Alguém perguntou por escrito qual a diferença entre o zen tradicional e o zen que eu pratico. Eu não respondi na hora porque isto entra no tema de hoje e falei que assistisse hoje e se ainda restasse dúvida conversaremos mais. Porque trataremos sobre pontos práticos.
O tema que quero abordar hoje passa levemente pela história do zen, uma parte dela, e pela questão ou abordagem terapêutica moderna do zen. Primeira coisa que não existe essa história de zen tradicional. Existem escolas chamadas zen derivadas da escola que surgiu a partir do ensino do missionário indiano Bodhidharma, sim que não era chinês, talvez sua origem seja desconhecida, mas se diz que ele veio da Índia, não? Não explica sua aparência que é normalmente figurado como um homem enorme, alto e gordo. Mas há um detalhe que os desenhos não mostram, só as descrições. Ele era chamado o bárbaro loiro, tinha olhos azuis, cabelos longos e era louro.
Bem, em todo esse aspecto enigmático, some a personalidade enigmática, mais o ensinamento ou falas enigmáticas, isso tudo é que gerou a semente da escola zen. Estou falando da história real, não da lendária ou simbólica. Ele é o patriarca da escola. Mas ele não fundou o zen, nem mesmo o chan, que é da onde vem o zen, ele ensinou uma terapia para os monges, que serve para qualquer pessoa, mas é a que os monges em geral precisam porque suas mentes ficam doentes de tanto estudar e decorar sutras, de tanto meditar, de tanto repetir atividades, sua mente fica realmente doente, não purificada (e agora vocês entendem porque não dou muitas palestras em monastérios, vocês percebem?).
[Risos]
Se você pegar qualquer monge, para não generalizar vamos dizer a grande maioria, e lançar na vida cotidiana do mundo, ele estará logo a mesma coisa ou algo pior do que quando entrou para o monastério (veja que não falo de teoria ou conhecimento, mas de prática e resultado). Ele logo estará impaciente, irritadiço, ansioso, triste, rabugento, facilmente enganado às vezes (porque atrofia também a intuição às vezes), com mais dúvidas do que sabedoria, talvez com mais dúvidas que antes. Estou exagerando? Bem, eu li relatos de monges que votaram e é parecido com isso, tem muito mais coisa, às vezes nem isso, mas tem outras coisas... Porque o monge se isolou das situações de estresse normais e trocou por outras. O chan surgiu assim. Um homem descobriu isso, nele mesmo e criou uma forma de resolver o problema, isso é o ensinamento de Bodhidharama, para mim.
Agora vou dizer como, de forma bem resumida porque vocês podem fazer isso de forma bem mais eficiente e com mais tempo numa pesquisa na internet sobre a história de Bodhidharma e das escolas chan, podem achar livros inteiros sobre isso até. Ele viu o que a maioria de vocês não está vendo, ele passou por isso e viu em outros. O que é?
Que existem milhares de monges e praticantes no mundo, muitos são dedicados, alguns são extremamente dedicados, mas o que eles alcançaram? Quantos atingiram a iluminação? Quantos ao menos experimentaram Nirvana? Quantos se libertaram das impurezas?... Olhe, vamos ser logo diretos: quantos se libertaram das primeiras impurezas mais fáceis e atingiram dhyana alguma vez? Assim mesmo por baixo, vamos cortar por baixo. Você sabia que existem monges que praticam corretamente desde a infância e continuam com dúvidas, supersticiosos, sem atingir um jhanazinho sequer? E você aí se acha tão especial que vai sentar um dia na semana por uma hora e vai atingir o estado de buda?
Amigos! Que prisão! Que escravidão! Era assim que Bodhidharma se via (vou dizer que se via, não vou dizer que estava, mas era como se via, sem realização). Bodhidharma vendo isso se tornou exagerado, praticou severamente, por horas e horas, dias e dias sentados. E o sono vinha...
Entendam, ele praticava corretamente ou não?
Pronto. Segundo ponto.
Segundo que não existe isso de tradição zen. Claro, se não existe zen tradicional, não existe zen-tradição. Eu não sou um mestre zen, se você encontrar um mestre zen mate-o [(parafraseou a famosa frase zen "se você encontrar um buda mate-o"...)]. Foi isso que foi deixado. Uma escola surgiu a partir do ensinamento de Bodhidharma. Mas essa escola já surgiu praticamente dividida em duas, ou três tendências.
Então com o tempo foram acrescentados elementos de outras escolas como rituais e isso foi se modificando ainda, acrescentando umas coisas, tirando outras. O que sobrou do original numa visão histórica? O que se perdeu? Existem histórias tradicionais misturadas com lendas, mas historicamente quais são as garantias? Mas o que importa realmente é isso [(o que restou e o que se perdeu)] porque é isso que dirá a efetividade original. Muitos vão dizer que esse ensinamento foge ao original do Buda ou até mesmo de Bodhidharma, mas a nossa medida é a efetividade. Por isso a escola se separa do aspecto religião e religa ao aspecto disciplina, vida, e, então, terapia.
Nós então preferimos ficar apenas com o original efetivo. Nós olhamos inversamente à visão de muitas escolas. Elas olham "o ensinamento é isso", outra diz, "não, de forma alguma, o ensinamentos é isso". No Japão, uns pontuam que são os sutras, outros que é certo sutra, outro que é a tradição desde o Buda, outras que é certa tradição ou reforma de algum mestre, outros que é o "ide" do Buda. Embora nós sejamos dessa última linha de pensamento, nós olhamos ao contrário: olhamos para todas as escolas e dizemos "o que trás o resultado proposto por Buda?". O que está de acordo com o dharma e seus resultados? E primeiramente tenho que dizer que não é a religiosidade.
É uma visão difícil de ser aceita e difícil de ser explicada e eu não vou explicar. Mas se você pensar que o "ide" de Buda é suficiente como nós, está tudo explicado. Consequência: você tem que estudar os sutras e suttas e ouvir os que os ensinam, você tem que considerar os ensinamentos de tradições, você tem que ter praticado por muitos anos para ser experiente, você tem que conhecer o que os restauradores dizem que é o mais puro e original ensinamento que saiu da boca do Buda e ver se isso procede historicamente falando, e, você tem que ponderar tudo e fazer o que fazemos: conhecer os resultados e a efetividade da prática. Então você estará pronto para atender o "ide" do Buda. Foi isso que Bodhidharma fez. Essa análise é o que Buda ensinou a fazer, ele não ensinou a você pesquisar escolas e escolher uma. Ele disse para ponderar e e testar seus ensinamentos. Então tudo que se faz hoje conhecendo visões de escolas, está tudo errado. Está se perdendo.
Então veja que nossa visão é a única que faz o que todas as outras visões fazem sem excluir nenhuma, é a mais completa, a que abarca todas as possibilidades sem perder a noção do efeito.
Agora, nossa escola é uma escola patriarcal, ela tem uma série de preservadores e "restauradores". E alguns desses centraram mais enfaticamente no ensinamento mais puro para trazer resultado, são como especialistas, são terapeutas. Isso atraiu pessoas de todas as religiões, primeiro no Japão e depois em países do continente [(Ásia)] e Estados Unidos e agora começando a se espalhar pelo mundo. Pessoas vendo os efeitos dessas práticas analisando seus benefícios e as suas próprias necessidades vieram aprender. Então muitos saíram formados por duas escolas no Japão inicialmente como professores zen. Eles eram de outras escolas budistas, de outras religiões, padres e pastores cristãos, psicólogos, professores de ordens esotéricas, estudiosos, taoistas pesquisadores, historiadores, médicos, psicanalistas.
Então isso começou a se espalhar. Cursos de formação, novas escolas. As pessoas continuavam em suas religiões ou ordens e suas profissões ou psicologias e utilizavam essa "técnica", quando na verdade incorporavam essa prática e moral em suas vidas. Monges theravada inauguraram wat's, locais desse tipo de introdução centrado em resultados, com retiros longos de três meses, quatro meses, um ano, de formação. Outras escolas do zen fizeram o mesmo... Antes de mais nada é uma reforma de nós mesmos, uma reforma moral (principalmente para aqueles que tinham dificuldade de seguir a moral do budismo ou de suas religiões e agora conseguem) e uma reforma no modo de ver. O primeiro passo do caminho óctuplo... É indispensável.
Essa é a nossa visão.
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