Com o confucionismo efetivamente marginalizado, budistas e taoístas prosperaram. Havia devotos de três tipos: os espiritualistas, que buscavam o isolamento monástico; os acadêmicos que preferiam as diversões mais sofisticadas da vida urbana e os fiéis das aldeias que se encantavam com a magia, superstições e os benefícios duvidosos da ciência médica e adivinhação.
Uma vez que apenas os filósofos taoístas tinha sido capazes de obter qualquer tipo de domínio sobre a nova metafísica budista, traduções dos sutras eram cada vez mais expressas nas terminologias taoístas, um fato que os intelectuais budistas do norte acharam degradante. Em vez de completar o processo de mistura e desenvolver um híbrido chinês (como fez o Chan do Sul), buscaram purificar a linhagem budista, instituindo um projeto maciço de reescrita. O Budismo ortodoxo não descansou enquanto não construíram um cânone novo, que não havia sido "contaminado" pelo Taoísmo. Infelizmente, o seu desejo de pureza não se estendia às escrituras tântricas budistas, e estas últimas obras imediatamente se tornaram de domínio popular.
A afronta aos filósofos taoístas dificilmente poderia abafar as críticas taoístas à extravagância budista. Taoístas adicionaram, com prazer, as suas vozes ao coro de autoridades civis que clamavam para uma ação contra a falta de disciplina budista.
Em meio à esta massa confusa de teorias e práticas surge uma nova variante: uma síntese budista / taoísta chamada Chan.
Por volta do ano 519 d.C., o príncipe ariano Bodhidharma estava tão desgostoso com a anarquia das escrituras que ele decidiu deixar a Índia (ou Irã, ninguém está realmente certo) para navegar rumo à China para ensinar um novo regime espiritual que estava abeçoadamente "fora do escrituras".
Um sacerdote com habilidades formidáveis para atingir estados profundos de samadhi, mas sem muita disposição ao diálogo, Bodhidharma chegou em Guangzhou (Cantão) como o cavaleiro branco de Lohengrin [Ópera alemã do Século XIX em que um cavaleio surje em um barco puxado por cisnes]: os chineses descrevem-no como sendo transportado por um cisne. Em Guangzhou, onde desembarcou, ou des-cisnou, há nos monastérios murais comemorando sua chegada. Dada a sua barba de ouro-castanho encaracolado e olhos cor de água, assim os chineses deram-lhe a alcunha de "O bárbaro de olhos azuis".
Como diz a lenda, Bodhidharma foi para o norte e se apresentou ao imperador Wu da dinastia Liang, que, sendo um budista dedicado, tinha promovido a causa de sua religião através da construção de muitos templos e mosteiros. O registro de seu diálogo breve se tornaria o núcleo da crença Chan.
Wu: -Eu tenho realizado muitas boas obras. Quanto mérito tem que ganhei para o meu ingresso no Nirvana?
Bodhidharma: -Nenhum.
Wu: -Qual, então, como um budista, deveria ter sido o meu objetivo?
Bodhidharma:-Estar vazio de si mesmo.
Wu: -Quem você pensa que é?
Bodhidharma: -Eu não tenho ideia.
Neste diálogo surpreendente, aprendemos que não há tal coisa como ação meritória ou não-meritória (o bem e o mal são ficções no mundo do fantasma do ego), que o não-Ego é o objetivo da prática budista, e que a natureza de Buda não pode ser apreendida intelectualmente. Para ser iluminado em Chan deve-se experimentar a iluminação.
Por nove anos, Bodhidharma ficou no Monastério Shao Lin, silenciosamente absorvido no universo que se desenrolava na superfície plana de uma parede branca.
Embora ele pudesse ver o infinito em um grão de cálcio, ele não podia ver a inveja e o ressentimento que ele estava causando no Trono Imperial e nos assentos do poder budista. Quem aprovaria um sacerdote que não gosta de debater os sutras? Ou um aristocrata que vivia mais humildemente do que um camponês? Isto era subversão, pura e simples! Sem intelectualidade e um pouco de luxo, o que há de religioso nisto? O bárbaro que estudava uma parede deveria ser vigiado.
Bodhidharma persistiu na tentativa de ensinar sem palavras. Um estudioso chamado Huiko aproximou-se dele várias vezes, pedindo instruções. Mas o Bárbaro de Olhos Azuis o ignorava, até que, em um esforço para demonstrar sua sinceridade e para chamar a atenção do professor, Huiko cortou seu próprio braço, assim o diz a lenda. Ele queria ver o que Bodhidharma viu na parede branca, e, finalmente, ele conseguiu. Com a sua visão da realidade aperfeiçoada, Huiko passou a viver entre os pobres. Sua visão da ilusão não foi tão bem aceita. Sacerdotes e burocratas com ciúmes já estavam planejando sua execução.
Quando Bodhidharma deixou a China e Huiko herdou o manto "patriarcal", o estudioso humilde foi responsabilizado por todos os excessos do budismo tântrico.
História Chan está compreensivelmente confusa neste período triste. O manto de Bodhidharma passou sucessivamente das mãos de Huiko para as mãos de três homens sobre os quais pouco se sabe. Usando seus nomes de estilo antigo romanizado, eles são Seng Ts'an, Tao Hsin, e Hung Jen.
O Terceiro Patriarca Seng Ts'an, diz-se, sofria de lepra. Quando Huiko foi preso e morto, Seng Ts'an passou a viver nas montanhas, mesmo leproso não podia se arriscar cair nas mãos dos reformadores.
Seng Ts'an foi sucedido por Tao Hsin que é mais lembrado como o homem que realmente iniciou o movimento monástico Chan. Com ele os monges deixaram de ser nômades e passaram a ser autossuficientes. Entre a meditação e o trabalho monástico ganhavam a iluminação e evitavam a perseguição. O Quarto Patriarca Tao Hsin foi sucedido por Hung Jen, que não dava atenção ao Sutra de Lótus e o Sutra Lankavatara e dedicava-se ao Prajna Paramita Sutra, o Sutra do Diamante. Hung Jen, inadvertidamente, fez do Chan o que ele é hoje.
Hung Jen tinha se tornado Quinto Patriarca Chan e assim como a Dinastia Tang foi inaugurando Idade de Ouro da China. Foi durante este período do século 7 que três personagens em especial, iriam definir o rumo que o budismo iria seguir na China: Hui Neng, o Sexto Patriarca de acordo com o Chan do Sul; Shen Xiu, Sexto Patriarca de acordo o Chan do Norte, e a temível imperatriz Wu da dinastia Tang.
Para os devotos, Wu estava em uma classe a parte (que mulher!). A Imperatriz, governando nos anos de 690 a 705 d. C., poderia reivindicar para si o título de "Defensora Mais Fervorosa do Budismo". Na verdade, ela ofereceu-se não só como um exemplo de piedade, mas como uma reencarnação real de Guan Yin. O Budismo Ortodoxo do Norte não sobreviveria à Sua Graça.
O Sétimo Mundo do Buddhismo Chan - parte 2 de 4
Capítulo 4: A orgiem das duas Principais Escolas de Chan
http://xuyun.zatma.org/Portuguese/Dharma/Literature/7thWorld/c4p1.html
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