] causando a morte de muitos. As
pessoas
comuns sofrerão duras punições sob o jugo dos governantes, que se oporão aos
princípios
do Caminho. Todos pensarão apenas em
prazeres e distrações. As pessoas más
serão tantas
quanto as areias
do oceano. Em
compensação, as pessoas
boas serão
extremamente
escassas, talvez uma ou duas.
Quando esse
kalpa estiver se exaurindo, os dias e noites serão mais curtos e a vida passará
cada vez
mais depressa. Aos quarenta os cabelos já serão brancos. Os homens serão
devassos
e sua
energia vital vai se exaurir muito cedo, viverão no máximo até aos sessenta. Os
homens
viverão
menos, mas a vida das mulheres será mais longa . Mesmo que cheguem a setenta,
oitenta ou
noventa, poucos chegarão aos cem anos de idade.
Grandes inundações(10) acontecerão de repente e serão imprevisíveis.
As pessoas do mundo não
terão mais
um coração confiante e desejarão que a existência seja permanente. Dentre os
seres
sencientes não haverá mais diferença entre os de casta superior e inferior e
todos se
afundarão
sendo arrastados [pela inundação] e devorados por monstros aquáticos.
Naquele
tempo, embora existam bodhisattvas, praticantes solitários e arhats, os monges
servos de
Māra vão expulsá- los e
persegui-los não permitindo que
participem das assembleias.
Por isso os
três tipos de praticantes adentrarão às montanhas(11) cultivando práticas
benéficas
em prol da
humanidade. Autocontrolados, eles serão felizes e contentes e a duração de sua
vida será
prolongada e os seres celestiais os guardarão e protegerão. Então o bodhisattva
Candraprabha(12)
surgirá no mundo. Em sua companhia eles reerguerão o Budismo.
Após um
período de ci nquenta e dois anos, o Śūraṃgama-sūtra(13) e o
Pratyutpanna-samādhi
Sutra(14) serão
os primeiros a desaparecer e em seguida são se poderá mais consultar as doze
divisões do
cânone Budista, pois elas estarão completamente aniquiladas, nunca mais serão
vistas,
nem suas palavras lidas. [Neste momento,
então] o manto monástico espontaneamente
se tornará
branco.(15)
Quando meu
Dharma cessar, será como uma lamparina cujo azeite está prestes a acabar. Sua
luz é mais e
mais brilhante até que de repente é totalmen te
extinta. Assim também será a
aniquilação
do meu ensino. Certamente, as dificuldades que virão serão incontáveis e se
perpetuarão
por muitos incontáveis milhares de anos.
Maitreya
então descerá no mundo como um Buda. Os vapores venenosos [de o utrora] serão
extintos e o
mundo será próspero e pacífico. A chuva cairá suave fazendo os Cinco Tipos de
Grãos
crescerem exuberantes. As florestas crescerão novamente. Os seres humanos terão
a
altura de
oito pés e a vida de todos vai durar oitenta e quatro mil anos. A quantidade de seres
sencientes
salvos será incalculável. ”
O Venerável
Ananda fez uma reverência e dirigiu-se ao Buda dizendo, "Qual deve ser o
nome
deste sutra
para que seja respeitosamente mantido na memória?"
O Buda então
respondeu, "Ānanda, ele deve ser chamado de 'Sutra da Total Aniquilação do
Dharma' e
deve ser ensinado a todos e seu verdadeiro significado deve ser bem
esclarecido.
[Sua correta
compreensão] vai gerar méritos incalculáveis."
Os quatro
tipos de discípulos ouviram esse sutra
com tristeza e desgosto e todos despertaram
a aspiração
pela Suprema e Excelsa Iluminação. Todos eles curvaram -se em reverência ao
Buda
e deixaram o
local.
Este
é o Sutra da Total Aniquilação do Dharma Proferido pelo Buda.
1
pañcānantarya;
五無間業 As cinco
faltas mortais, parricídio, matricídio, assassinar um arhat, derramar
o sangue de
um Buda, destruir a harmonia da sangha.
2
濁世 Mundo poeirento ou lamacento. Numa referência
a impossibilidade de se enxergar a realidade.
Uma imagem
interessante do mundo fenomênico coberto de uma camada de pó ou sujeira , assim
não
se vê suas verdadeiras
características. A poeira
é a ganância,
o desejo descontrolado, a futil idade,
falsidade,
fraqueza ética e moral que deixa tudo
desagradável e impossível de definir.
3
O número
cinco simbolicamente passa por várias
ideias e conceitos. Aqui, baseado nas regras budistas,
os monges
eram proibidos de usar vestes que fossem tingida s com as cinco cores primárias
(na cultura
local):
azul, vermelho, branco, amarelo, preto.
4
O caractere
usado aqui é o mesmo usado para descrever as tumbas imperiais onde os servos
eram
enterrados
vivos junto com seus senhores. Ou seja, o Budismo estaria morto e enterrado e seus servos,
os monges
malignos e falsos estariam “sepultados”
junto com seu mestre.
5
Achei
curioso lembrar que as montanhas e florestas eram os locais onde ficavam os
mosteiros. Vão
prejudicar a
capacidade de monges sinceros se agruparem, assim causando dano aos seres
sencientes.
6
As mulheres
ficavam separadas dos homens nos mosteiros.
Também havia regras diferenciadas no
trato entre
homens e mulheres para os monges.
7
Seduzidas pelo
ar de misticismo
do falso budismo,
elas se interessarão
mais do que os
homens.
Considerava
-se o sexo feminino mais s uscetível a esse tipo de engodo enquanto o sexo
masculino seria
mais voltado
à lógica e racionalidade.
8
O Sutra do
Lótus compara o Dharma com uma chuva que cai igualmente sobre todos.
9
Como dito
acima, o número cinco, simbolicamente, permeia a literatura com vários
sentidos. Como os
grãos são
uma fonte de força e sustento, pode ser uma associação com os 五力
pañcabala, as cinco
forças, ou
cinco poderes que são, confiança, zelo, memória (ou lembrança), meditação e sabedoria.
10
O mar,
grandes águas são
quase sempre símbolos
do sofrimento ou
confusão mental, medo e
angústia.
11
Ou seja,
solitários, afastados da
multidão num sentido
de que não
participariam das grandes
congregações.
12
Candraprabha
Bodhisattva, ou Gakkō Bosatsu em japonês, Yuèguāng Pusa em chinês, Luz da Lua
em
português, é
um personagem que
também é visto
ao lado de Nikkō Bosatsu
(Luz do Sol) e servem o
Buda da
Medicina. O disco lunar que ele sustenta
representa o conhecimento penetrante e
as virtudes
do Buda e
simboliza a aspiração à Iluminação.
13
O Śūraṅgama
Sūtra discute os conceitos de Yogācāra, Tathāgatagarbha e Budismo Esotérico.
Faz uso
de lógica
budista, com seus métodos de silogismo e Negação Quádrupla (sct. catu ṣ koṭi),
popularizada
por
Nāgārjuna. É um sutra Mahāyāna especialmente influente na escola Ch'an.
14
O
Pratyutpanna Samādhi Sūtra contém a primeira menção conhecida ao Buda Amitabha
e sua Terra
Pura, sendo
dito que é
a origem das práticas da Terra
Pura na China. É um sutra Mahāyāna
inicial,
provavelmente
escrito por volta do século I AEC na área de Gandhara, noroeste da Índia.
15
Branco era a
cor das vestes dos seguidores leigos. Ou
seja, na ausência de verdadeiros monges, só
haverá
seguidores leigos e eles tomarão a frente.