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quinta-feira, 31 de maio de 2018

DHYANA NA CULTURA JUDAICO-CRISTÃ - parte 2


Por Ryokan Hiroshi

[Esse não foi o título original, não houve título, foi apenas uma continuação da palestra anterior. Os títulos e subtítulos foram colocados por este editor e tradutor]

E na nossa cultura contemporânea?


A dificuldade de muitos é justamente o aqui agora, ou seja, o meio, o lugar, a contemporaneidade e a cultura. Olhe, você, a partir de agora, não tem que se preocupar com nada disso. Começou a libertação.

Na verdadeira cultura judaico-cristã, por exemplo, Jesus ensinou a mesma coisa. Então agora vemos que ninguém prestou muita atenção nisso. Jesus insistiu na vigilância constante, Paulo insistiu na importância disso. Não temos problema algum com o ensinamento de Jesus, que sendo desperto completamente deu o ensinamento para quem o aceite e então cumpra isso (não desconsiderando os outros aspectos de seu ensinamento, é claro). Não existe o obstáculo que estão vendo, qualquer cultura, qualquer atividade, qualquer estado de consciência humano normal, comum, pode cultivar atenção e consciência, e pode, cultivar dhyana.

Muita gente tem problemas por estar praticando errado ou ensinando errado ou ouviu alguém ensinando errado. Uma coisa centrada no "eu estou observando" ou pior "eu estou no controle", sem comentários, muito ruim, muito ruim. Muito relaxado também é problema. Evocando a consciência biológica também é ruim. Atiçando o ego, ou a si mesmo, isso é o instinto de sobrevivência, que vai causar aflição, ansiedade, tensão, se fosse assim poderiam fazer ativando a consciência com alguma droga ou cafeína ou chá por exemplo [(chá verde)]. Restringindo só ao aqui agora também é errado... Tem muito mais jeitos errados do que certos.

A influência da cultura, das opiniões e das tradições sobre a prática


A cultura de outros elementos completamente fora de qualquer religião, mas tidos como religião é que é um problema. Vou falar o tema da cultura aqui. Veja que no budismo é muito pior para se determinar o que é budismo e em que se fundamenta. Nós temos uma posição, mas existem muitas outras. No cristianismo existem dois lados bem distintos. Num temos a tradição como fundamento, assim, católicos, ortodoxos e a maioria das igrejas do oriente que no geral dizem que a religião é determinada pelo que diz a tradição, a igreja, seus representantes maiores; no outro lado temos conservadores, protestantes, batistas e evangélicos em geral que fundamentam a religião nas escrituras. Uns nem gostam da palavra religião, mas chamam de outras coisas como evangelho, boa nova, palavra de Deus. Eles não gostam de ser chamados de religiosos.

No budismo já foi assim também. Mas isso se perdeu. Hoje tem budistas brigando pelo direito de dizer que budismo é uma religião, não uma filosofia, não uma psicologia, etc. (eles devem ter muita raiva de nós). Alguns budistas falam que Buda não ensinou budismo, mas simplesmente o dharma, o ensinamento. Uns vão mais longe e dizem que budismo é uma invenção dos seguidores. A primeira visão é certa sem dúvida, a segunda vai depender do modo como a pessoa encare o ensinamento e de que lado está (se é praticante ou não do dharma ou parte dele).

Mas qual é a dificuldade que é maior no budismo? Ninguém define em que se fundamenta essa "religião", uns dizem que é na tradição, a grande maioria; outros dizem que é nos suttas e na tradição oral; outros que é só nos sutras; outros que é nos sutras e na tradição; outros que é só em certos sutras, ou numa certa coleção de sutras, ou só no Sutra do Lótus; outros que é só na tradição oral via linhagem, outros dizem que é na tradição oral, mas que tal linhagem não existe e não é necessária; outros que é a realização de seus mestres ou patriarcas, suas experiências ou o que é passado delas numa linhagem ininterrupta; outros dizem que os sutras até são importante, mas os tantras são os ensinamentos superiores; outros que só o que foi passado oralmente entre altos iniciados é o que determina; outros falam em giros da roda e que só o terceiro giro é o que o budismo é de fato, etc. etc.. Veja que são muitas visões diferentes para nossas cabecinhas ocidentais. É complicado demais.

Mas não era assim. Lá no Japão temos algumas escolas que abraçam algumas dessas visões, mas hoje existe a tendência de receber de alguém toda uma educação e então fundar sua própria escola; e outra que já existia que está forte agora de tentar restaurar um budismo puro, inicial, ou de algum ponto da história onde se considerou puro. E existem pessoas como nós, que depois de aprendizado longo numa escola ou de passar por várias escolas considera que nada disso existia antes, mas o simples "ide" do Buda. Às vezes a pessoa tinha passado relativamente bem pouco tempo recebendo ensinamento e Buda já os enviava, ou para a floresta, ou para ensinar. Isto aconteceu. Não existe nada errado em nenhuma dessas posições porque todos tem essa liberdade, mas é errado dizer que os outros estão errados, pois no tempo do Buda não existiam essas coisas.

Então vejam o quanto a questão cultura e rótulos é prejudicial. Muitas escolas seccionaram o ensinamento e definiram arbitrariamente o que era ou não palavras atribuídas a Buda e quais eram os ensinamentos. Então cultura, meus amigos do dharma, é uma criação que vai se tornando quase autônoma e engolindo seus expoentes. É algo muito prejudicial crer em algo assim, "defendemos nossa cultura, nossas raízes", porque o importante é que defendamos a verdade e se não sabemos vamos procurar, não porque alguma coisa é linda ou foi transmitido por nossos ancestrais. Eu sei bem como é isso, e isso dá base a qualquer coisa, qualquer coisa que se diga tradição, que passou por uma linhagem secreta ou que foi preservada numa caverna. Nada disso é selo de verdade, nem antiguidade, nem tradição, nem número de pessoas, nem estética, nada, nada disso atesta nada.

É muito prejudicial existirem tantos rituais que não geram uma experiência sequer de dhyana, nem um lapso, ou que a pessoa sente por anos e não atinja nada. Está cometendo um erro. Está fazendo como Bodhidharma antes de se libertar desse fardo cultural e da tradição. Sentar horas em meditação numa atitude mental errada é apenas prejudicial e perda de tempo. Treinou o erro. Depois falaremos maneiras boas de fazer isso da maneira produtiva. Mas o mais importante é fazer isso que falei nos outros momentos. É o cotidiano, não são as viagens e encontros e retiros, tudo isso é distração, pouco proveito se auto impressionar atoa. O importante é a atitude diante de tudo. Você está consciente aqui agora? Você está comigo?

Você quer mesmo saber a verdade?


Assim veja que não existe uma cultura dhyana, mas uma cultura dhyana é praticamente tudo que há em comum e verdadeiro ou que restou em todas as escolas que podem ser ditas budistas. Porque nem as quatro nobres verdades são um consenso mais. Algumas escolas falam que isso foi só para os discípulos iniciais ou os menos capazes. Outras dizem que a base é só o caminho óctuplo; outros que só os paramitas... Só sobrou dhyana. Será mesmo? Alguma escolas centram em preces, recitações, mantras, invocações e já dispensaram a prática direta para chegar em dhyana. Então não é uma certeza que restou. Elas buscam dhyana por outros artifícios e são tantos artifícios que já esqueceram o que estão procurando. Talvez fosse melhor mudarem de ramo, trabalharem com folclore e turismo, não digo isso como ofensa, digo isso como para vocês e outros um aviso. Digo aqui entre nós.

Mas se chegar até eles que seja para um bem, um lembrete que fica mais bem gravado se for assim espinhoso, para que lembrem do que realmente estão buscando e se estão mesmo fazendo isso ou querendo ter uma vida prazerosa e divertida cheia de exotismo, escorado no que deveria ser uma terapia justamente para nos mostrar as ilusões dessa coisas, dos ritualismos, das asceses, da dependência de mestres, títulos, crenças supersticiosas, iniciações místicas e autorizações. Ou por outro lado fuga, indiferença, irresponsabilidade, ou acensão profissional, careira, sucesso, dinheiro, sim tem gente que usa o budismo dessa forma, para ajudar nessas coisas.

Quero que reflitam todos isso pessoalmente. Porque muitos se fascinaram com a ideia do ocidente de religião e pensaram "nós temos que fazer o mesmo" e esqueceram seu objetivo. Eu pergunto se pessoalmente não estamos fazendo o mesmo ao contrário, fascinados com as coisas do oriente, escolhendo essa prática por sua estética, pela cultura oriental, ou para relaxar, ou esquecer dos problemas. Grande obstáculo. Se for por razões desse tipo temos um grande obstáculo. karma ruim. Deveríamos adicionar esse caminho em nossa vida se visamos nos libertar de ilusões, medos, incertezas ou simplesmente por razão nenhuma, seria muito melhor do que os outros daquele tipo "cultural". Deveríamos escolher esse caminho para vermos alguma verdade. Você quer mesmo saber da verdade?

E dhyana tem a ver com isso, é isso, é uma visão, da verdade.

A posição da nossa escola


Qual é a posição da escola dhyana? É nenhuma das anteriores, nenhuma dessas apresentadas e um pouco de cada uma. Dhyana é uma espécie de restauracionismo (eu já sei que "restauracionismo" aqui significa outra coisa em matéria de religião, mas eu digo no sentido da palavra) que remete à tradição oral principalmente, até negando em alguns casos a autenticidade de muitas escrituras, inclusive sua necessidade, sua datação (mas o conteúdo é bem mais importante que a datação, e provavelmente anterior à escritura, em sua forma oral). Ela parece depender da realização ou da experiência de "mestres", mas não é o caso. Definitivamente.

Ela depende de ter de fato aprendido a praticar chegando a resultados, a ensinar e a ter em mente os princípios, depois do estudo e experiência por um tempo razoável, como sete, oito anos.

Ela só depende do ide de Buda. Buda mandou seus discípulos ensinarem, não apenas os arhats, não apenas os bodhisatvas, não apenas os budas, não apenas os monges, mas todos os discípulos que receberam de fato seu ensinamento. Assim independe totalmente da tradição, linhagem, escrituras, realizações, cargos, qualquer um que aprendeu a essência do dhyana, na teoria e na prática deve ensinar.

E nós ensinamos isso, o ensinamento, o dharma, não uma religião, não uma tradição, não é uma linhagem, não são livros sagrados... Nós ensinamos dhyana depois de termos dedicado pelo menos cinco anos de vida ao estudo e prática diária e de instante a instante. Dez anos é um bom tempo.

Hoje gostam de dizer mestres, professores e até gurus. Você já viu alguém dizer "mestre Bodhidharama"?  Os nomes ajudam, mas também atrapalham.

A escola dhyana histórica teve suas características que tentamos preservar na vida cotidiana de pessoas comuns. Hoje conserva o fundamento e a prática que o comprova. Nós que derivamos da escola dhyana histórica e do que foi preservado por outras escolas como zen, tendai, theravada... Para nós o fundamento, que foi passado junto com outros elementos pela tradição oral, que foi registrado embora não com estrita exatidão e pureza em sutras. É o que se enconta em escrituras inclusive, e alguns tratados registram também elementos e análise desse dharma.

Não é perfeito, não é satisfatório, não é como num conto fabuloso, mas é o que temos. Temos que ser verdadeiros e realistas. É o que restou da corrupção das eras previstas pelo Buda (Na qual estaríamos agora vivendo o terceiro período, da sombra do dharma, ou como alguns mais "otimistas" dizem, o segundo, do reflexo do dharma).

Esses são o dhyana. [(Esses elementos)]. O caminho, os paramistas, as características da existência, os três fundamentos dana, sila, bhavana, o caminho óctuplo, entre outros e finalmente o incondicionado. E isto, estes são os mais importantes, são os fundamentos da escola dhyana, e dhyana é também o fundamento de toda ela.

PERGUNTAS


P. É intrigante essa visão de não religião e de terapia. Isto está em conformidade com a época do Buda, era assim, já que você tenta resgatar um budismo primitivo?

R.Não sabemos. Não totalmente. Mas nem há como saber também. Não estamos dizendo que isto é tudo ou que era assim antes. Essa é nossa visão. Não conhecemos poderes de voltar no tempo e ver como foi. Não damos garantias douradas como muitas escolas. Mais pé no chão como diz. A base é que falamos do que parece ser certo e garantido, outras coisas, se tiver dúvida, preferimos ver sem dar certezas que não temos ou como costume, como tradição, adição, erro de tradução, etc.. Mas o que é certo é o que vemos e temos experimentado. Então não é uma promessas de uma libertação futura ou de um Nirvana longínquo e difícil de ser alcançado, mas de uma libertação dia a dia, de um Nirvana cotidiano onde vamos penetrando e nos familiarizando cada vez mais com ele. É isso que importa, não teorias e certezas sobre o passado.

P. Você falou em Jesus e que ele ensinou isso. Jesus é um buda?

R. Sim.

P. Então Jesus não ensinou outra religião, bem diferente do budismo?

R. Deixe continuar a primeira pergunta sua que vai clarear. Na nossa visão Jesus é um buda, porque buda é desperto, Jesus é desperto, Jesus viveu desperto. Mas isso pode não ser muito simpático para cristão. Então é delicado. Tem que ser sensível se deve dizer isso.

Respondendo a segunda pergunta a primeira clareia. Primeiro buda não ensinou uma religião. Porque ele não explicou que ou se nós saímos de Nirvana, e então devemos RE-tornar para lá. Ele não explica hora nenhuma a origem de nossa consciência, só dessa consciência limitada e condicionada que vem com o que se chama doze elos. Só diz que existe um anterior consciente. Segundo eu não sei se Jesus ensinou uma religião. O caso é diferente. Buda ensina uma terapia, para agora. Jesus fez algo para proporcionar a salvação da vida eterna, ele não disse "deixe de ser judeu e seja cristão". Nirvana é eterno? É, o fim do sofrimento é eterno. Talvez seja a mesma coisa no final. Mas não é esse o ponto. O meu ponto é que Buda ensina uma prática em que você pode conseguir algo ou não, um fruto completo ou não. Que não acho possível hoje esse fruto completo. Jesus ensina um caminho que você pode conseguir ou não, um fruto que você pode ter completo ou não. Mas ele é quem salva, ele é quem faz o trabalho. É diferente. Buda como um pai que conduz. Jesus é o pai que ele mesmo leva os filhos. Buda não salva, Jesus salva. Buda ensina exercícios, Jesus não ensina exercícios. Você pode complementar em sua mente um com o outro, mas não podemos fazer uma leitura assim de um pela visão do outro sem arriscar a estar errando ou até ofendendo.

P. Perdão, eu não entendi. É muito estranho tudo isso. Como assim? Vocês creem que Jesus seja salvador?

R. Sim. Tentarei por de forma simples, já que estou tratando de uma terapia universal dentro da chamada cultura cristã. Não existem judeus messiânicos? Eles aceitam Jesus como salvador, mas mantêm seus costumes judaicos, sua higiene mental, etc.. Aqui nessa ordem, por exemplo, existem pessoas que são budistas cristãos. Eles aceitam Jesus e a bíblia, mas mantêm seus costumes e práticas budistas. Também existe muito mais o contrário, Cristãos que se utilizam de práticas budistas, de sua higiene mental, etc.. É simples.

Não é por você sentar num café, no Café Mestiço, na Avenida Paulista, todo dia, que você vai virar um paulista. Vão falar com você e ouvir seu sotaque nordestino. O que estou dizendo é que nem Jesus nem Buda nunca disseram "rapaz, você tem que mudar de religião". Buda ensinou práticas para atingir certas coisas, Jesus veio salvar todos que o aceitam como senhor e salvador e se arrependem do caminho do pecado. Ambos ensinam o arrependimento como meio, por exemplo. Mas Jesus veio pagar nossas dívidas impagáveis e Buda nos ensinar a se libertar do sofrimento. É bem diferente. Não podemos dizer que os dois ensinam a mesma coisa embora hajam pontos em comum. Mas assim como os judeus viviam sob uma lei, Buda também ensinou uma lei e as pessoas viviam sob essa lei (a qual ele dispensou no dia de sua morte). Nós também não nos intrometemos nas religiões de outros para mostrar como são segundo a nossa visão. Mas podemos até conversar dentro de limites como estamos falando agora. O fato sobre dhyana é os dois ensinaram, aí tudo bem. Mas talvez Jesus tenha ensinado um dhyana para a vida cotidiana, centrada, na lembrança dele e de seu ensinamento até a morte e ir para o céu então lá sim você será despertado e glorificado. Enquanto que se você quer ver as coisas como realmente são antes de morrer o dhyana de Buda pode ajudar para isso.

P. Parece muito frio. Só isso?

R. Dizem que os de origem lá da ilha do extremo oriente são frios (rizadas). Mas brasileiros tem sangue quente. Talvez a cultura tenha fantasiado e colorido demais, esse é o problema. As viagens nova era, místicos, espíritas, ocultistas, talvez exageraram um pouco, um pouquinho. Criando abismos entre o que estava mais próximo e plano. Perguntas sobre o tema?

P. Eu não entendi a relação consciência-apenas com um salvador, como Amida no budismo shin ou terra-pura, no caso aqui Jesus. Você poderia explicar melhor?

R. Claro. É muito simples. Estamos diante de duas doutrinas em que seus membros dizem "somos todos um". A diferença é que aqui no ocidente quando se diz todos se refere a todo mundo. No oriente geralmente se refere aos da mesma filosofia, no cristianismo se refere aos crentes, pois eles têm que aceitar o sacrifício de Jesus para ser um com Jesus, certo? Então como você pode me dizer que um não pode se sacrificar pelo outro? Como você pode me falar de pagar karma individual se na realidade somos todos um? Quando saímos dessa ilusão, estamos livres do Karma. Então a explicação é essa, na realidade temos uma só mente, falta você reconhecer isso. Cittamatra, consciência apenas é geralmente traduzida aqui como mente única, que também é tradução correta. Então todos temos dívidas impagáveis certo? Mas vem um que não tem dívida alguma e paga nossa dívida. O que acontece? A dívida foi paga. É pena que alguns não aceitem e queiram devolver o sacrifício, "oh, eu não preciso dele, pagarei minha dívida eu mesmo ao longo de vidas e vidas". Isto é escolha.

Assim é a salvação de Jesus. Amida é um modelo disso, mas sendo que se tornou, e fez um paraíso onde você vai aprender e ser liberto depois, o que Buda disse com a história de Amida no passado foi o que está acontecendo hoje: seu karma, sua dívida é impagável, você precisa de um salvador. Ora, sua mente é minha mente, a dívida foi paga quanto mais cedo eu aceitar isso, mais cedo esse pagamento vem para minha mente, eu sofro com Jesus, eu morro com ele, eu ressuscito com ele, sua memória é a minha memória, sua mente é a minha mente, sua consciência é a minha consciência, estou salvo... deu para entender?

P. Sim. Esplêndido! Muito obrigada.

P. Você falou de barreira cultural e de superar. Acredita que é possível para todos superar barreiras culturais e entender ou aceitar tudo isso?

R. Sim e sim. Eu vim hoje falar justamente que a barreira cultural não existe, é uma ilusão. Foram as pessoas iludidas que criaram mais e mais "barreiras culturais", como rituais paramentados e caros que duram horas a fio e você não vê nenhum buda sair no final, a pessoa não despertou nenhum pouquinho, está é cansada e sonolenta, esgotada. Tirando essas coisas fora, essas capas, não existe barreira cultural, a instrução é simples, o entendimento é simples. Mas atingir a real compreensão e vivência pode levar tempo. Acabo de mostrar esses dias que não existe [conta nos dedos], 1) a cultura que se atribui existir nesse país, (2) que a que existe, ela não é uma barreira, (3) que não existe incompatibilidade entre cristianismo e dhyana, (4) que tudo é questão de linguagem e consciência, (5) que a prática de dhyana quebra a barreira da linguagem, se ela existir.

Vocês menosprezam a capacidade de suas mentes mente porque desconhecem, é tudo questão de uso e desuso, tudo questão de exercício. Suas mentes tem uma capacidade enorme inexplorada e pouco usada. A consciência é infinita, mas as pessoas estão sempre limitando ela com um conhecimentozinho, um entendimentozinho, um ... né? Não, isso é auto identificação com uma parte muito pequena da mente. Amor a características, aparências; apego, à ilusão do eu e de sua auto preservação. A preocupação constante em perdê-lo. A barreira cultural não existe para nenhum dos ensinamentos que citei aqui. Mas para superar qualquer aparente barreira cultural só temos que superar a barrira da linguagem. Isso se supera pelo estudo por um lado e por dhyana por outro, porque dhyana você olha antes do nome, na realidade das coisas na consciência. Nomes e títulos podem ser barreiras. Aqui está a cura para essa limitação, dhyana.

P. O senhor fala de uma visão, epistemologicamente falando, sobre uma certeza, de conhecer uma realidade como realmente as coisas são e fala de uma realidade condicionada que se manifesta num fluxo de consciência que nega ser uma visão solipsista. Poderia esclarecer mais sobre este tipo de conhecimento ou conhecimento e o que nos garante ou dá essa certeza que essa realidade que vemos e acreditamos ser real é distorcida, e que essa outra que veremos é que é real, em suma, o que nos dá essa certeza, de que esse conhecimento é seguro?

R. Boa pergunta. Ótima. Queria poder responder assim com esse resumo final que perguntou "o que nos da essa certeza?". Começarei por ela, mas as outras são perguntas diferentes concorda? Bem se você for criterioso, nada [nos dá essa certeza]. Nada pode proporcionar certeza. Buda fala de convicção. Essa convicção é dada pela relação experiência-ensinamento, o que é só um ou outro não dá certeza, só quando formos todos budas. Convicção aqui é uma sensação que temos na experiência mais uma convicção no ensinamento, ou seja, por um lado é questão de fé, de confiança n que foi ensinado. Mas isto é um assunto logo e não tem tanta importância para sua questão. Como falei no início a primeira coisa que temos que ver é que estamos imersos, influenciados por uma cultura e que essa cultura é que nos dá uma noção do que é a realidade. Mas essa noção pode estar completamente errada, como mostrei, até a noção de que cultura é a que estamos imersos está errada, é um auto-engano, uma ilusão.

As pessoas não tentam seguir os mandamentos ou o que a bíblia diz, quase todos falam palavrões, contam mentirinhas e até cometem pequenos delitos de vez em quando, e aprecia a maioria dos elementos dessa cultura que são em sua enorme maioria contrários aos princípios judaicos e cristãos e acreditam que vivem numa cultura judaico-cristã, alguns até se dizem oprimidos pela cultura judaico cristã. Temos que perguntar em que mundo esta pessoa está vivendo ou qual o problema mental que ela está tendo, claro que indiretamente e de forma bem delicada, pois precisam de ajuda. Opressão cultural era o que acontecia no período feudal por exemplo, seja na Europa antes, ou no Japão, ou no quase recente Tibet.

Pois bem, isso faz parecer que cada um vive em seu mundo particular e compartilha boa parte desse com outros que pensam de modo semelhante. Veja que até aqui é linguagem e visão. Como você vê e como você expressa o que lhe parece. Mas suponha que você confiou no ensinamento de Buda ao ponto de experimentá-lo apenas em certa medida, para ver. Como vai avaliar?

Sua avaliação será dentro de parâmetros. Buda já dá os parâmetros que ele apresenta como os corretos, que você confia porque ele é Buda e vivenciou o que diz. Então essa duas análises casadas vão moldando uma nova visão. Essa visão tem elementos religiosos, por precisar da confiança, mas é com fim terapêutico, Buda vem trazer um remédio, para um problema mental em que todos estão doentes. Quando você faz da medicina uma religião começa a ter problemas, foi isso que aconteceu na história. E não é nem uma coisa só nem outra. Não é uma verdade assim porque sim, porque Buda disse, nem é uma certeza completa e cientificamente comprovada como outros pintam. É um conhecimento com uma certa segurança, mas não é uma pura crença, nem uma total comprovação irrefutável. É um remédio.

Vamos pular tudo e dizer que você agora já é experiente. O que garante que o que estrá vendo ou experimentando seja real, ou não sejam outras ilusões como as que tinha antes ou alucinações? Até certo ponto, é apenas a relação fé-experiência, ou seja, a confiança no Buda e a convicção dada pela experiência, uma só dessas pode levar a caminhos errados.

Vamos pular de novo e dizer que você já está bem avançado. Ainda haverá esses mesmos componentes, mas em número e diversidade maiores. É isso que dá a certeza mais e mais. Mas ainda é   dependente, condicionada. Só quando atingir e permanecer em dhyana muda a categoria de conhecimento. Você vai ver conhecimento e conhecedor como uma coisa só definitivamente. O espírito saberá completamente as coisas do espírito como disse Paulo. Ou seja você vê diretamente que tudo é consciência o tempo todo sem decair. Aí mudou. Isso a rigor é no paranirvana, depois da morte dessas formas aparentes e desse mundo ilusório. Isso é entrar em Nirvana.

A segurança epistemológica é uma só do principio ao fim: a consciência e que tudo que se conhece é nela. Só que no começo é restrito ao redor e a seus conhecimentos e você entra nesse estado e volta. Depois segue gradativamente, transcendendo esse limite de lugar, de tempo e de apenas seu conhecimento, até que tem todos os conhecimentos possíveis, bastando para isso intencionar com sua mente conhecê-los. Essa é a descrião psicológica dada por Buda.

P. O senhor já atingiu a iluminação?

R. Sim e não, isto é, às vezes.

Não existe na realidade atingir a iluminação. Todos já somos budas agora, mas não somos nessa consciência limitada. Somos budas já quando estamos em espírito, ou seja, na consciência pura. Mas isso é diferente de Nirvana. Nirvana é quando não há mais separação entre a consciência plena e a consciência individual, quando "tendo deixado de lado toda cobiça e aversão desse mundo, plenamente atento, plenamente consciente, penetrarmos em Dhyana", há acesso, e união, à plenitude da consciência, você não deixa de ser um indivíduo, mas sua consciência é plena, não há limite, não há separação, no mais, já sabe que não é possível descrever "né"?

A diferença das escolas dhyana e descendentes das outras é que você experimenta isso agora, não no futuro somente, você é cada vez mais prático em ser buda, você penetra gradativamente cada vez mais em Nirvana desde a primeira vez que senta. Você conhece a iluminação aos poucos, todo dia, vai se acostumando a ser um buda...

P. É como Jesus e o Espírito Santo?

R. Sim. Mas o cristão consegue isso bem mais fácil, só que geralmente não está consciente disso. Os budistas a princípio conseguem raramente, por pouco tempo e com dificuldade, mas geralmente consciente disso.

P. São complementares?

R. Para muitos sim.

P. Seu nome é um nome de mestre ou de iniciado?

R. Não, é próprio. Não usamos o título de mestres. O que é iniciado eu não sei, talvez os irmãos aqui da ordem possam falar melhor sobre isso.

P. A posição da escola a que se refere é um consenso geral ou há algum mestre ou líder? Nós de outras religiões podemos mudar de religião e seguir sua escola?

R. Não e não e pergunta complicada. Boas perguntas.

Não existe consenso geral na escola, cada um é livre desde que mantenham os fundamentos da extinta escola dhyana, se existe um consenso é este, mas nem chega a ser um consenso ou fruto, já que existiu há centenas de anos dessa forma. Nós apenas escolhemos essa forma.

Então não existe um líder, um chefe geral. As pessoas se reúnem periodicamente e compartilham estudos, pesquisas, experiências, histórias e se despedem. Não há o que ser decido ou mudado, organização, votações. Existe uma assembleia ou um conselho que se reúne quando a escola volta à ativa, em alguma momento da história. No caso meu, essa escola pesquisou e preservou esses ensinamentos e práticas e eu os encontrei, escolhi e adotei. Bem simples. Bem mais que outras escolas pelas quais passei.

"Nós de outras religiões podemos mudar de religião e seguir sua escola?" Não. Como expliquei eu não considero como uma religião, não é uma religião, embora alguns tenham a liberdade de considerar. Também disse que não tinha que mudar de religião, frisei bastante que Buda não disse "vai ter que mudar de religião". Você segue a escola como alguém que vai ao psicólogo ou a um curso, sobre algumas matérias para o seu próprio bem viver; não existem monastérios, cultos, estátuas, rituais, roupas, ornamentos... nenhuma característica de religiosidade, é exatamente como no tempo de Buda, pessoas que se encontravam, fala e práticas, só, mais nada. Se não existem mais regras monásticas, também não podem existir monges. Espero ter esclarecido bem isso...

Não havendo mais perguntas.

Que todos tenham uma boa noite, estou muito grato pela atenção, perguntas e tudo mais.

Gasshô



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