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quarta-feira, 6 de junho de 2018

UM DISCURSO INSPIRADOR


De Ryokan Hiroshi


Um dos temas que fui mais chamado para apresentar foi sobre como conciliar a meditação no mundo conturbado de hoje. Eu recuso muitas vezes esse tema. Porque esse tema não existe, é totalmente falso, como se diz... falacioso.

Que mundo conturbado? Você tem tudo em suas mãos, você tem tempo. Você abre a torneira e sai água. A um século atrás não era tão fácil. Quando você lê a vida nos mosteiros, tinha que buscar água longe ou cavar um poço, se tivesse água ali. Cavalos, bois e carroças são lentos, hoje tem carro, ônibus, bicicleta, avião. Pense nas cidades na idade média, a dificuldade de se ter os nutrientes. Pense na ilha [(Japão)] depois da bomba. Ou antes também, tudo dependia do mar, dos peixes, das baleias, pouco nutriente na agricultura. Pense na China ou Vietnã quando quase tudo era apenas plantação de arroz, e os quilômetros de caminhada atravessando aqueles charcos para ouvir um monge, muitas vezes ignorante, mas era um tesouro raro, hoje você a internet, tudo na mão. 

Reflita sobre isso cada vez que lavar as mãos. Como isso foi difícil por milênios. Tudo era mais trabalhoso, levava muito mais tempo. Quando você lê a Torah, imagine aquelas pessoas ali no deserto, tinham que procurar um oásis, uma terra fértil, ter gado, não tinha caça, não tinha madeira, não tinha chuva! E tinha uma lei que mandava lavar as mãos antes das refeições. Sim precisava uma lei, porque era difícil, e imagine se todo mundo, que comia com a mão, não lavasse e um ficava doente, e lavava a mão ali na bacia, outro pegava, e outro. Hoje: torneira, detergente, álcool gel. O povo de hoje é muito mole, muito vítima, muito desejo.

Onde está o mundo conturbado? 

Onde está o mundo conturbado? Eu digo, na mente, a mente nunca está satisfeita, está sempre inventando problemas, sempre vendo problemas. Quando você pára e faz cinco minutos de "meditação andando" você vê que está em paz, que nenhum daqueles problemas que pensava ter está presente ali, naquele momento. Por isso entendo que as pessoas peçam que eu ensine a meditar no mundo conturbado. Por isso estou falando aqui tanto desse tema da cultura, pois vocês foram capturados por ela na teia, e colocaram a lente dela nos seus olhos, e convenceram que você está sendo injustiçado e que tem lutar para conseguir, lutar, lutar e lutar. E dhyana é o contrário disso. "Eu larguei o fardo"...

Quando Buda diz isso é no momento que descreve a iluminação. Mas você não quer entender a linguagem. Você só quer enquadrar nessa linguagem que você é condicionado. Quando Buda diz isso ele está dizendo que a primeira coisa que precisa fazer é largar o fardo. Se não não entra no caminho. Porque se não não entra em Nirvana. Quer entrar em Nirvana hoje mesmo? Largue o fardo! 

Isso é para ser feito agora, para entrar na iluminação, pisar o pé dentro do clarão.

"Combati o bom combate, acabei a carreira, guardei a fé". Quando Paulo diz isso está no fim da caminhada. Mas de novo a linguagem. Entenda, foi aí que ele entendeu (?). Combati, passado, ele esteve combatendo o mal nele, não lutando com os outros, não lutando para obter seus direitos, seus bens, seu sucesso. Acabei a carreira, ele acabou para você, para que você veja, você tem que acabar a carreira hoje, não deixar para amanhã, porque se não o que você quer não faz, e faz aquilo que não quer, exatamente como Paulo no início, a luta boa só é uma, o bom combate, outros são maus, e o bom combate é o de dentro, da purificação (a palavra que incomoda). 

Guardei a fé. Largou o resto, largou o fardo, guardou a fé. A fé é tão importante, e mais importante, que qualquer pouquinho dela faz grandes coisas para a eternidade. No sutra do Lótus está escrito que se mesmo uma criança brincando de ter fé, despertar por um instante a fé em Buda ela atingirá a iluminação. O que é isso? É o poder da fé. É o que ela faz em você. O que desperta. Significa que se por um momento você quer a transcendência da ilusão, e você crê que existe, que há um desperto, eterno, um despertar, um não sofrer, um confiável e certo... um dia você o alcançará. Mas nem por isso negligencie o necessário, não estou dizendo isso. Mas que mundo conturbado depende totalmente de sua mentalidade isso é um fato. É você, a multidão de pensamentos, sentimentos e reações que criam o mundo conturbado que não existe.

Eu não ensino meditação

Primeiro que mundo conturbado de hoje não existe para você que vem até um professor e senta numa cadeira ou almofada no ar condicionado, que vem com seu carro ou de ônibus ou bicicleta, que lavou as mãos antes de comer, que mora numa casa e consome os nutrientes necessários pro seu dia (também nada garante, você pode ser rico e ter uma doença mortal, tem gente agora só esperando a morte, nesse momento...). Aqui você não está na Síria, no Paquistão, na faixa de Gaza, nem em nenhuma país árabe, nem em nenhum país destruído em guerra, nem sob proibições de onde ir, o que pensar, o que ler e o que aprender como já foi e ainda é em muitos lugares.

Segundo, que eu não ensino meditação. As pessoas estranham que no zen é tudo diferente do resto do budismo. Principalmente quando se conhece o budismo porque ainda tem a linguagem, os termos.

Enquanto outras escolas estão obcecadas com o não-eu o zen fala de verdadeiro eu, o zen fala de Deus, de auto conhecimento, de auto observação de si mesmo e ao mesmo tempo diz "que si mesmo?". O zen é cheio de paradoxos. Eu posso explicar um a um desses depois, mas o maior aparente paradoxo do zen é que não ensina meditação. Sim, tudo isso do zen está na sua origem, dhyana. O zen diz que meditar é pensar, refletir, e até se deixar inspirar por. Fomos nós que dissemos isso.

Dhyana não é pensar nem não pensar, nem parar de pensar, nem suspender o processo do pensamento. Dhyana é estar na posição certa. Que o zen foi muito inteligente em desenvolver isso mais um pouco criando a posição de zazen como símbolo, materialização, no corpo também de uma posição certa. Mas a posição certa principal é na mente. Você desloca do agente para o observador.
Você desloca o agente, mente, para o passivo, consciência.

Significa que você não se identifica com a mente mas com o espírito, a consciência que testemunha como dizem os upanishads. Entrar em dhyana, perdoem a expressão, não é a mente estar atenta observando a própria mente, deixe isso para os psicólogos ou ocultistas. Entrar em dhyana é estar consciente da mente, na consciência, consciente da consciência como diz o theravada, ou seja, da consciência e dos processos que acontecem nela como eles são, isto é, como processos da mente que se nos apresentam à nós, à consciência. Pare de viver na mente.

Quando você senta apenas se dedica um pouco mais a isso, você não senta para meditar, você senta para aquietar tudo, corpo e mente, e poder ver melhor. Não é um ritual religioso, é um procedimento científico, se é que se pode chamar... porque é um método de ficar ciente, de observar e ficar ciente da situação, do que é.

Praticando estar na consciência é tudo, toda a prática. Quando perguntaram a Buda o que os monges praticavam ele respondeu que comiam, cozinhavam, defecavam, sentavam ,levantavam. "Mas isso qualquer um faz!", exclamaram, "qual é a diferença?" A diferença é que ele está consciente que come quando está comendo, consciente que está cozinhando quando cozinha, consciente que está defecando...

Poslúdio

Não entendemos porque mudaram o ensinamento do Buda para outros. O ensinamento é esse. A nova posição de vida é ver que você é consciência, não mente, não corpo, não matéria. Você é espírito, como dizem aqui. O tempo todo. Permanecer assim. E o que é dhyana? São as várias gradações de permanecer nesse estado consciente, até a última que é Nirvana, onde você vê que tudo é consciência e está livre de todas as impurezas e obstáculos e sofrimento. Nisso difere nossa visão da zen.

Eu sei que vocês estão querendo ouvir a palavra satori, e o que ela significa, mas não é uma boa didática agora. Isso mistura idéias de outra escola. No zen há essa mistura. No dhyana não. satori é outra coisa para nós. Quando estiver falando dessas outras coisas falarei de satori.

Portanto, não force a mente a permanecer consciente, a mente tem que aquietar, deixe-a... Você já está consciente agora, tudo que tem que fazer é estar consciente disso, atento, consciente. consciente que está consciente, consciente da consciência, isto é, do que está acontecendo, seja qualquer coisa, como consciência, seja sensação, lembrança, pesamento, sentimento. Quando está assim já é igual a Buda. A diferença está nas gradações do alcance do conhecimento, é algo totalmente diferente, que a maioria não considera, e das sensações, e dos sentimentos. Isso é nosso próximo tema.

Não é bom dizer assim, nas eu já disse certo, aqui uma variação, para quem não entendeu a primeira forma de dizer que usei. As pessoas estão esperando ver outro mundo, diferente, bonito e colorido, acham que ver as coisas como elas são são é ver algo mais em suas próprias mentes... Não, é ver as coisas, essas coisas mesmo inclusive, se você não vê essas coisas como vai ver outro mundo? Não é ilusão, e é ilusão, se você não vê com a consciência é ilusão, é reprodução mental, com sabor, com gosto, com sentimento, tudo que não tem na coisa. Estão procurando outro mundo, mas essas são suas sensações, seu mundo, não tem como sair dele agora, descanse, não vá enlouquecer, isso é desejo por mais, acalme que já tem muito, "menos é mais". Precisa tirar. Essa agitação, é mental...

Mundo conturbado geralmente é a mesmo a desculpa "não tenho tempo". Meditar é a mesma desculpa "estou cansado". Agora essa desculpas não tem mais lugar. Agora não tem desculpa.

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