Estou aqui hoje à disposição da ordem para todo o tipo de pergunta. Comecemos sem delongas!
1. O senhor sendo um roshi ou um mestre zen apresenta alguma visão para nós que não somos do zen e mesmo que não são budistas que nos convenceria a praticar a psicologia budista ou a didática ou a meditação? Que vantagens temos nós da ordem em praticar isso?
[Um momento de riso]
R. Bem, eu já sabia que essa pergunta surgiria... Mas veja que o senhor colocou de uma forma que são muitas perguntas em uma. Tenho muitas observações sobre ela. É uma pergunta importante.
Primeiro, eu não sou um mestre zen, não uso mais esse termo (ou título) de roshi, e aqui na ordem, nessa fraternidade pelo menos uma regra é que não há mestre, ninguém pode ser chamado mestre, se eu ainda fosse "mestre zen" é um erro você me chamar de mestre mesmo assim, já que também ensino aqui na ordem. É uma reverência para comigo e irreverência para com a ordem, está invertido aí, é errado. Então saiba que não é porque não uso o termo simplesmente, mas você conhece a regra, eu estou aqui ensinando, ensino aqui, então jamais poderia me chamar de mestre. Por outro lado compreendo que você não me chamou no presente, que sua intenção não era dizer que sou "sendo", mas que fui ou fui tido como, no passado, "tendo sido". Mas é preciso que eu esclareça para outros, mas você se referiu a minha posição no zen, na sua pergunta, então devo explicar para todos.
Segundo, que depois que deixei as obrigações da ordem zen ingressei numa ordem que prepara pessoas de qualquer religião, para o zazen e para ser um "mestre zen", ou seja, um professor zen, seja qual for sua religião ou escola (não vou citar o nome porque apesar de existirem algumas escolas assim no Japão vou fazer algumas críticas construtivas a essa escola aqui).
Eu não vim aqui convencer, só apresentar algumas ferramentas nas quais sou especialista, diga você; outros professores vão apresentar outras; você é que vai avaliar a que é que vai ser útil para o seu objetivo.
No objetivo geral da ordem, tem relação com o aprimoramento do uso de uma ferramenta fundamental, que você já tem e mal utiliza, a principal ferramenta de todas eu diria, a consciência, que você vai estar mais consciente pela atenção, pelo tipo de atenção, pela concentração, e assim por diante.
Esqueci o resto da pergunta...
[Alguém lê uma anotação pessoal da pergunta]
Ah sim!
O mais importante vou dizer agora. Mas primeiro preciso dar uma breve advertência. No mundo hoje as pessoas estão com pressa e muito contaminada com um pensamento mau, danoso, "que vantagem eu terei nisso", é isso que o pensamento, o marxismo cultural, incutiu em todas as pessoas, porque ele diz que as pessoas pensam em termo de vantagem, mas isso não é verdade. Você tem que perguntar a essas pessoas, já que elas pensam que é assim, qual é a vantagem que ela está tendo em pensar assim, que vantagem quer tirar para si em lhe ensinar tal coisa estúpida? Porque nós somos algo, não somos? Qual a vantagem disso? Porque o insatisfeito com a vida não então se mata? Não estou dizendo que se mate hein! Porque o insatisfeito consigo mesmo resolve fácil, se mata e pronto. Não. Nós estamos num determinado estado de consciência. Nós somos algo e você faz assim, muita coisa, porque é o que você é, porque é o que você é agora, porque você é gente, porque você se tornou meditativo, simplesmente por isso. Por que eu me tornei meditativo? Porque eu me tornei meditativo. Pronto. No zen dizem porque meditamos: porque meditamos. Não é para que. Essa é a resposta. Essa pseudo inteligência que quer sempre ganhar algo é o caminho oposto, é estupidez. Você faz e pronto, porque você quer, porque você gosta, porque você é, e pronto. No zen não se procura vantagem, não procura provocar algo, é o contrário. Você falou de zen, então eu digo isso, no zen é o contrário, você aquieta. Tem um cara que chamam mestre, não é porque ele é o sábio, é como a brincadeira de "o mestre mandou", tem o mestre para você não precise se preguntar por que, você obedece e pronto. Hora de levantar, hora de trabalhar, hora de comer, hora de sentar [zazen], hora de andar, hora de deitar, hora de começar tudo de novo...
Perguntaram a um mestre zen porque ele andava de uma lado para o outro [praticando a meditação andando] se já era iluminado, ele disse, "porque já sou iluminado". A pessoa surpresa e sem entender perguntou porque ele andava assim antes, ele disse "porque eu não era iluminado". Entende?
Então, essa é uma razão para praticar.
Mas se você é agnóstico, ateu ou cético você precisa praticar para ver isso, para ter uma experiência pessoal convincente e uma compreensão da realidade tal qual é ou expandir sua visão, seu meio de investigação. Não se trata de zen ou de budismo, se trata da verdade, você precisa de ajuda, para vê-la. Alguns irmãos aqui, muitos, eram assim e entraram na ordem para isso, para descobrir isso, uns pela fé, uns pelo observação empírica, outros pela lógica ou por tudo isso somado, que é o certo, eles mudaram de ideia. Uma razão é para ver isso, que ensina a escola.
Veja que Buda não ensinou isso diretamente, mas se juntar algumas partes do que ele disse sobre isso, você tem esse resultado. Ações que fez têm um significado nisso. Seria muito longo e complexo mostrar isso aqui e agora, que envolve vários textos, e ainda mais não seria suficiente.
Não ser suficiente entender o que está escrito é outra razão. Para muitos é assim.
Você precisa apreciar por si mesmo. Aí você pode argumentar que Buda não explicou, mas alguns patriarcas e autores zen, e até de outras escolas explicou isso muito bem e que você já entendeu e já está satisfeito. Não está. Lá no fundo, numa madrugada escura ou no meio da depressão ou das notícias ruins do mundo vai surgir uma dúvida, dependendo do seu estado de consciência você não vai satisfazer aquela dúvida, ela existe. Então isto é outra razão, para que não reste dúvida, porque a dúvida é um obstáculo. E vocês aqui sabem que com dúvida não se vai longe, não se dá um passo significante.
Você pode dizer que está bem na sua religião sem interferência do método de outra ou que se contenta com a sua fé e que ela é suficiente. Isto é bom, mas depende da fé em que. A fé é bom, e suficiente, mas só se ela estiver na coisa certa. Se ela estiver errada? De nada serve, é lixo, enganação. Se, digamos, coincidentemente, aquilo que você tem fé é verdadeiro você acertou o grande prêmio. Mas se você colocou ela em coisa errada, de que adianta? Você está perdido. Suponha que você depositou a fé num totem de pedra e seus amuletos e talismãs sua vida toda, você teria perdido uma vida numa mentira. O que ganhou com isso? Que experiência? Lamentável. Então para eliminar essa dúvida essa prática também é recomendada, é útil. Não é duvidar da sua fé, mas imagine algumas fés erradas que existem e logo você vai entender, é uma coisa prática, não é filosófico-dogmático, você vai se dirigir para uma certa coisa, não para os objetos de sua fé, a princípio é outra coisa e no final só é que você vai constatar que é igual. A procura do verdadeiro.
Ainda eu poderia falar dos outros usos na ordem, um ´por um. Mas vocês devem saber. O primeiro é a questão do estar consciente, você foca no espírito, na consciência, sua mente se liga à realidade das coisas, a realidade é espiritual, não é material. Do contrário você estaria ligando a mente às impressões mais fortes, a materialidade e qual o resultado disso? Você sabe o que acontece com a matéria.
O segundo motivo é que é uma psicologia. As outras escolas, inclusive de budismo, acreditam que você vai limpando o espelho até ele ficar limpo e depois ele está limpo para sempre. Mas isso não acontece, você precisa estar vigilante o tempo todo e não deixar a poeira assentar no espelho de novo, ou seja, as impurezas mentais, mesmo quando arrancadas totalmente, elas voltam, pois o espelho sempre reflete a imagem, e o espelho está no mundo agora, e no mundo tem poeira, e se você permitir tudo volta novamente, então é um treino, vigilância e limpar o espelho. Você precisa tomar banho todos os dias. É simples. Você precisa limpar a mente todos os dias. Isso é um auxílio, um processo intencional e racional, que vai colaborar com o trabalho espiritual na ordem, e em qualquer religião verdadeira inclusive. Veja que não estou nem falando do produto final, só do processo.
E por último, o mais mundano de tudo, é uma terapia. Aí entramos em longos detalhes e inúmeras aplicações que não cabe aqui, mas para cada pessoa um caso. A pessoas estão doentes, a humanidade está doente, e não é agora, é sempre, isso é um desvio de Nirvana, as pessoas poderiam estar numa vida de harmonia e conhecimento, mas estão num mundo de caos e ignorância que tem pouca sabedoria. Cobiça, aversão e ignorância são a causa desse estado de coisas, de mundo, de seres. Em última análise a terapia vai curar essa doenças, esse desvio. Mas ela começa com passos que vão curar os derivados desse trio maléfico aqui agora.
Isto é bom para a vida, a convivência, a compreensão, a liberdade, o trabalho bem feito, a família equilibrada, a saúde, a paz, e o desenvolvimento de seus potenciais. Você não precisa se apegar a isso, pois isso não é tudo, é só uma pequena coisa, uma pequena parte, um barquinho, uma ferramenta, mas se toma isso como religião, o barquinho, você estará errado, é uma terapia, uma ajuda para a cura.
Então você tem que estar um tempinho do dia numa tarefa atento, olhando a consciência, como tudo estando e sendo fenômeno na consciência, estar ciente disso, lembrado, e observando tudo, vigilante, ao que acontece na mente, vendo os fenômenos na mente. Isso é só um início, um treino, mas que tem que funcionar desde a primeira vez, não é para o futuro. Em muitas escolas é para o futuro, mas para a nossa é agora. Isso então é duas coisas: instantâneo e gradual (as duas escolas zen se dividiram e cada uma ficou com só uma metade, sem entender o zen, sem o zen). Por isso eu sou zen e por isso eu não sou zen. [Zen porque ficou com tudo inteiro, não-zen porque o que se chama zen ficou só com metade].
Muitos aqui sabem como ensino a meditar andando, e sabem que existe o zazen, sentado. Sentar é apenas para aquietar o corpo, o corpo é o balde, a mente é a água. Mas você não é nem o balde nem a água, então porque se preocupar com isso? Bem, essa era uma questão inicial da escola da não-mente. Nós falamos apenas de costume, não vamos entrar aqui nessa questão. Mas se você só meditar sentado vai demorar, porque você ainda está se identificando com a mente, você é o que olha para o fundo do balde através da água, não é o balde, nem é a água. É claro que vai precisar aquietar um pouco para ver o fundo do balde no início, mas depois que você já o viu, já o conhece, para que vai ficar olhando para o fundo do balde? Não tem nada aí! Você já viu o fundo, os lados e já viu a uma refletida na água. Mas você já viu seu próprio rosto? Você já viu todo o resto que o balde com água pode refletir se você sai andando? Então meditar andando é um treino para a vida. Você precisa olhar para fora do balde, para si mesmo, para o universo todo que existe agora e antes e depois, descobrir as leis, descobrir o desconhecido. Então se desapegue desse balde com água pelo amor de Deus!
Foi isso que Buda ensinou na minha concepção.
Ele ensinou a olhar para fora, fora do seu ponto de vista habitual, de balde ou de água, de um novo ponto de vista, solto, livre, do ponto de vista do espelho que pode refletir o infinito, infinitamente, do ponto de vista da consciência infinita. O zen está dizendo que Buda ensinou a olhar para dentro, mas não é só isso, isso é uma ínfima parte. O zen está dizendo como Hermes, que tudo que tem fora está também dentro, mas vai demorar muito de você só olhar para esse lado, se desapegue dos lados, do sujeito-objeto, você acredita mesmo que vai sustentar isso vidas e vidas? Por isso o zen verdadeiro ensina uma iluminação para já, não é esperar um satori no futuro. Na verdade não existe dentro e fora. Tudo é consciência, tudo é na consciência, olhe para você ver se não é, aí me diga. Isso é iluminação.
Muito depois você vai ver que isso são mensagens, esses reflexos, aí tem coisa do agora futuro também, que tudo tem um significado, mas agora não, agora isso é tudo e por muito tempo você só precisa disso e de estar voltando ao seu professor e trocando experiências, ele vai orientar o que for preciso. São dessas maneiras que esse ensinamento ajuda, não há que convencer, a pessoas vai se quiser quando estiver conhecendo. O convencimento não é algo que devamos tentar com isso e a vantagem é: pare de procurar vantagens, vantagens são tolices, não existem vantagens. Assista. Aquiete.