Pesquisar este blog

quarta-feira, 6 de dezembro de 2017

RELAÇÕES HISTÓRICAS DO BUDISMO COM O OCIDENTE

Dificilmente a cultura ocidental, mormente a acadêmica, admite as influências orientais, especialmente quando se trata de religião e filosofia. A prova mais gritante disso é como o ocidente ignora mesmo algumas das origens de seu cristianismo, depreciando ou omitindo as igrejas primitivas do oriente incluído, é claro, as que até hoje permanecem vivas a exemplo da etíope e copta, bem como suas escrituras. Em segundo lugar prevalece a negação das influências orientais no pensamento grego, incluindo a importação de muitas ideias que estes sequer creditaram as fontes mesmo as permaneceram iguais às originais, seja do oriente ou de algum outro lugar próximo.
Com o budismo então não é diferente, a negação ou o desconhecimento de sua influência no ocidente permanece. A simples semelhança, por exemplo, entre ideias de alguns pensadores sequer é tocada por vezes; como a semelhança do pensamento de Heráclito, por exemplo. Não é dizer que sempre haja relação, mas sequer a semelhança clara é admitida por alguns, principalmente em se tratando de ideias bem anteriores que podem ter chegado ao ocidente ao longo do tempo. Mesmo na filosofia mais recente quando autores como Shopenhaeur, Nietsche, Freud e Husserl que sabidamente tiveram contato com textos budistas e hinduístas, pouco caso é dado em se considerar as relações de alguma ideia desses autores com ideias orientais.
Aqui veremos uma das poucas exceções, porém de um estudioso budista, um trecho do livro MANUAL DE BUDISMO do Prof. Roque Enrique Severino (Naljorpa Karma Zopa Norbu), Diretor Fundador da Sociedade Brasileira de Tai Chi Chuan e Cultura Oriental, Diretor Fundador da Kagyu Dag Shang Choling - Jardim do Dharma, que também fez estudos de filosofia oriental antiga, na Faculdade de ensino Livre "San Francisco de Assis" especializando-se na cultura chinesa antiga, o Budismo Chinês e o I Ching. Resumidamente ele apresenta alguns desses aspectos históricos do budismo em relação com o ocidente.

O Mundo Helenístico
Alguns dos Éditos de Asoka revelam o seu esforço em difundir o budismo pelo mundo helenístico, que na época formava um espaço coeso que ia da fronteira da Índia à Grécia. Os Éditos mostram um claro entendimento da organização política do mundo helenístico: os nomes e a localização dos principais monarcas da época são indicados. Os monarcas helenísticos Antíoco II do reino Selêucida, Ptolomeu II Filadelfo do Egito, Antígono Gonatas da Macedónia, Magas de Cirene e Alexandre II de Épiro são apresentados como alvos da mensagem budista. Para além disso, de acordo com as fontes em pali, alguns dos emissários de Asoka era monges budistas de origem grega, o que revela intercâmbios culturais entre as duas culturas. Não se sabe até que ponto estes contatos podem ter sido influentes, mas alguns autores apontam para a existência na época de um certo sincretismo entre o pensamento helenístico e o budismo. É conhecida a existência de comunidades budistas em cidades do mundo helenístico como Alexandria e apontam-se influências do budismo Theravada na ordem dos Therapeutae.
Interacção Greco-Budista (século II a.C. - século I a.C.)
Nas regiões a ocidente do subcontinente indiano existiam reinos gregos na Báctria (norte do
Afeganistão) desde o tempo da conquista deAlexandre Magno em 326 a.C.. Cronologicamente
surgiria primeiro o reino dos Selêucidas e mais tarde o reino greco-bactriano (a partir de 250 a.C.).
O rei greco-bactriano Demétrio I invadiu a Índia até Pataliputra em 180 a.C., tendo estabelecido um
reino indo-greco que duraria em partes do norte da Índia até o século I a.C..
O rei indo-greco Menandro I (rei entre 160-135 a.C.) teria se convertido ao budismo. As moedas deste
rei apresentam a referência "Rei Salvador" em grego e por vezes desenhos da "roda do Dharma". Após
a sua morte, a honra de partilhar os seus restos mortais foi disputada pelas cidades que governou, tendo sido os seus restos colocados em stupas [uma espécie de túmulo usado pelos budistas]. Os sucessores de Menandro inscreveram a fórmula "Seguidor do Dharma" em várias moedas e retrataram-se realizando a mudra vitarka. A interacção entre a cultura helenística e budista pode ter tido alguma influência sobre a evolução do Mahayana, pois esta tradição apresenta uma perspectiva filosófica e um tratamento do Buda como um deus que faz lembrar os deuses gregos. É também por esta altura que surgem as primeiras representações antropomórficas de Buda. Menandro I conhecido como Milindaem sânscrito foi um dos governantes do reino indo-grego, no norte da Índia e no Paquistão dos dias atuais, de 155 ou 150 a 130 a.C. Ele é, historicamente, o primeiro ocidental documentado que se converteu
ao budismo.
Um Renomado Rei Indo-Grego
Os seus territórios cobriam os domínios ocidentais do império grego dividido da Bactria (das áreas
de Oanjsir e Kapisa e estendiam-se até a provínciamoderna do Punjab, no Paquistão), a maior parte
dos estados indianos de Ounjab Himachal Pradesh e a região de Jammu, com tributários difusos no sul e no leste, provavelmente alcançando Mathura. Supõe-se que a sua capital teria sido Sagala, uma cidade bastante próspera no norte do Punjab (no Paquistão) que acredita-se ser Sialkot dos dias atuais, poucos quilômetros a oeste do que é agora a fronteira entre a Índia e o Paquistão.
Ele é um dos poucos reis bactrianos mencionados por autores gregos, entre eles Apolodoro de
Artêmita, citado por Estrabão, que alega que os gregos de Báctria foram conquistadores maiores ainda que Alexandre, o Grande, e que Menandro foi um dos dois reis bactrianos, o outro sendo Demétrio, que mais estenderam o seu poder na Índia:
"Os gregos que fizeram que a Báctria se revoltasse tornaram-se tão poderosos a bem da fertilidade do país que tornaram-se mestres, não só de Ariana, mas também da Índia, como Apolodoro de Artêmita diz: e mais tribos foram subjugadas por eles que por Alexandre-- por Menandro em particular (…), que algumas foram subjugadas por ele pessoalmente e outras por Demétrio, filho de Eutidemo, o rei dos bactrianos; e eles tomaram posse, não só de Patalena, mas também, no resto da costa, do que échamado de reino de Saraostus e Sigerdis." (Estrabão 11.11.1).
Estrabão também sugere que essas conquistas gregas alcançaram a capital Pataliputra, no norte da
Índia (Patna dos dias atuais):
"Aqueles que sucederam Alexandre foram aoGanges e a Pataliputra (Estrabão, 15.698).
Os registros indianos também descrevem ataques gregos a Mathura,Panchala, Saketa e Pataliputra.
Esse é particularmente o caso de algumas menções dainvasão por Patanjali, por volta de 150 a.C., e do Yuga Purana, que descreve eventos históricos indianos em forma de profecia:
"Após ter conquistado Saketa, o país dos panchalas e dos mathuras, os Yayanas (gregos), malvados e valentes, alcançarão Kusumadhvaja. Alcançadas as grossas fortificaçõesde lama em Pataliputra, todas as províncias estarão em desordem, sem dúvida. Enfim, uma grande batalha se seguirá." (GargiSamhita, Yuga Purana, No. 5).
No oeste, Menandro parece ter repelido a invasão da dinastia do usurpador Greco-Bactriano
Eucrátides, consolidando o governo dos reis indos-gregos no norte do sub-continente indiano.
O Milinda Panha dá uma idéia dos seus métodos militares:
"- Já te aconteceu, ó rei, que reis rivais levantassem contra ti como inimigos e oponentes?
-Sim, certamente.
-Então, farás, suponho que fossos sejam escavados, e fortificações levantadas, e torres de
guarda eretas, e fortalezas construídas, e armazéns de comida?
-Não. Tudo isso já fora preparado com antecedência.
-Ou serás treinado no controle de elefantes de guerra, e na habilidade em lidar com cavalos, e
no uso da biga de guerra, e na arte de manobrar arco e flecha e na esgrima?
-Também não. Eu já aprendera isso antes.
-Mas por quê?
-Com o objetivo de precaver-me contra um perigo futuro."
(Milinda Panha, Livro III, Cap. 7).
O seu reinado foi longo e bem-sucedido. Numerosos achados de moedas comprovam a prosperidade e a extensão do seu império (com achados tão longe quanto a Grã-Bretanha): os achados de suas moedas são os mais numerosos e difundidos de todos osreis indos-gregos. Contudo, datas precisas do seu reinado, bem como a sua origem, continuam indefiníveis. Os historiadores supõem que Menandro foi ou o sobrinho ou um ex-general do rei Greco –bactriano Demétrio, mas agora já se pensa que os dois reis distanciam-se por pelo menos trinta anos. O predecessor de Menandro em Punjab parece ter sido o rei Apolodoto.
O império de Menandro sobreviveu, após ele, de uma maneira fragmentada, até o desaparecimento do último rei grego, Strato II, por volta do ano 10.
Menandro foi o primeiro rei indo-grego a introduzira representação de Athena Alkidemos ("Atena,
salvadora do povo") nas suas moedas, provavelmenteem referência a uma estátua semelhante de
Athena Alkidemos em Pella, capital da Macedônia; o cunho foi usado, subseqüentemente, pela maioria dos reis indo-grego posteriores.
Menandro e o Budismo - O Milinda Pañha
Segundo a tradição, Menandro converteu-se ao budismo, como descrito no Milinda Panha, um texto
budista clássico em Pali sobre as discussões entre Milinda (Menandro) e o sábio budista Nagasena. Ele é descrito como sendo constantemente acompanhado por uma guarda de 500 soldados gregos.
Menandro é introduzido como "Rei dacidade de Sâgala na Índia, Milinda, como é chamado, instruído,
eloqüente, sábio e hábil; e um fiel observador de todos os váriosatos de devoção e cerimônia
realizados com os seus próprios hinos sagrados concernindo às coisas passadas, presentes e por vir.
Muitas eram as artes e ciências que ele conhecia -a tradição sagrada e a lei secular; o Sankhya, a Yoga e o Nyanya e os sistemas Vaiseshika de filosofia, aritmética, música, medicina, os quatros Vedas, os Puranas e os Otihasas, também conhecia sobre astronomia, magia, a lei da causalidade, feitiçaria, a arte da guerra e poesia.
Como um disputante era difícil se equiparar, mais difícil ainda de se superar; o reconhecido superior
de todos os fundadores das várias escolas filosóficas. E tanto em sabedoria quanto em força corporal, de vivacidade e de valor não existia, na Índia, ninguém igual a Milinda. Ele também era rico, poderoso em riqueza e em prosperidade, e o número de seus soldados armados era infindável." (As Perguntas do Rei Milinda, traduzido para o inglês por T. W. Rhys Davids, 1890).
As tradições budistas relatam que, logo após as suas discussões com Nāgasena, Menandro adotou o budismo.
Expansão do Budismo no Ocidente
Após os encontros entre o budismo e o Ocidente representados na arte greco-budista, um conjunto de informações e lendas sobre o budismo chegaram ao Ocidente de maneira esporádica. Durante o século VIII as histórias budistas foram traduzidas para o siríaco e o árabe como Kaligag e Damnag. Uma biografia do Buda foi traduzida para o grego por João de Damasco, acreditando-se que tenha circulado entre os cristãos como a história de Josafat e Baarlam. No século XIV, Josafat seria declarado santo pela Igreja Católica Romana. O próximo contato direto entre o budismo e o Ocidente aconteceu na Idade Média quando o monge franciscano Guillaume de Rubrouck foi enviado como embaixador à corte mongol de Mongke pelo rei Luís IX de França. O encontro aconteceu em Cailac (atualmente no Cazaquistão), tendo o monge julgado que os budistas seriam cristãos perdidos. O budismo começou a despertar um interesse no público ocidental no século XX, após o fracasso de projetos políticos como o marxismo. Nos anos setenta um interesse pela realização pessoal substituiu a importância dos projetos políticos que visavam mudar a sociedade. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário