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sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Os Fundamentos da Atenção Plena


Um comentário sobre o modo budista de meditação

Um dos principais objetivos da meditação budista é o treinamento da atenção plena e da presença mental momento a momento que nos capacitará a ver as coisas como realmente são. Não se trata de obter o “êxtase inefável” ou a visita a “dimensões superiores” embora isso possa acontecer como “efeito colateral”, não devendo, entretanto, o meditante buscar nem se apegar a isso, porém aproveitá-lo no sentido do conhecimento da realidade (mesmo que de “outras” realidades), da mente e de si mesmo. Nem é tampouco o objetivo da meditação ficar calmo e passivo achando tudo maravilhoso e vendo um mundo cor de rosa, muito pelo contrário, a meditação vai mostrar a dura realidade da vida neste mundo, caracterizada pela inevitabilidade da insatisfatoriedade e do sofrimento, insubstancialidade e transitoriedade, mas também o meio de libertar-se dessas condições; mostrar que viemos num mundo de sonhos, apegados na maioria das vezes a coisas e sentimentos vãos; ainda como se nunca fossemos sofrer, adoecer, envelhecer e morrer deixando tudo isso para trás.
Essa visão nos desencanta da ilusão desse mundo e mostra que temos que fazer algo concreto para mudar nossa situação de sonhadores inconsequentes. Assim vamos deixando de buscar ardentemente coisas transitórias e passamos a buscar mais e mais o imperecível, o incondicionado.
Além do budismo não ser uma religião proselitista, não é uma crença que se pode aceitar e estar tudo resolvido, mas uma prática para todo instante da vida que exige esforço e estudo, talvez por isso se espalhe tão devagar. Entretanto os resultados dessa prática são tão claros e definitivos que hoje o budismo é praticado por mais de um quarto da população do planeta. Realmente não é uma prática fácil ou para qualquer um, penso até que são muito poucos os que têm a força, a determinação, a disposição e a disciplina que a vivência budista exige, mas todos podem com o estudo e com o treinamento obter gradativamente algum proveito nesse sentido.
Há quem pense que o meditante está sempre num estado de paz e tranquilidade, mas nem sempre é assim... O ocidente costuma associar a meditação com passividade ou no mínimo como uma atividade maçante, e isso ocorre devido à ignorância do que se faz na meditação. Na verdade o meditante budista, em geral, tem muita atividade, muito o que fazer durante uma sessão de meditação. Contando só os procedimentos poderíamos ter uma idéia do quanto de atividade física e mental envolve a meditação budista. O sutta a seguir dá exatamente essa idéia ao descrever o que devemos fazer e como devemos proceder com cada parte do que iremos observar; também dá uma idéia do porque da meditação budista ser aprendida por partes, começando com um procedimento mais simples e básico ao qual se vai com o tempo de prática acrescentando mais elementos.
Neste sutta estão presentes os principais métodos de meditação ensinados pelo Buda. Os suttas foram escritos originalmente em pali e Buda provavelmente não falou tudo exatamente com essas palavras nem dessa maneira, esta é uma tradução e no pali existem muitas palavras que não existem nos idiomas ocidentais por isso a leitura das notas não deve ser de forma alguma deixada de lado, pois elas vão trazer explicação de termos em pali entre os quais alguns não têm correspondente em nossa língua, além de esclarecimentos fundamentais da doutrina budista.
Os textos budistas têm uma estética própria da cultura da época na índia e da própria sangha dos bhikkhus. Essa maneira é caracterizada especialmente por muitas repetições de frases e de partes das frases, ou fórmulas, ou sentenças que servem de esqueleto onde se encaixam algumas palavras variáveis. Um dos motivos disso foi para facilitar a memorização por parte dos praticantes. Nada melhor para entender a meditação budista do que os suttas, as palavras do Buda.
Nesse resumo foram suprimidas muitas dessas repetições que tornariam o texto mais longo, mas algumas foram deixadas para não prejudicar o sentido, nem perder o foco, a estética nem o contexto da sentença. Nele também existem seções que já estão resumidas originalmente, e que são temas extremamente essenciais no budismo e extensamente explorados em outros suttas, temas como os cinco agregados, os cinco obstáculos, as seis bases, os sete fatores da iluminação e as quatro nobres verdades.
Aqui apresentaremos este sutta em duas partes: a primeira parte trata dos quatro fundamentos da atenção plena em seus detalhes e subfatores; a segunda parte trata dos sete fatores da iluminação e das quatro nobres verdades. Desejo que o conhecimento do Damma possa ser absorvido da melhor forma e proporcione os melhores benefícios possíveis ao leitor e penso que não há nada mais preciso e acertado que as palavras do próprio Buda para cumprir esse papel, ninguém mais capacitado para explicar o Damma do Buda que o próprio Buda. Que esse privilégio já que foi relativamente de poucos, dadas as dificuldades do passado e hoje se torna mais e mais ao alcance, possa ser devidamente apreciado levando a inspiração necessária a todos.
Antonio F. Gonzaga

Digha Nikaya 22 Mahasatipatthana Sutta

Os Fundamentos da Atenção Plena

Este sutta foi condensado a partir da tradução completa do Digha Nikaya; Os suttas foram traduzidos do Pali para o inglês por Thanissaro Bhikkhu, Maurice Walsh, Bhikkhu Boddhi, Narada Thera e T. W. Rhys Davis; a tradução do inglês é de Michael Beisert e pode ser encontrada no www.acessoaoinsight.net .

Para distribuição gratuita como um presente do Dhamma

1. Assim ouvi.[1] Certa ocasião, estava o Abençoado entre os Kurus numa cidade denominada Kammasadhamma.[2] Lá ele se dirigiu aos monges desta forma: “Bhikkhus.” – “Venerável Senhor,” eles responderam. O Abençoado disse o seguinte:
2. “Bhikkhus, este é o caminho direto[3] para a purificação dos seres, para superar a tristeza e a lamentação, para o desaparecimento da dor e da angústia, [3a] para alcançar o caminho verdadeiro, para a realização de Nibbana – isto é, os quatro fundamentos da atenção plena.[4]
3. “Quais são os quatro? Aqui, bhikkhus, um bhikkhu[5] permanece contemplando o corpo como um corpo, (a) ardente, (b) plenamente consciente e (c) com atenção plena, (d) tendo colocado de lado a cobiça e o desprazer pelo mundo.[6] Ele permanece [do mesmo modo] contemplando as sensações como sensações, (...) ele permanece contemplando a mente como mente, (...) ele permanece contemplando os objetos mentais como objetos mentais (...).[7]
( Contemplação do Corpo )
( 1. Atenção Plena na Respiração )
4. “E como, bhikkhus, um bhikkhu permanece contemplando o corpo como um corpo? Aqui um bhikkhu, dirigindo-se à floresta ou à sombra de uma árvore ou a um local isolado; senta-se com as pernas cruzadas, mantém o corpo ereto e estabelecendo a plena atenção à sua frente, [7a] ele inspira com atenção plena justa, ele expira com atenção plena justa.[7b] Inspirando longo, ele compreende : ‘Eu inspiro longo’; ou expirando longo, ele compreende: ‘Eu expiro longo.’ Inspirando curto, ele compreende: ‘Eu inspiro curto’; ou expirando curto, ele compreende: ‘Eu expiro curto.’[8] Ele treina dessa forma: (a)‘Eu inspiro experienciando todo o corpo [da respiração]’; (...) ‘Eu expiro experienciando todo o corpo [da respiração].’[9] (...) (b)‘Eu inspiro tranqüilizando a formação do corpo [da respiração]’ (...) ‘ Eu expiro tranqüilizando a formação do corpo [da respiração].’[10] Da mesma forma como um torneiro habilidoso ou seu aprendiz, quando faz uma volta longa, compreende: ‘Eu faço uma volta longa’; ou, quando faz uma volta curta, compreende (...) ele treina dessa forma: ‘Eu devo expirar tranqüilizando a formação do corpo.’
(Insight)
5. “Dessa forma ele permanece contemplando o corpo como um corpo internamente, ou (...) externamente, ou (...) tanto interna como externamente.[11] Ou então, ele permanece contemplando fenômenos que surgem no corpo, ou (...) fenômenos que desaparecem no corpo, ou (...) ambos (...). [12] Ou então, a atenção plena de que ‘existe um corpo’ se estabelece somente na medida necessária para o conhecimento e para a atenção.[13] E ele permanece independente, sem nenhum apego a qualquer coisa mundana. Assim é como um bhikkhu permanece contemplando o corpo como um corpo.
( 2. As Quatro Posturas )
6. “Novamente, bhikkhus, quando caminhando, um bhikkhu compreende: ‘Eu estou caminhando’; quando em pé, ele compreende: ‘Eu estou em pé’; quando sentado, ele compreende: ‘Eu estou sentado’; quando deitado, ele compreende: ‘Eu estou deitado’; ou ele compreende a postura do corpo conforme for o caso.[14]
7. “Dessa forma ele permanece contemplando o corpo como um corpo internamente, externamente, tanto interna como externamente (...) E ele permanece independente, sem nenhum apego a qualquer coisa mundana. Assim também é como um bhikkhu se estabelece contemplando o corpo como um corpo.
( Plena Consciência [das ações] )
8. “Novamente, bhikkhus, um bhikkhu age com plena consciência ao ir para a frente e retornar;[15] (...) ao olhar para frente e desviar o olhar; (...) ao dobrar e estender os membros; (...) ao carregar o manto externo, o manto superior, a tigela; (...) ao comer, beber, mastigar e saborear; (...) ao urinar e defecar; age com plena consciência ao caminhar, ficar em pé, sentar, dormir, acordar, falar e permanecer em silêncio.
9. (...) “E ele se estabelece independente, sem nenhum apego a qualquer coisa mundana. Assim também é como um bhikkhu se estabelece contemplando o corpo como um corpo.
( 4. Impurezas – As Partes do Corpo )
10. “Novamente, bhikkhus, um bhikkhu examina esse mesmo corpo para cima, a partir da sola dos pés e para baixo, a partir do topo da cabeça, limitado pela pele e repleto de muitos tipos de impurezas, portanto: ‘Neste corpo existem cabelos, pêlos do corpo, unhas, dentes, pele, carne, tendões, ossos, tutano, rins, coração, fígado, diafragma, baço, pulmões, intestino grosso, intestino delgado, conteúdo do estômago, fezes, bílis, fleuma, pus, sangue, suor, gordura, lágrimas, saliva, muco, líquido sinovial e urina.’[16] Como se houvesse um saco com uma abertura em uma extremidade cheio de vários tipos de grãos, como arroz sequilho, arroz vermelho, feijões, ervilhas, milhete e arroz branco, e um homem com vista boa o abrisse e examinasse: ‘Isto é arroz sequilho, arroz vermelho, feijões, ervilhas, milhete e arroz branco’; da mesma forma, um bhikkhu examina esse mesmo corpo (...).
11. “Dessa maneira, ele permanece contemplando o corpo como um corpo internamente, externamente, tanto interna como externamente (...) E ele se estabelece independente, sem nenhum apego a qualquer coisa mundana. Assim também é como um bhikkhu se estabelece contemplando o corpo como um corpo.
( 5. Elementos )
12. “Novamente, bhikkhus, um bhikkhu examina esse mesmo corpo que, não importando a sua posição ou postura, consiste de elementos da seguinte forma: ‘Neste corpo há o elemento terra, o elemento água, o elemento fogo, e o elemento ar.’[17] Do mesmo modo, como se um açougueiro habilidoso ou seu aprendiz tivesse matado uma vaca e estivesse sentado numa encruzilhada com a vaca em pedaços; assim também um bhikkhu examina esse mesmo corpo (...).
13. “Dessa forma ele permanece contemplando (...) E ele permanece independente, sem nenhum apego a qualquer coisa mundana. Assim também é como um bhikkhu se estabelece contemplando o corpo como um corpo.
( 6 – 14 As Nove Contemplações do Cemitério )
14. “Novamente, bhikkhus, (1) como se ele visse um cadáver jogado em um cemitério,[17a] um, dois, ou três dias depois de morto, inchado, lívido e esvaindo matéria, um bhikkhu compara seu corpo com ele: ‘Este corpo também tem a mesma natureza, se tornará igual, não está isento desse destino.’[18]
15. “Dessa forma ele permanece contemplando o corpo (...) E ele permanece independente, sem nenhum apego a qualquer coisa mundana. Assim também é como um bhikkhu se estabelece contemplando o corpo como um corpo.
16. “Novamente, (2) como se ele visse um cadáver jogado num cemitério, sendo devorado por corvos, gaviões, abutres, cães, chacais ou vários tipos de vermes, um bhikkhu compara seu mesmo corpo com ele: ‘Este corpo também tem a mesma natureza, se tornará igual, não está isento desse destino.’
17. (...) “Assim também é como um bhikkhu se estabelece contemplando o corpo como um corpo.
18-24. “Novamente, bhikkhus, (3) como se ele visse um cadáver jogado num cemitério, um esqueleto com carne e sangue, que se mantém unido por tendões (...) (4) um esqueleto descarnado lambuzado de sangue, que se mantém unido por tendões (...) (5) um esqueleto descarnado e sem sangue, que se mantém unido por tendões (...) (6) ossos desconectados espalhados em todas as direções – aqui um osso da mão, ali um osso do pé, aqui um osso da perna, ali um osso da coxa, aqui um osso da bacia, ali um osso da coluna vertebral, aqui uma costela, ali um osso do peito, aqui um osso do braço, ali um osso do ombro, aqui um osso do pescoço, ali um osso da mandíbula, aqui um dente, ali um crânio - um Bhikkhu compara seu corpo com ele, portanto: ‘Este corpo também tem a mesma natureza, se tornará igual, não está isento desse destino.’[19]
25. (...) “Assim também é como um bhikkhu permanece contemplando o corpo como um corpo.
26-30. “Novamente, bhikkhus, (7) como se ele visse um cadáver jogado num cemitério, os ossos brancos desbotados, a cor de conchas (...) (8) ossos amontoados, com mais de um ano (...) (9) ossos apodrecidos e esfarelados convertidos em pó, um bhikkhu compara seu corpo com ele, portanto: ‘ Este corpo também tem a mesma natureza, se tornará igual, não está isento desse destino.’
(Insight)
31. (...) “E ele permanece independente, sem nenhum apego a qualquer coisa mundana. Assim é como um Bhikkhu se estabelece contemplando o corpo no corpo.
( Contemplação das Sensações [três tipos de sensações e duas categorias])
32. “E como, bhikkhus, um bhikkhu permanece contemplando sensações como sensações?[20] Aqui, sentindo uma (1) sensação prazerosa, um bhikkhu compreende: ‘Eu sinto uma sensação prazerosa’[20a]; quando sente uma (2) sensação dolorosa, ele compreende: ‘Eu sinto uma sensação dolorosa’[20b]; quando sente uma (3) sensação nem prazerosa, nem dolorosa, ele compreende: ‘Eu sinto uma sensação nem prazerosa, nem dolorosa’.[20c] Quando sente uma (1.a) sensação prazerosa mundana, ele compreende: ‘Eu sinto uma sensação prazerosa mundana’; quando sente uma (1.b) sensação prazerosa não mundana, ele compreende: ‘Eu sinto uma sensação prazerosa não mundana’; quando sente uma (2.a) sensação dolorosa mundana, ele compreende: ‘Eu sinto uma sensação dolorosa mundana’; quando sente uma (2.b) sensação dolorosa não mundana, ele compreende: ‘Eu sinto uma sensação dolorosa não mundana’; quando sente uma sensação (3.a) nem prazerosa, nem dolorosa mundana, ele compreende: ‘Eu sinto uma sensação nem prazerosa, nem dolorosa mundana’; quando sente uma (3.) sensação nem prazerosa, nem dolorosa não mundana, ele compreende: ‘Eu sinto uma sensação nem prazerosa, nem dolorosa não mundana’
(Insight)
33. “(...) E ele permanece independente, sem nenhum apego a qualquer coisa mundana. Assim é como um bhikkhu permanece contemplando sensações como sensações.
(Contemplação da Mente [oito estados de mente de duas maneiras])
34. “E como, bhikkhus, um bhikkhu se estabelece contemplando a mente como mente?[22] Aqui um bhikkhu compreende a (1.a) mente afetada pelo desejo como mente afetada pelo desejo e a (1.b) mente não afetada pelo desejo como mente não afetada pelo desejo. Ele compreende a (2.a) mente afetada pela raiva como mente afetada pela raiva e a (2.b) mente não afetada pela raiva como mente não afetada pela raiva. Ele compreende a (3.a) mente afetada pela delusão como mente afetada pela delusão e a (3.b) mente não afetada pela delusão como mente não afetada pela delusão. Ele compreende a (4.a) mente contraída como mente contraída e a (4.b) mente distraída como mente distraída. Ele compreende a (5.a) mente transcendente como mente transcendente e a (5.b) mente não transcendente como mente não transcendente. Ele compreende a mente superável como (6.a) mente superável e a (6.b) mente não superável como mente não superável. Ele compreende a (7.a) mente concentrada como mente concentrada e a (7.b) mente não concentrada como mente não concentrada. Ele compreende a (8.a) mente libertada como mente libertada e a (8.b) mente não libertada como mente não libertada.[23]
(Insight)
35. “Dessa forma ele permanece contemplando a mente como mente internamente ou (...) como mente externamente, ou ele permanece contemplando a mente como mente tanto interna como externamente. Ou então, ele permanece contemplando fenômenos que surgem na mente, ou (...) que desaparecem na mente, ou ele permanece contemplando tanto os fenômenos que surgem como os fenômenos que desaparecem na mente.[24] Ou então, a atenção plena ‘de que existe a mente’ se estabelece somente na medida necessária para promover o conhecimento e a atenção. E ele permanece independente, sem nenhum apego a qualquer coisa mundana. Assim é como um bhikkhu permanece contemplando a mente como mente.
( Contemplação dos Objetos Mentais )
( 1. Os Cinco Obstáculos )
36. “E como, bhikkhus, um bhikkhu se estabelece contemplando os objetos mentais como objetos mentais? [25] Aqui um bhikkhu permanece contemplando os objetos mentais (1) como objetos mentais referentes aos cinco obstáculos.[26] (...) havendo nele (1.1) desejo sensual, um bhikkhu compreende: ‘Existe em mim desejo sensual’; ou não havendo nele desejo sensual, ele compreende: ‘Não existe em mim desejo sensual’; e ele também compreende (a) como se despertam os desejos sensuais que ainda não despertaram e (b) como acontece o abandono de desejos sensuais despertos e (c) como acontece para que desejos sensuais abandonados não despertem no futuro.[26a]
“[Da mesma forma (a, b e c) ele procede] (1.2) Havendo nele má vontade (...) (1.3) havendo nele preguiça e torpor (...) (1.4) havendo nele inquietação e ansiedade (...) (1.5) havendo nele dúvida (...).
(Insight)
37. “Dessa forma ele permanece contemplando (...). E ele permanece independente, sem nenhum apego a qualquer coisa mundana. Assim é como um bhikkhu permanece contemplando os objetos mentais como objetos mentais.
( 2. Os Cinco Agregados )
38. “Novamente, bhikkhus, um bhikkhu permanece contemplando os objetos mentais (2) como objetos mentais referentes aos cinco agregados influenciados pelo apego.[27] E como um bhikkhu permanece contemplando os objetos mentais como objetos mentais referentes aos cinco agregados influenciados pelo apego? Aqui um bhikkhu compreende: ‘Assim é a (2.1) forma material, assim é a sua origem, assim é a sua cessação; assim é a (2.2) sensação, assim é a sua origem, assim é a sua cessação; assim é a (2.3) percepção, assim é a sua origem, assim é a sua cessação; assim são as (2.4) formações, assim é a sua origem, assim é a sua cessação; assim é a (2.5) consciência, assim é a sua origem, assim é a sua cessação.’
39. “Dessa forma ele permanece contemplando (...) E ele permanece independente, sem nenhum apego a qualquer coisa mundana. (...)
( 3. As Seis Bases )
40. “Novamente, bhikkhus, um bhikkhu permanece contemplando os objetos mentais (3) como objetos mentais referentes às seis bases internas e externas.[28] E como um bhikkhu permanece contemplando os objetos mentais como objetos mentais referentes às seis bases internas e externas? Aqui um bhikkhu compreende o (3.1) olho, ele compreende as formas e ele compreende o grilhão que surge na dependência de ambos; ele também compreende (a) como surge o grilhão que ainda não surgiu, (b) como se abandona o grilhão que já surgiu e (c) como o grilhão abandonado não surgirá no futuro.
“(3.2) [Da mesma forma] Ele compreende o (3.2) ouvido, ele compreende os sons e ele compreende o grilhão (...) (3.3) o nariz (...) os aromas (...) (3.4) a língua (...) os sabores (...) (3.5) o corpo (...) os tangíveis (...) (3.6) a mente (...) os objetos mentais (...).
41. “Dessa forma ele permanece contemplando (...) E ele permanece independente, sem nenhum apego a qualquer coisa mundana. (...)
Notas:
[ 1 ] Este é um dos suttas mais importantes no Cânone em Pali, contendo a explicação mais completa do caminho mais direto para alcançar o objetivo Budista. Um sutta praticamente idêntico é encontrado no MN 10, que no entanto apresenta uma análise mais resumida das Quatro Nobres Verdades. [Retorna]
[ 2 ] Alguns estudiosos afirmam que essa cidade se localizava nas proximidades de Deli. [Retorna]
[ 3 ] O texto em Pali diz ekayano ayam bhikkhave maggo, praticamente todos tradutores entendem que esta é uma declaração que sustenta que satipatthana é um caminho único. Dessa forma ele o Venerável Soma diz: ‘’Este é o único caminho (only way), Bhikhus,’’ e o Venerável Nyanaponika: ‘’Este é o único caminho (sole way), Bhikkhus’’. O Bhikkhu Nãnamoli no entanto destaca que ekayana magga no MN 12.37-42 tem o significado contextual preciso de “ um caminho que leva a uma única direção”, assim, ele também utilizou essa interpretação neste trecho. A expressão utilizada aqui, “o caminho direto”, tem como objetivo preservar o mesmo significado utilizando uma expressão mais resumida. MA explica ekayana magga como um só caminho, não como um caminho dividido; como um caminho que cada um deve trilhar, sem um companheiro; e como um caminho que leva a um objetivo somente, Nibbana. Embora o Cânone ou os Comentários não suportem esta opinião, pode ser sustentado que satipatthana é denominado ekayana magga, o caminho direto, para distinguí-lo da prática meditativa que passa pelos jhanas ou brahmaviharas. Embora estes últimos possam levar a Nibbana, não é o que necessariamente ocorre, podendo resultar em desvios do objetivo, enquanto que satipatthana conduz invariavelmente ao objetivo final. [Retorna]
[3a] Domanassa, que também pode ser interpretado como tristeza, desprazer; uma sensação de dor mental. [Retorna]
[ 4 ] A palavra satipatthana é um termo composto. A primeira parte, sati, originalmente significava ‘memória’, porém nos textos Buddhistas em Pali o significado mais freqüente é a qualidade da atenção dirigida ao momento presente - daí o termo ‘atenção plena’. A segunda parte é explicada de duas maneiras: ou como uma abreviação de upatthana, significando “preparando” ou “estabelecendo” (a atenção plena ); ou como patthana, significando “domínio” ou “fundamento” (novamente da atenção plena). Dessa forma ele os quatro satipatthanas podem ser entendidos ou como as quatro formas de estabelecer a atenção plena, ou como os quatro domínios da atenção plena, o que será elaborado em mais detalhe no restante do sutta. A primeira interpretação parece ser a derivação etimológica mais correta (confirmado pelo Sanskrito sm tyupasthana), porém os Comentaristas em Pali, embora aceitando ambas as interpretações, tiveram uma predileção pela última. [Retorna]
[ 5 ] MA define que neste contexto, “bhikkhu” é um termo que indica a pessoa que se dedica com  seriedade à prática dos ensinamentos: “Quem quer que empreenda esta prática…está incluído sob o termo ‘bhikkhu’”. [Retorna]
[ 6 ] A repetição na frase “contemplando o corpo como um corpo” ( kaye kayanupassi ), de acordo com MA, tem o propósito de determinar com precisão o objeto de contemplação e isolá-lo de outros com os quais possa ser confundido. Assim, na prática, o corpo deve ser observado como corpo e não as sensações, idéias ou sentimentos ligados ao corpo. A frase também significa que o corpo deve ser contemplado simplesmente como um corpo e não como um homem, uma mulher, um eu, ou um ser humano. As mesmas considerações se aplicam às demais repetições no caso dos outros três fundamentos da atenção plena. MA diz que “cobiça e desprazer” significam o desejo sensual e a má vontade que são os principais obstáculos, descritos mais abaixo no sutta, que precisam ser superados para que a prática seja bem sucedida.  [Retorna]
[ 7 ] A estrutura deste sutta é relativamente simples. Em seguida ao preâmbulo, o corpo do discurso se divide em quatro partes seguindo os quatro fundamentos da atenção plena:
                                 I.            Contemplação do corpo, que compreende catorze exercícios: atenção plena na respiração; contemplação das quatro posturas; plena consciência; reflexão acerca das impurezas do corpo; reflexão acerca dos elementos; e nove contemplações do "cemitério" - refletindo sobre corpos em diferentes estados de decomposição.
                                II.            Contemplação das sensações, considerado como um exercício.
                              III.            Contemplação da mente, também um exercício.
                              IV.            Contemplação dos objetos mentais, que possui cinco subdivisões - os cinco obstáculos; os cinco agregados; as seis bases dos sentidos; os sete fatores de iluminação; e as Quatro Nobres Verdades.
Dessa forma ele o sutta expõe no total vinte um exercícios de contemplação. Cada exercício por sua vez possui dois aspectos: o exercício básico, explicado primeiro, e uma seção complementar à respeito do insight (que é essencialmente a mesma para todos os exercícios), que indica como a contemplação deve ser desenvolvida para aprofundar o entendimento do fenômeno que está sendo investigado. Finalmente, o sutta conclui com um comentário do próprio Buddha em que ele assegura a eficácia do método declarando que o fruto colhido da prática será o estado de arahant ou de não retorno. [Retorna]
[7a] Isto é, na respiração à sua frente. [Retorna]
[ 8 ] A prática da atenção plena na respiração, (anapanasati), não envolve um esforço deliberado para controlar a respiração, como no hatha yoga, mas um esforço sustentado de manter a atenção na respiração enquanto ela se move para dentro e para fora, no seu ritmo natural. A atenção plena é dirigida às narinas ou ao lábio superior, aonde o impacto da respiração é sentido de maneira mais distinta; a extensão da respiração é compreendida porém não conscientemente controlada. O desenvolvimento completo deste método de meditação está exposto no MN 118. Para uma coletânea dos textos acerca deste assunto, veja Bhikkhu Nãnamoli - Mindfulness of Breathing. Veja também Visuddhimagga VIII, 145-244. [Retorna]
[ 9 ] MA: a frase “vivenciando todo o corpo [da respiração]”, (sabba-kãyapatisamvedi), siginifica que o meditador está consciente de cada inspiração e expiração subdivididas em suas três fases de começo, meio e fim. [Retorna]
[ 10 ] A “formação do corpo”, (kayasankhara), é definido no MN 44.13 como a inspiração e a expiração em si. Portanto, como explicado no MA, com o desenvolvimento adequado desta prática, a respiração do meditador se tornará cada vez mais calma, tranqüila e pacífica. [Retorna]
[ 11 ] MA: “Internamente”: contemplando a respiração no seu próprio corpo. “Externamente”: contemplando a respiração que ocorre no corpo de outra pessoa. “Internamente e externamente”: contemplando a respiração no seu próprio corpo e no corpo de outra pessoa alternadamente, sem interrupção da atenção. Uma explicação similar se aplica ao refrão que segue a cada uma das demais seções, exceto que na contemplação das sensações, mente e objetos mentais a contemplação externa, excetuando aqueles que possuem poderes supra-humanos, terá de ser inferida. [Retorna]
[ 12 ] MA: Os “fenômenos que surgem”, (samudayadhamma), são as condições pelas quais surgiu o corpo - isto é, ignorância, desejo, kamma e alimento - juntamente com o fato concreto do surgimento a cada momento de fenômenos materiais no corpo. No caso da atenção plena na respiração, um fator adicional de surgimento mencionado nos comentários é o aparelho fisiológico da respiração. Os “fenômenos que desaparecem”, (vayadhamma),  são a cessação das condições pelas quais surgiu o corpo e os demais fenômenos materiais no corpo. [Retorna]
[ 13 ] MA: Com o propósito de um conhecimento, (ñana), e atenção cada vez mais amplos e profundos. A palavra corpo, (kaya), ocorre com frequência neste sutta e deve ser interpretada de acordo com o seu contexto. Neste caso trata-se da seção da respiração. Portanto, a palavra corpo neste caso significa corpo da respiração. [Retorna]
[ 14 ] O entendimento das posturas do corpo, mencionado neste exercício, não se refere ao nosso conhecimento ordinário das atividades do corpo, mas à atenção minuciosa, constante e cuidadosa do corpo em qualquer posição, combinado com um exame analítico com a intenção de dissipar a delusão de um eu como o agente do movimento corporal. [Retorna]
[ 15 ] Sampajanna, traduzido como plena consciência ou clara compreensão. Os comentários analisam quatro tipos: (1) plena consciência do propósito, discernir um propósito benéfico na ação intencionada; (2) plena consciência da adequação dos meios utilizados, discernir que os meios utilizados para alcançar os objetivos são adequados; (3) plena consciência  do domínio, não abandonar o objeto da meditação durante a rotina diária; (4) plena consciência como não delusão, discernir que as próprias ações são processos condicionados desprovidos de um eu substancial. Veja The Way of Mindfulness, pág. 60-100; The Heart of Buddhist Meditation, pág.46-55; The Four Foundations of Mindfulness pág.50-59. [Retorna]
[ 16 ] Em obras em Pali posteriores o cérebro é adicionado a essa lista para formar as trinta e duas partes. Os detalhes dessa prática meditativa são explicados no Visuddhimagga VIII, 42-114. [Retorna]
[ 17 ] Esses quatro elementos são explicados na tradição Budista como os atributos primários da matéria - solidez, coesão, calor e distensão. A explicação detalhada é encontrada no Visuddhimagga XI, 27-117. [Retorna]
[17a] Cemitério neste caso se refere a um local onde os cadáveres são descartados, sem que sejam enterrados ou cremados. [Retorna]
[ 18 ] A frase “como se”, (seyyathapi), sugere que esta meditação e as demais a seguir, não necessitam tomar por base um corpo no estado de decomposição descrito mas, que podem ser realizadas como um exercício da imaginação. “Este corpo” se refere logicamente ao corpo do próprio meditador. [Retorna]
[ 19 ] Cada um dos quatro tipos de corpos mencionados aqui e os três tipos abaixo, podem ser tomados como uma meditação separada e independente; ou todo o conjunto pode ser usado progressivamente para imprimir na mente a idéia da impermanência e insubstancialidade do corpo. [Retorna]
[ 20 ] Sensações, (vedana), significam a qualidade emocional das experiências,  físicas e mentais, quer sejam prazerosas, dolorosas ou nem prazerosas nem dolorosas. Exemplos de sensações “mundanas” e “não mundanas” são encontrados no MN 137.9-15 sob o tópico dos seis tipos de alegria, tristeza e equanimidade baseados respectivamente na vida leiga e na vida santa. [Retorna]
[20a] Sukham vedanam: pode ser corporal ou mental. [Retorna]
[20b] Dukkham vedanam: também pode ser corporal ou mental. [Retorna]
[20c] Adukkhamasukham vedanam: apenas mental. [Retorna]
[20d] O meditador infere, ou sabe por meio da telepatia, as sensações dos outros. [Retorna]
[ 21 ] Os fenômenos que surgem e desaparecem nas sensações são os mesmos do corpo, (veja nota 12), exceto que o alimento é substituído pelo contato já que contato é a condição necessária para as sensações ( veja MN 9.42 ). [Retorna]
[ 22 ] A mente, (citta), como objeto de contemplação refere-se ao estado e nível geral da consciência. Já que a consciência propriamente dita, em sua natureza, é o simples conhecimento ou cognição de um objeto,  a qualidade de um estado mental é determinada pelos fatores mentais associados como desejo, raiva e delusão ou os seus opostos como mencionado no sutta. [Retorna]
[ 23 ] Os pares de exemplos de citta mencionados nesta passagem contrastam estados mentais benéficos e prejudiciais ou desenvolvidos e não desenvolvidos. Todavia uma exceção é o par “contraída” e “distraída”, em que ambos são prejudiciais, o primeiro devido à preguiça e ao torpor e o último devido à inquietação e ansiedade. MA explica que “mente transcendente” e “mente não superável” refere-se à mente no estado meditativo dos jhanas e das realizações ou jhanas imateriais; “mente não transcendente” e "mente superável” como a mente relativa à esfera da mente sensorial; “mente libertada” deve ser entendida como a mente que está parcialmente ou temporariamente livre das impurezas respectivamente através do insight ou dos jhanas. Já que a prática de satipatthana se refere à fase preliminar do caminho que tem por objetivo os caminhos supramundanos da libertação, esta última categoria não deve ser entendida como a mente libertada através do atingimento dos caminhos supramundanos. [Retorna]
[ 24 ] Os fenômenos que surgem e desaparecem na mente são os mesmos do corpo (nota 12) exceto que o alimento é substituído por mentalidade-materialidade, já que esta é a condição necessária para a consciência ( veja DN 15.22). [Retorna]
[ 25 ] A palavra aqui interpretada como “objetos mentais” é a polimorfa dhamma. Neste contexto dhamma pode ser entendido como todos os fenômenos classificados sob as categorias do Dhamma, os ensinamentos do Buddha acerca da realidade. Esta contemplação atinge o seu clímax com a compreensão completa do ensinamento que é o coração do Dhamma - as Quatro Nobres Verdades. [Retorna]
[ 26 ] Os cinco obstáculos, (pancanivarana), são o pricipal impedimento interno para o desenvolvimento da concentração e do insight. O desejo sensual surge ao dar atenção sem sabedoria a objetos atraentes e é abandonado pela meditação acerca das impurezas (como no verso10 e no verso 14-30); a má-vontade surge ao dar atenção sem sabedoria a um objeto que causa aversão, e  é abandonada com a meditação do amor-bondade; preguiça e torpor surgem através da submissão ao tédio e à preguiça, e são abandonados com o despertar da energia; inquietação e ansiedade surgem ao dar atenção sem sabedoria a pensamentos perturbadores, e são abandonados com a atenção com sabedoria para a tranqüilidade; a dúvida surge ao dar atenção sem sabedoria a assuntos suspeitos e é abandonada através do estudo, investigação e inquérito. Os obstáculos só serão totalmente erradicados com os caminhos supramundanos. Para um tratamento completo veja The Way of Mindfulness, pag. 119-130; Nyanaponika Thera, The Five Mental Hindrances; The Four foundations of Mindfulness pág. 96-111 e também MN 27.18 e MN 39.13-14. [Retorna]
[26a] DA identifica seis métodos para eliminar a o desejo sensual: (1) refletir sobre um objeto repulsivo (asubha); (2) desenvolver os jhanas visto que estes suprimem os obstáculos entre os quais está o desejo sensual; (3) Guardar as portas dos sentidos; (4) moderação ao comer; (5) o apoio de amigos admiráveis; (6) conversação apropriada. [Retorna]
[ 27 ] Os cinco agregados influenciados pelo apego, (panc’upadanakkhandha), são os cinco grupos de fatores que compõem a identidade de um indivíduo. Os agregados são analisados e explicados em relação à sua origem e desaparecimento no MN 109.9. [Retorna]
[ 28 ] As bases internas são, como foi mostrado, as seis faculdades sensoriais; as bases externas são os seus respectivos objetos. A cadeia que surge entre cada um dos pares pode ser entendida como atração, (desejo), aversão, (raiva) e delusão subjacente. [Retorna]

sábado, 22 de setembro de 2012

Instruções Básicas para Meditação da Respiração


Por
Ajaan Thanissaro
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A técnica que irei ensinar é a meditação da respiração. É um bom tópico independentemente da sua orientação religiosa. Como meu mestre disse certa vez, a respiração não pertence ao Budismo ou Cristianismo ou a qualquer seita. É propriedade comum que qualquer pessoa pode usar para meditar. Ao mesmo tempo, de todos os tópicos de meditação que existem, é provavelmente o mais benéfico para o corpo, pois quando estamos lidando com a respiração, não estamos lidando somente com o ar que entra e sai dos pulmões, mas também com todas as sensações de energia que percorrem o corpo com cada respiração. Se você conseguir aprender a se tornar sensível a essas sensações, e permitir que elas fluam facilmente e sem obstruções, você poderá auxiliar o seu corpo a funcionar mais facilmente, e dar para a mente um meio para lidar com a dor.
Então vamos todos meditar por alguns minutos. Sentem-se confortavelmente eretos, em uma posição equilibrada. Vocês não precisam ficar duros e retos como um soldado. Tentem somente não se inclinar para a frente ou para trás, ou para a esquerda ou direita. Feche os olhos e diga a si mesmo, ‘Que eu possa ser verdadeiramente feliz e livre de sofrimento.’ Isso pode parecer uma forma estranha, até egoísta, de começar a meditar, porém existem boas razões para isso. Primeiro, se você não consegue desejar a sua própria felicidade, não há meio de que você possa honestamente desejar a felicidade de outros. Algumas pessoas necessitam se lembrar constantemente de que elas merecem a felicidade – nós todos a merecemos, porém se não acreditamos nisso, encontraremos constantemente formas de nos punir, e acabaremos punindo outros de forma sutil ou grosseira também.
Segundo, é importante refletir acerca do que é a verdadeira felicidade e onde ela pode ser encontrada. Um momento de reflexão mostrará que você não poderá encontrá-la no passado ou no futuro. O passado já passou e a sua memória dele não é confiável. O futuro é uma grande incerteza. Portanto, o único lugar onde realmente podemos encontrar a felicidade é no presente. Porém mesmo aqui você tem que saber aonde procurar. Se você tentar basear a sua felicidade em coisas que mudam – aparências, sons, sensações em geral, pessoas e coisas externas – você está buscando desapontamento, tal como construir uma casa sobre um penhasco em que já ocorreram deslizamentos várias vezes no passado. Dessa forma a verdadeira felicidade deve se procurada dentro de você. A meditação é como uma caça ao tesouro: encontrar na mente aquilo que tem valor consistente e imutável, algo que nem mesmo a morte consegue tocar.
Para encontrar esse tesouro nós precisamos de ferramentas. A primeira ferramenta é o que estamos fazendo agora mesmo: desenvolvendo amor bondade para nós mesmos. A segunda é disseminar esse amor bondade para outros seres vivos. Diga a si mesmo: ‘Todos seres vivos, não importa quem sejam, não importa o que lhe tenham feito no passado – que todos eles também encontrem a verdadeira felicidade.’ Se você não cultivar esse pensamento, e ao invés disso, trazer rancores para a sua meditação, isso é tudo que você será capaz de ver quando olhar internamente.
Somente quando você tiver limpado a sua mente desta forma, e tendo colocado os assuntos externos de lado, você estará pronto para focar na respiração. Traga a sua atenção para a sensação da respiração. Inspire e expire longamente por algumas vezes, focando em qualquer ponto do corpo em que a respiração seja notada facilmente, e que a sua mente se sinta confortável. Pode ser no nariz, no peito, no abdômen, ou qualquer outro ponto. Permaneça com esse ponto, observando a sensação que é produzida pela inspiração e pela expiração. Não force a respiração, ou pressione o seu foco de maneira muito intensa. Permita que a respiração flua naturalmente, e simplesmente fique de olho na sensação. Saboreie a sensação, como se ela fosse algo especial que você queira prolongar. Se a sua mente divagar, simplesmente traga-a de volta. Não fique desencorajado. Se ela divagar 100 vezes, traga-a de volta 100 vezes. Mostre-lhe que a sua intenção é séria, e eventualmente ela cederá.
Se você quiser, pode experimentar com diferentes tipos de respiração. Se a respiração longa é confortável, permaneça com ela. Se não é, mude para qualquer ritmo que lhe pareça tranqüilizador para o corpo. Você pode tentar a respiração curta, respiração rápida, respiração lenta, respiração profunda, respiração superficial - qualquer uma que lhe pareça mais confortável exatamente agora...
Uma vez que a respiração esteja confortável no ponto que você escolheu, mova a sua atenção para observar como a respiração é sentida em outras partes do corpo. Comece focando na área imediatamente abaixo do umbigo. Inspire e expire, e observe a sensação naquela área. Se você não perceber nenhum movimento, simplesmente esteja consciente do fato de que não existe movimento. Se você sentir movimento, observe a característica do movimento, para ver se a respiração é sentida de maneira não uniforme, ou se existe alguma tensão ou firmeza. Se houver tensão, pense em relaxá-la. Se a respiração for sentida de forma irregular, pense em tranquilizá-la ... Agora mova a sua atenção para a direita desse ponto – para a parte inferior direita do abdômen – e repita o mesmo processo ... Então para a parte inferior esquerda do abdômen ... Então para cima para o umbigo ... direita ... esquerda ... para o plexo solar ... direita ... esquerda ... o meio do peito ... direita ... esquerda ... a base da garganta ... direita ... esquerda ... para o meio da cabeça ... (tome alguns minutos para cada ponto).
Se vocês estivessem meditando em casa poderiam continuar este processo por todo o corpo – pela cabeça, pelas costas, pelos braços e pernas até a ponta dos dedos das mãos e dos pés – porém como nosso tempo é limitado, eu lhes pedirei que retornem o seu foco para qualquer um dos pontos anteriores. Deixe que a sua atenção se estabeleça confortavelmente nesse ponto, e então deixe que a sua atenção se espalhe para preencher todo o corpo, da cabeça até a ponta dos pés, tal como se você fosse uma aranha sentada no meio da teia. Ela está sentada em um ponto porem sensível a toda a teia. Mantenha a sua atenção expandida dessa forma – você tem que fazer um certo esforço, pois a tendência será de contrair-se a um ponto somente – e pense a respeito da respiração entrando e saindo de todo o seu corpo, através de cada poro. Deixe a sua atenção simplesmente permanecer assim durante algum tempo – você não precisa ir a nenhum outro lugar, não há mais nada acerca do que pensar...E depois suavemente saia da meditação.



Nota: De uma palestra proferida em uma conferência sobre AIDS, HIV e outras desordens do sistema imunológico em Long Beach, CA, 13 Nov. 1993


Revisado: 3 Fevereiro 2007
Copyright © 2000 - 2010, Acesso ao Insight - Michael Beisert: editor, Flávio Maia: designer.

domingo, 16 de setembro de 2012

Porque há tantos tipos distintos de Budismo?


Há muitos diferentes tipos de açúcar: mascavo, branco, granulado, em pedra, xarope e cristalizado, mas todos são açúcar e todos têm o mesmo sabor doce. Diferentes formas são produzidas para atender as diferentes necessidades de uso. Com o Budismo ocorre o mesmo. Há o Theravada, Zen, Terra Pura e Vajrayana, mas todos são Budismo e todos têm o mesmo sabor – o sabor da liberdade. O Budismo evoluiu para formatos distintos para ser relevante para as distintas culturas nas quais ele se estabeleceu. O Budismo foi re-interpretado ao longo dos séculos para continuar relevante para as novas gerações. Externamente, os distintos tipos de Budismo podem parecer muito diferentes, mas no núcleo de cada um encontram-se as quatro nobres verdades e o caminho óctuplo.

Extraído do livro “Good Question, Good Answer” escrito pelo Ven. Shravasti Dhammika, essa tradução foi feita por Michael Beisert e o texto na íntegra pode ser encontrado no site www.acessoaoinsight.net.

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Amor-bondade

Karaniya Metta Sutta


Quem é hábil no que é benéfico, desejando alcançar
aquele estado de paz, age assim:
capaz, correto, honrado,
com a linguagem nobre, gentil e sem arrogância,

Satisfeito e fácil de sustentar,
sem ser exigente por natureza, frugal no seu modo de vida,
os sentidos acalmados, sábio,
moderado, sem cobiçar ganhos.

Não faz nada, mesmo que trivial,
que seja condenado pelos sábios.
Pense: felizes, seguros,
que todos os seres tenham os corações plenos de bem-aventurança.

Todos os seres vivos que existem,
fracos ou fortes, sem exceção,
compridos, grandes,
médios, curtos,
sutis, grosseiros,

Visíveis e invisíveis,
próximos e distantes,
nascidos e por nascer:
que todos os seres tenham os corações plenos de bem-aventurança.

Que ninguém engane
ou despreze outrem, em nenhum lugar,
ou devido à raiva ou má vontade
deseje que alguém sofra.

Tal qual uma mãe, colocando em risco a própria vida,
ama e protege o seu filho, o seu único filho,
da mesma forma, abraçando todos os seres,
cultive um coração sem limites.

Com amor bondade para todo o universo,
cultive um coração sem limites:
Acima, abaixo e em toda a volta,
desobstruído, livre da raiva e da má vontade.

Quer seja parado, andando,
sentado, ou deitado,
sempre que estiver desperto,
cultive essa atenção plena:
a isto se denomina uma morada divina
no aqui e agora.

Sem estar aprisionado pelas idéias,
virtuoso e com a visão consumada,
tendo subjugado o desejo pelo prazer sensual,
ele não mais renascerá.

(Disponível no
Acesso ao Insight)